O intelectual e sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, considerado o pai da teologia da libertação, movimento de pensamento cristão centrado na dignidade dos pobres, morreu terça-feira, 22 de outubro, em Lima, aos 96 anos.
“A Província Dominicana de San Juan Bautista del Peru lamenta informar que hoje, 22 de outubro de 2024, nosso querido irmão Gustavo Gutiérrez Merino foi à Casa do Pai”anunciou a ordem religiosa nas redes sociais, fórmula que significa que está morto. “É com profunda tristeza que anunciamos esta noite o falecimento do nosso querido amigo e fundador Gustavo Gutiérrez”confirmou, no dia X, o Instituto Bartolomé de las Casas, centro de atendimento aos mais desfavorecidos, que o padre fundou em 1974.
A ordem dominicana do Peru anunciou que nos próximos dias seriam celebradas missas em sua homenagem e que lhe seria prestada uma homenagem na Basílica de Santo Domingo, em Lima. Seus restos mortais repousarão a partir da noite de quarta-feira em uma sala de contemplação da comunidade dominicana da capital.
A Legião de Honra Francesa em 1993
Gustavo Gutiérrez, que se tornou dominicano aos 76 anos, esteve entre os padres que denunciaram as injustiças e desigualdades do subcontinente americano. Ele escreveu o primeiro grande tratado sobre o assunto em um livro, Teologia da Libertação. Panoramapublicado em 1972 e traduzido em todo o mundo.
O seu trabalho ofereceu uma nova espiritualidade baseada na solidariedade com os pobres e exortou a Igreja a participar na mudança das instituições sociais e económicas para promover a justiça social. Seguindo-o, muitos católicos latino-americanos escreveram sobre o assunto. Alguns foram criticados pelo Vaticano – em particular por João Paulo II – por terem adoptado uma interpretação considerada marxista e revolucionária do tema da libertação cristã. Padre Gutiérrez nunca rompeu com a Igreja.
Gustavo Gutiérrez recebeu um grande número de títulos honoríficos e prêmios em todo o mundo. Em 1993, na França, recebeu a Legião de Honra das mãos do presidente francês, François Mitterrand, que saudou, na ocasião, “o acordo entre a fé” do seu anfitrião “e a sua luta contra a exploração, a dominação, a pobreza e a miséria”. Em 2002, ingressou na Academia Americana de Artes e Ciências.
Saudado pelo Papa Francisco
Foi convivendo com a pobreza que construiu o seu pensamento: a teologia da libertação propõe aliviar os pobres das suas condições de vida, mas também torná-los atores da sua própria libertação. Defendeu uma reorganização da sociedade e denunciou os estragos do capitalismo, responsável, segundo ele, pelo sofrimento de inúmeros “irmãos e irmãs humanos”. Ao mesmo tempo, Gustavo Gutiérrez lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Peru e em diversas universidades norte-americanas e europeias.
A Teologia da Libertação fazia parte de um movimento sociopolítico mais amplo numa época em que a América Latina estava dividida por profundas desigualdades. Após a instalação de regimes militares durante as décadas de 1960 e 1970 na maioria dos países, os activistas da teologia da libertação participariam activamente na resistência contra estas ditaduras.
No 90º aniversário de Gustavo Gutiérrez, o Papa Francisco cumprimentou o seu “serviço teológico” et “seu amor preferencial pelos pobres e excluídos da sociedade”. O Papa agradeceu-lhe por “a sua forma de apelar à consciência de todos, para que ninguém fique indiferente ao drama da pobreza e da exclusão”. Em 2018, o papa argentino canonizou outra grande figura da teologia da libertação, Monsenhor Romero, que foi assassinado no meio de uma missa em 1980 em El Salvador.
O mundo com AFP