
Toda disciplina experimenta um estado de incandescência além do qual aqueles que a exercem podem muito bem ser chamados de “poetas”. O título agrada particularmente ao libanês Ghassan Salhab, que há vinte e cinco anos agita o cinema e fez ressoar uma das vozes mais sérias do Médio Oriente, expressando a consternação de uma região atordoada pela guerra perpétua. Longe de se ater ao testemunho, a obra não hesita em lançar-se nos trampolins da metáfora, para fazer ressoar através da forma as explosões de raiva política e de desespero existencial.
Nascido em 1958 em Dakar, onde passou a infância, Salhab regressou ao Líbano aos 12 anos e viveu a guerra dupla das décadas de 1970-1980, uma guerra bilateral, civil por dentro, defensiva por fora, todos os dramas entrelaçados entre si. É autor de nove longas-metragens (além de alguns ensaios), que preservam sua repercussão, e uma ínfima parte deles foi distribuída na França. A retrospectiva que lhe foi dedicada por Cinema de Saint-André-des-Artsa partir de 11 de dezembro em Paris, oferecerá, portanto, a oportunidade de descobri-los no grande ecrã, até aos inéditos, e em cópias restauradas. Enquanto se espera a expansão para outras salas, o lançamento de um box set de DVD completa o evento, reunindo os principais filmes do diretor em 6 longas e 3 ensaios.
Anti-retrato de Beirute
A obra de Ghassan Salhab está organicamente ligada à cidade de Beirute, cujos desvios acidentados faz, suspensa no seu ciclo perpétuo de destruição-reconstrução, entre as suas fachadas crivadas de impactos e os seus altos esqueletos de betão. O apropriadamente nomeado Fantasma de Beirute (1998), seu primeiro longa-metragem e magnífica introdução, dá o tom. No final da década de 1980, o retorno à cidade de um veterano, após dez anos de exílio, despertou emoção entre aqueles que foram seus companheiros de armas revolucionários e ainda não digeriram sua fuga.
Aos poucos, as velhas reformas de grupo, cuja causa perdida no caminho, entregam-na a uma existência espectral. Reencontros dolorosos, durante os quais Salhab pinta um antirretrato da cidade nas suas brechas: linha de demarcação, cortes de energia, explosões intempestivas não passam sem dividir a forma do filme, que avança em blocos de tempo e telescopagem sonora.
Esta fragmentação está no cerne da arte do cineasta, onde as relações entre personagens perdidos e espaços desconectados emergem através de mudanças. É o caso do fascinante Terra incógnita (2002), que compara três perspectivas sobre a cidade: a de uma guia turística (Carole Abboud) que examina seus vestígios antigos, a de um arquiteto (Walid Sadek) que a remodela em 3D por computador, e a de um animador de rádio (Carlos Chahine ) que retransmite o ruído da mídia.
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