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Vício de Bach e Balzac, o café vai bem em coquetéis – 21/11/2024 – Daniel de Mesquita Benevides

Casanova frequentava o Caffè Florian, na praça São Marcos, em Veneza —era o único que admitia mulheres. Ele tomava seu café, vindo custosamente de além-mar, e buscava a nova presa. A prática do épico galanteador e principalmente a discriminação de gênero soam péssimos para ouvidos contemporâneos, mas eram regra na época, 1720.

Nesse mesmo ano, um oficial da marinha francesa partiu para a Martinica com um único pé de café. Um passageiro atacou a planta, num gesto de loucura (algo comum nos sete mares). Ela sobreviveu, assim como a tempestades e piratas, sempre defendida por seu protetor. Durante uma terrível escassez de água, ele dividiu sua porção com a rubiácea.

Explica-se: o café era uma preciosidade e começava a virar uma febre nos círculos elegantes europeus. O grão surgiu na Etiópia, entre monges e pastores. Diz a lenda que as cabras comiam a frutinha e começavam a pular como se estivessem numa festa. Marco Polo trouxe a planta de suas viagens ao Oriente, em meados do século 13. Ao menos é o que se acredita.

Em 1730, Bach, entusiasmado com o café, sobre o qual dizia ser “delicioso como milhares de beijos, mais doce que um moscatel”(Casanova discordaria), compôs a cômica “Cantata do Café”. O libreto conta a história de uma jovem viciada em café e de seu pai tentando fazer com que pare com o vício. Curiosamente, a cantata é menos agitada do que se espera.

São muitos os fieis do café. Balzac, que só faltava injetar o líquido nas veias, acreditava que era a cura para o bloqueio criativo. Declarou, marcialmente: “uma vez que o café atinge o seu sistema, as ideias entram em marcha rápida, como os batalhões de um grande exército”. T.S. Eliot foi mais humilde: “Medi minha vida com colheres de café”.

A cafeína pode matar insetos, mas é preciso 50 xícaras de café em seguida para que ela seja fatal ao ser humano. O filósofo Voltaire chegou perto e tomou as tais 50 xícaras, mas ao longo de um dia. Viveu 83 anos, driblando as recomendações médicas. Um amigo lhe disse que o café era um veneno lento —ao que ele respondeu: “deve ser lento mesmo, pois tomo desse veneno há 75 anos”.

Voltaire, com seu sorriso entre o gentil e o irônico, faria aniversário dia 21. Vão-se 330 anos. Com mais de 20 xícaras diárias, dizia que “ao tomar a bebida, a pessoa sente-se bem e com esperança, e a melancolia desaparece”. Um feito e tanto, comprovado pelos zumbis matutinos, quando, após rolar de noite na cama, revivem com goles de coffea arabica. Basta o cheiro para levantar as pálpebras.

Há muitos coqueteis cafeinados para brindar ao grande pensador iluminista: irish coffee, expresso martini, rich coffee, eye opener…a lista é longa. O importante é ter em mente que “a busca do prazer deve ser o objetivo de toda pessoa racional”, como disse o autor de “Cândido”.

Nightcup

  • 60 ml de rum
  • 60 ml de café coado
  • 15 ml de xarope de bordo (maple syrup)
  • Um lance de Angostura
  • Água com gás

Bata os quatro primeiros itens com gelo. Coe para um copo Collins com gelo até a borda. Finalize com a água com gás e o espirro de uma casca de laranja.


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