Raynéia Gabrielle Lima, 31, teria sido metralhada em Manágua; país vive onda de violência.
Na foto, estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima, morta na Nicarágua – Reprodução/Facebook.
A estudante de medicina Raynéia Gabrielle Lima, 31, foi morta a tiros na noite desta segunda-feira (23) em Manágua em meio à convulsão social que tomou o país governado por Daniel Ortega.
O assassinato, divulgado pela imprensa local, foi confirmado pela Embaixada do Brasil na Nicarágua. Estudante da Universidade Americana (UAM), Lima teria sido metralhada.
Raynéia era pernambucana de Vitória de Santo Antão e completaria 32 anos em agosto. Em seu perfil nas redes sociais ela se descreve: “Nascida no Brasil, renascida na Nicarágua. Liberdade, luz, paz e amor.”
Atingida com um tiro de grosso calibre no peito, foi levada pelo namorado ao Hospital Militar, mas morreu duas horas mais tarde. O seu carro teria recebido vários disparos.
Medina diz que o bairro onde ela morreu, Lomas de Montserrat, é habitado por altos funcionários do governo. A principal hipótese é de que o disparo tenha vindo de paramilitares que passaram a fazer a segurança da região.
“É uma morte incompreensível”, diz o reitor, um dos representantes da sociedade civil na mesa de negociação com o governo Ortega, suspensa no final de junho. “Espero que o governo brasileiro reaja e faça o que tenha de fazer.”
Em comunicado à imprensa, a Polícia Nacional disse que os disparos partiram de um segurança particular “em circunstâncias ainda não determinadas”.
Não há informação sobre se ele foi preso ou para quem trabalhava.
A estudante de medicina realizava sua residência médica no hospital Carlos Roberto Huembes, que pertence à polícia.
FAMÍLIA
O pai da estudante, o motorista Ridevando Lima, disse que ela se mudou há seis anos para a Nicarágua junto com o marido, cuja família, brasileira, já havia morado no país.
“Ela estava terminando a residência”, disse Lima à Folha, por telefone. “Estava pronta para vir pro Brasil.”
O pai a descreveu como uma pessoa caseira e estudiosa. “Ela não entrava nisso de manifestação, era muito tranquila.”
“Ela não protestava, mas esteve nos hospitais apoiando os feridos [nos protestos] como médica, assim como muitos de seus companheiros da universidade”, disse uma amiga, também universitária, que pediu o anonimato para evitar represálias.
“Era uma menina muito alegre, sempre sorridente e disposta a ajudar.”
CRISE
O país da América Central vive desde abril uma onda de protestos que pedem a saída do presidente Ortega.
Desde o início dos protestos, em abril, Manágua vive um toque de recolher informal após as 19h, em meio a vários relatos de pessoas assassinadas ou sequestradas por policiais e paramilitares do regime de Ortega.
As lojas dos shoppings, antes abertas até as 20h, agora fecham às 17h. São poucos os restaurantes que se arriscam a abrir durante a noite, e muitos já fecharam as portas.
O governo respondeu com violência aos manifestantes e ao menos 360 pessoas já foram mortas, a maior parte civis.
Ortega nega ter ligação com os grupos paramilitares que são acusados de serem os responsáveis pela maioria das mortes, apesar deles usarem bandeiras do partido do presidente, a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Ele afirma que não pretende renunciar e que quer permanecer no cargo.
Na semana passada, uma equipe de jornalistas estrangeiros entrou no campus, mas teve de sair após paramilitares dispararem para o alto. As universidades do país estão sem aulas desde abril, quando começaram os protestos.
A Unan era um dos principais focos das manifestações contra Ortega. No último dia 13, policiais e paramilitares iniciaram uma ofensiva contra as trincheiras montadas pelos estudantes —dois deles morreram com tiros na cabeça. Por Fabiano Maisonnave. Folha SP.
Crise sociopolítica
O assassinato ocorre em meio a uma crise sociopolítica com manifestações contra o presidente Daniel Ortega. A repressão governamental aos protestos já deixou entre 277 e 351 mortos, de acordo com organizações humanitárias locais e internacionais.
“É preciso dizer isso, paramilitares que estavam na casa de Francisco López foram os que dispararam”, disse o presidente. A brasileira morava na mesma área que López, uma região ao sul da capital nicaraguense.
López, tesoureiro do partido governante, Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), e até pouco tempo atrás gerente de duas grandes empresas estatais relacionadas com o petróleo e o setor construção, foi afetado pelo Global Magnitsky Act, dos Estados Unidos, que o acusou de graves violações aos direitos humanos.
O assassinato da estudante brasileira ocorreu horas depois de Ernesto Medina participar de um fórum no qual disse que o crescimento econômico e a segurança na Nicarágua antes da explosão dos protestos contra Daniel Ortega em abril “era parte de uma farsa” porque “nunca houve um plano que acabasse com a pobreza e a injustiça“.
“A morte desta estudante é um sinal do que está acontecendo na Nicarágua, contradiz o que Ortega disse em entrevista à “Fox News”, que tudo está normal, mas é uma paz de mentira, há paramilitares por todos lados”, argumentou o reitor.
“As forças paramilitares sentem que têm carta branca, ninguém vai dizer nada a eles, ninguém vai fazer nada, eles andam sequestrando e fazendo batidas”, acrescentou.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) responsabilizaram o governo da Nicarágua por “assassinatos, execuções extrajudiciais, maus tratos, possíveis atos de tortura e prisões arbitrárias”.
A Nicarágua está imersa na crise mais sangrenta da história do país em tempos de paz e a mais forte desde a década de 80, quando Ortega também foi presidente (1985-1990).
Os protestos contra Ortega e sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, começaram no dia 18 de abril devido a fracassadas reformas na Previdência Social e se transformaram em um grande pedido de renúncia ao presidente, que acumula 11 anos no poder em meio a acusações de abuso e corrupção. EFE