O futuro da Rússia na Síria pode ser uma questão de debate, e os analistas concordam em geral que a perda da Síria significará pouco para a Rússia em termos materiais.
No entanto, o facto de o Kremlin querer manter a sua pegada estratégica no Mediterrâneo e em África – desenvolvida ao longo da última década – é amplamente reconhecido.
Durante o curso da guerra na Síria, a Rússia forneceu apoio militar e diplomático vital, fundamental para a manutenção do governo de Bashar al-Assad.
No processo, estabeleceu um campo de aviação importante em Khmeimim e expandiu enormemente a sua base naval da era soviética em Tartous, o único porto de águas quentes da Rússia.
Com a Síria nas mãos de uma administração liderada por Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o futuro dessas bases não é claro e relatórios sugerir que a Rússia já parcialmente retirado suas forças.
A perda das bases – elos vitais na cadeia de influência de Moscovo ao Mediterrâneo e a África – seria prejudicial, deixando a Rússia a necessitar de uma alternativa.
A Líbia, onde a Rússia já tem presença, é reconhecida como a única alternativa prática caso a Rússia decida retirar todas ou algumas das suas forças da Síria.
No entanto, ainda não se sabe o que um súbito aumento no número militar russo poderá significar para uma Líbia volátil, bem como as implicações de uma presença russa reforçada tão perto da fronteira da OTAN.
Por que não desistir e ir para casa?
Expandir a presença da Rússia em África através das suas posições na Síria e na Líbia era um objectivo dos planeadores do Kremlin desde cerca de 2017, um objectivo pelo qual “a Rússia lutou” e do qual não estava pronta para desistir, disse Oleg Ignatov, analista sénior do International Crisis. Grupo.
“A Rússia vê África como uma das principais arenas de competição entre as actuais grandes potências”, disse Ignatov.
A Rússia, principalmente através do seu contratante militar controlado pelo Kremlin, o Africa Corps (anteriormente Grupo Wagner)mantém uma presença militar em grande parte da África.
Actualmente, as forças do Corpo Africano apoiam os governos do Mali, do Burkina Faso e do Níger, que cortaram todos os laços com o Ocidente após os recentes golpes de estado.
Além disso, o Corpo Africano provou ser vital, embora implacável, na preservação do domínio da da República Centro-Africana governo, bem como apoiar os seus aliados nas forças armadas do Sudão após Moscou mudou de lado na guerra civil daquele país este ano.
“É verdade que a influência das potências ocidentais no continente pode estar a diminuir, mas a presença de outras, como a China e a Turquia, está a crescer”, disse Ignatov.
Como tal, manter pelo menos uma das suas posições na Líbia ou na Síria era, para os planeadores do Kremlin, uma questão absoluta, disse Ignatov à Al Jazeera.
“A Líbia oferece à Rússia algo único – uma posição tanto no Norte de África como no Mediterrâneo, perfeita para projectar poder nas regiões mais vulneráveis da Europa e através do Sahel”, disse Anas El Gomati, do Instituto Sadeq, com sede em Trípoli.
Contudo, há poucas provas de que o leste da Líbia esteja a preparar-se para um influxo.
Imagens de satélite examinadas pela agência de verificação Sanad da Al Jazeera não mostraram nenhuma nova construção em nenhum dos aeródromos russos na Líbia ou desenvolvimento no porto de Tobruk, um porto adicional de águas quentes que a Rússia estaria considerando incluir em seu rebanho militar muito antes do futuro de seu homólogo. em Tartous ficou em dúvida.
“Não subestime o potencial de Tobruk. Ainda não é Tartous, mas é exactamente por isso que a Rússia o quer. Eles não estão procurando o que está lá agora. Eles estão analisando o que podem construir”, disse El Gomati.
“Lembre-se, Tartous nem sempre foi o que é hoje. Além disso, Tobruk, com a base aérea de Al Khadim (um importante centro militar russo perto de Benghazi), cria um poderoso complexo militar que poderá desafiar o flanco sul da NATO.”
Transtorno interno
A Líbia tem estado envolvida numa luta de poder própria, que a redistribuição das forças armadas russas da Síria para o Norte de África poderá derrubar.
A Líbia conheceu pouca estabilidade desde a sua revolução de 2011. É administrada por dois governos, ambos acusados de ilegitimidade pelos críticos – mas nenhum deles está disposto a ceder terreno até que possam ser realizadas eleições nacionais.

As últimas eleições propostas fracassaram no 11ª hora em dezembro de 2021.
No leste fica o Governo de Estabilidade Nacional (GNS)apoiado pelo líder autoproclamado, o comandante militar renegado Khalifa Haftar. No Ocidente fica o Governo de Acordo Nacional, reconhecido internacionalmente, liderado por Primeiro Ministro Abdul Hamid Dbeibahnomeado temporariamente em 2021 e no poder desde então.
UM Impasse de setembro entre as duas potências sobre a independência do banco central acabou por ser encerrada através de negociações prolongadas supervisionadas pelo mediadores das Nações Unidas.
Impulsionada pelo sucesso dessa mediação e pela realização de eleições municipais em Novembro, a ONU anunciou na semana passada novas negociações destinadas a realizar a primeira votação nacional desde o fracasso de 2021.
A proposta, disse a enviada da ONU à Líbia, Stephanie Koury, ao Conselho de Segurança, ajudaria o país a “ultrapassar o actual impasse político e a avançar… em direcção a eleições nacionais e à renovação da legitimidade das instituições expiradas da Líbia”.
No entanto, de acordo com analistas como Tarek Megerisi, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, o estabelecimento de um importante centro militar russo no leste da Líbia daria ao seu aliado Haftar uma voz descomunal nas negociações, da qual ele poderia abandonar sem custos.
“Se a Rússia se deslocar inteiramente para leste, Haftar poderá fazer praticamente tudo o que quiser”, disse Megerisi, descrevendo como as potências ocidentais tentariam então apaziguar Haftar na esperança de o afastar da Rússia.
As negociações propostas pela ONU, acrescentou, “não seriam uma negociação”.
“Haftar… poderia ditar os termos. Até mesmo a nomeação de um novo primeiro-ministro, que só permaneceria no cargo até que ele inevitavelmente se desentendesse com Haftar. E então o que?
“Mais balas”, concluiu.
Manobras geopolíticas
Haftar continua a ser alvo da acção diplomática ocidental, apesar da possibilidade de ele oferecer à Rússia, o adversário geopolítico do Ocidente, um porto seguro a apenas algumas centenas de milhas náuticas das costas da NATO.
“A ameaça da OTAN não é exagerada. É discreto”, disse El Gomati.
“Não se trata apenas de bases militares. Trata-se de a Rússia criar pontos de pressão nas rotas de migração, no abastecimento de energia e nos corredores comerciais da Europa. A posição da Líbia faz dela uma plataforma perfeita para a guerra híbrida”, disse ele.
Nos últimos anos, apesar da parceria estabelecida entre o governo oriental e Putin, numerosos responsáveis ocidentais reuniram-se com Haftar numa tentativa, segundo analistas, de “reabilitar” a sua reputação no Ocidente.
Em agosto, comandantes do Comando dos Estados Unidos na África, a União Europeia, Reino Unido e Itália cada um deles dirigiu-se individualmente a Haftar, descrevendo as suas visitas como tendo a intenção de incentivar o diálogo, mas, na maioria das vezes, de procurar a sua ajuda para conter a crise. fluxo de migração irregularum comércio tanto Haftar e seus aliados russos foram acusados de armamento contra a Europa.
“A necessidade do Ocidente de reabilitar Haftar faz pouco sentido”, disse Megerisi.
“Ele é basicamente um procurador russo. Tem sido assim desde pelo menos 2020”, quando a Rússia entrou no território da Líbia. guerra civil em nome de Haftar.
“Desde então, o seu exército original foi em grande parte dissolvido, para ser substituído por uma guarda pretoriana liderada pelos seus próprios filhos. Ele está enormemente distraído pelas dificuldades internas e depende de vários empreendimentos criminosos… para sustentar o seu governo”, disse Megerisi.
“Para o Kremlin”, disse ele, “ele é perfeito”.