Guilherme Botacini, Julia Chaib
A diplomacia brasileira espera uma relação pragmática com os Estados Unidos sob Donald Trump, apesar das bravatas protecionistas do republicano, que toma posse nesta segunda-feira (20).
Integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entendem que o Brasil não será prioridade na nova gestão do republicano no que se refere à América Latina. Apostam, no entanto, que o canal de diálogo existente com a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, pode funcionar como ponte para a relação com Washington apesar das rusgas recentes,.
Segundo os interlocutores consultados pela Folha, a gestão Trump, particularmente na figura do enviado à América Latina, Mauricio Claver-Carone, não vai buscar uma abordagem agressiva de tarifas e pressão diplomática no país. Ao contrário, deve ampliar investimentos e parcerias para fazer frente à presença da China no país e no continente.
Membros do governo dizem ainda que não há nada que impeça uma relação respeitosa entre Lula e Trump porque o americano nunca atacou pessoalmente o brasileiro —diferentemente do argentino Javier Milei, com quem Lula tem uma relação azeda e protocolar.
Especialistas ouvidos pela reportagem concordam com a avaliação de que Trump não deve tratar o Brasil como prioridade. “O Brasil nunca esteve e nunca estará no radar de prioridades de Trump, e aparece como algo anedótico ou no contexto de declarações de Trump sobre América Latina e imigrantes indo para os EUA. O foco dele [no continente] é México, América Central e Caribe”, afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais.
“Pelo menos em 2025, os EUA terão uma visão mais pragmática, de continuidade, com o Brasil. Há outros problemas americanos prioritários no continente, como Cuba, Venezuela e a presença da China”, diz Cristina Soreanu Pecequilo, professora de relações internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
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Pecequilo pondera que isso pode mudar em 2026, ano de eleições presidenciais no Brasil e das midterms, eleições legislativas que ocorrem na metade do mandato do chefe do Executivo americano. “O Brasil é o tipo de país com o qual os EUA sob Trump têm divergência em alguns campos, como o ideológico, mas do qual ao mesmo tempo não pode afastar”, diz ela.
O governo brasileiro sedia a cúpula do Brics neste ano, grupo que tem se posicionado como alternativa à ordem global liderada pelos EUA e tem como lideranças os grandes rivais geopolíticos de Washington, China e Rússia. O republicano tem buscado impedir a tentativa da organização de avançar alternativas ao dólar —uma das prioridades da presidência brasileira no Brics.
No caso do tripé Brasil-EUA-Venezuela, os dois especialistas concordam que, apesar do pragmatismo na relação com Brasília, Washington pode pressionar o governo brasileiro a adotar uma postura mais dura com Maduro.
Historicamente aliado do chavismo, o governo Lula tenta se equilibrar entre críticas e o protocolo diplomático para manter um canal de diálogo com a ditadura vizinha desde a contestada eleição venezuelana que, segundo o regime, reelegeu Maduro em julho passado —a oposição e observadores internacionais contestam o resultado oficial.
Desde então, os dois países trocam farpas, e a relação se desgastou. “Com a administração Trump, o Itamaraty talvez seja obrigado a equacionar essa visão relativa à Venezuela, que é uma política um pouco confusa de que não há nada o que fazer e que leva a certa inação”, diz Poggio.
Por sua vez, a ameaça de imposição de tarifas feita por Trump entre a eleição e sua posse é vista pelo governo com cautela. O republicano usou o Brasil como exemplo de país que taxa muito e prometeu tratamento recíproco.
Se por um lado há o risco de o Brasil se tornar alvo de sobretaxação, por outro há a leitura de que uma forte política tarifária contra outros países pode abrir oportunidades para produtos e serviços brasileiros no mercado americano.
Um exemplo disso é a exploração de minerais críticos estratégicos, cruciais para a transição energética e para a indústria de chips e semicondutores. Os EUA buscam expandir parcerias relativas a esses recursos com o Brasil desde o fim do ano passado, em uma tentativa de reduzir sua dependência da China na área.
O agronegócio brasileiro é outro setor que pode se beneficiar, mas em alguns mercados os produtos nacionais competem com os americanos.
“Há também uma questão de risco estrutural [da guerra comercial], que é a instabilidade global”, afirma Pecequilo. “Se você tensiona muito as duas maiores economias mundiais e isso leva a um desequilíbrio da economia chinesa, isso pode ter efeito aqui. A falta de regras no comércio internacional e o unilateralismo afetam países que têm papel secundário no jogo comercial”, diz ela.
O desdém de Trump por instituições multilaterais, inclusive relativas ao comércio internacional, também pesa negativamente para o Brasil.
A defesa do multilateralismo é uma pauta histórica da diplomacia brasileira e particularmente importante para o governo Lula, que defende a reforma de instituições como o Conselho de Segurança da ONU e órgãos financeiros como o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Não é, no entanto, como se o governo Biden tivesse sido positivo para a pauta. A Organização Mundial do Comércio (OMC) segue paralisada, e a ONU não conseguiu evitar ou acabar com as guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia.