
CFoi a trágica morte do famoso repórter gastronômico americano Anthony Bourdain, em 2018, que empurrou Bakasura, o lendário ogro voraz, a emergir de seu torpor. Regressando subitamente à civilização, esta personagem da mitologia hindu, cujas aventuras antropofágicas são contadas no longo poema sagrado de Mahabharata, usa pequenos óculos redondos e um lenço azul amarrado no queixo duplo.
Em A última festa de Rubin (Urban Comics), revista em quadrinhos de culinária escrita por Ram V e ilustrada por Filipe Andrade, Bakasura se apresenta aos humanos sob um nome falso: Rubin Baksh. Quando se aproxima de Mohan, um jovem cineasta sem inspiração, não é para devorá-lo, mas para lhe oferecer uma missão: fazer um documentário que destaque as sutilezas da cultura culinária indiana – de certa forma, acredita o ogro epicurista, para finalmente ser capaz de transmitir aos mortais sua paixão pelas coisas comestíveis.
Ao estilo de Anthony Bourdain, que se interessava tanto pelo conteúdo de uma receita como pela história que ela contava e pelo ser humano que a elaborava, Rubin e Mohan partiram pelas estradas da Índia numa grande viagem gourmet. Juntos, pretendem captar em filme a essência de seis pratos emblemáticos da culinária indiana. Para começar, a do masala chaï, uma receita de chá preto preparada com uma mistura inteligente de especiarias (geralmente gengibre, cravo, canela, pimenta preta e cardamomo).
Nos passos do raan
A bordo de um caminhão, nossa dupla se aventura pelas paisagens desérticas do Rajastão, onde cresce o mirchi, uma pimenta vermelha local que é usada na composição do laal maas, um curry de carneiro preparado com molho picante à base de iogurte (dahi). Perseguidos por dois caçadores de cabeças que lhes desejam mal, o ogro e o cineasta partem para o Punjab, na trilha do raan, prato de um rei milenar (uma perna de cordeiro cozida por muito tempo no tandoor, o tradicional forno, servido acompanhado de legumes assados, chutney de hortelã, sumo de limão e pão).
Depois de parar no norte da Índia para aprender a cozinhar o dal, famoso prato de lentilhas, segundo as regras da arte (com manteiga clarificada, no fundo de uma panela de barro), regressam às origens do arroz triplo schezwan, prato vegetariano de arroz frito e macarrão, emblema da culinária sino-indiana, no oeste do país.
A busca iniciática e culinária de Rubin e Mohan termina com uma nota doce, com a degustação de um paal payasam (uma espécie de arroz doce decorado, nomeadamente, com noz-moscada em pó, pistilos de açafrão e água de rosas). Uma sobremesa milenar, valorizada pelos deuses, que tem o poder de “transcendendo tempo e fronteiras”.
A chave gráfica A tinta e as cores de Filipe Andrade, artista português, influenciado pelo mundo da banda desenhada americana.
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O toque prático As receitas detalhadas dos pratos que descobrimos no meio dos desenhos, entre as caixas.
A última festa de Rubin, Ram V e Filipe Andrade, Urban Comics, 152 p., 21€.