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‘Acho que, rapaz, faço parte disso tudo’: como os heróis locais reflorestaram o coração verde do Rio | Desenvolvimento global

Constance Malleret in Rio de Janeiro

FDe seu ponto privilegiado no alto do morro onde cresceu, Luiz Alberto Nunes dos Santos contempla a cidade lá embaixo. Blocos de apartamentos brancos estão aninhados entre montanhas cobertas por uma vegetação luxuriante. A estátua do Cristo Redentor e do Pão de Açúcar aparecem pelas frestas das árvores. O mar é quase visível à distância.

A impressionante mistura de infraestrutura urbana e selva tropical do Rio de Janeiro, aninhada entre picos de granito e o mar, conquistou a cidade Estatuto de património mundial da Unesco em 2012. No entanto, poucas pessoas percebem que as florestas verdejantes que cobrem as dramáticas colinas do Rio são em grande parte o resultado da intervenção humana.

“Nada disso estava aqui antes. Nada, zero árvores”, diz Santos, apontando para a mata que cerca Tavares Bastos, uma pequena favela situada em um morro com vista para a Baía de Guanabara. O homem de 40 anos, que usa o nome de Leleco, plantou ele mesmo algumas dessas árvores como parte de um projeto pioneiro de reflorestamento administrado pelo governo municipal.

Leleco inicialmente se envolveu no projeto porque precisava de um emprego. Vinte anos depois, ele lidera três pequenas equipes para manter e enriquecer florestas restauradas em Tavares Bastos e em dois outros locais. É um trabalho desafiador que envolve trabalhar duro no calor, subir encostas íngremes com mudas delicadas e remover constantemente ervas daninhas de espécies invasoras não nativas, como o bambu. Mesmo assim, Leleco não conseguia se imaginar fazendo outra coisa.

“Sinto-me responsável quando olho para tudo isto, como era antes e como é agora. Vejo pássaros que não estavam aqui antes, animais que voltaram para a floresta e penso, rapaz, que faço parte disso tudo”, diz ele, com uma pitada de orgulho.

Morro São João in 2002 and 2019
Morro São João

O programa, hoje conhecido como Refloresta Rio (Reforest Rio)foi criada pelo governo municipal em 1986. Em 2019, havia transformado a paisagem da cidade, tendo treinado 15 mil trabalhadores locais como Leleco, que plantaram 10 milhões de mudas em 3.462 hectares (8.500 acres) – cerca de 10 vezes a área da cidade de Nova York. Parque Central.

Os locais reflorestados incluem manguezais e bancos de areia cobertos de vegetação chamados restinga, bem como encostas arborizadas ao redor das favelas.

Com o tempo, alguns locais foram abandonados devido ao desligamento da comunidade local ou a preocupações de segurança ligadas à violência generalizada nas favelas do Rio. Mas o programa global sobreviveu a quase uma dúzia de administrações autarcas e pode agora ser considerado uma política pública, dizem os defensores.

“Oscila, mas temos cerca de 100 locais (ativos) espalhados pela cidade, alguns em áreas mais seguras, outros em áreas muito violentas”, diz Peterson Santos Silva, coordenador do projeto na prefeitura. Esse número inclui cerca de 30 sítios reflorestados em parceria com empresas privadas, uma iniciativa paralela lançada em 2011.

“Não conheço nenhum outro projeto no mundo, administrado por um governo municipal, que seja tão grande quanto o projeto Refloresta Rio”, diz Richieri Sartori, professor de ciências biológicas da Pontifícia Universidade Católica de Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Rocinha em 1996 e 2019
Rocinha


SEspalhada por 17 estados que abrigam 72% da população do país, a Mata Atlântica é o ecossistema mais devastado do Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), restam apenas 12,4% da mata nativa – 80% dela em áreas privadas – após a devastação devido à expansão urbana e exploração de pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e café desde a chegada dos portugueses em 1500.

Em um país onde biomas como a Amazônia e o Pantanal está queimando para dar lugar à agricultura e à pecuária, e incêndios florestais também podem ocorrer em áreas urbanas, como aconteceu recentemente perto do Parque Nacional da Tijuca, a recuperação da Mata Atlântica é um sinal de que algo diferente está em andamento no Rio.

Cidade de 6,2 milhões de habitantes, o Rio tem uma longa história de replantio da mata atlântica nativa. Durante a escassez de água em 1862, o Imperador Dom Pedro II ordenou o reflorestamento do maciço costeiro da Tijuca para restaurar suas nascentes. Esta é considerada a primeira iniciativa de reflorestamento tropical do mundo. A floresta da Tijuca é hoje um parque nacional de 3,5 quilômetros quadrados no coração da cidade.

Mais recentemente, as abruptas encostas graníticas do Pão de Açúcar, um marco que se projeta para o mar, foram reflorestadas na década de 1970.

A restauração das florestas urbanas traz inúmeros benefícios ambientais e humanos. Estas incluem incentivar o florescimento da biodiversidade, ajudar a regular o abastecimento de água, reduzir o risco de erosão através do fortalecimento do solo e diminuir a o efeito ilha de calor urbana.

Isto parece particularmente urgente à medida que o Brasil enfrenta desafios cada vez mais ondas de calor severas e frequentes e incêndios florestais. Em setembro, os termômetros do Rio registraram 41,1ºC (110ºF), um novo recorde para os meses de inverno.

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“Acho que seria impossível sobreviver no Rio, considerando as temperaturas atuais, se não fossem todas as áreas reflorestadas”, diz Sartori, que estudou os benefícios que áreas mais verdes trazem para a cidade.

Ainda assim, quando o Refloresta Rio foi lançado na década de 1980, a conservação não era a questão que é hoje, muito menos a mitigação e adaptação climática. A prefeitura nem tinha secretaria de meio ambiente na época. Naquela época, o programa tinha como alvo áreas escarpadas ao redor das favelas, com a intenção de reduzir o risco de deslizamentos de terra e evitar que os assentamentos informais se espalhassem para encostas estruturalmente perigosas.

Estrada do Sumaré in 1998 and 2019
Estrada do Sumaré

Sob pressão para fornecer resultados visíveis rapidamente, os técnicos utilizaram um número limitado de espécies não nativas de rápido crescimento. Os locais mais antigos do projeto estão passando por um processo de “enriquecimento florístico” para aumentar sua biodiversidade, diz a engenheira florestal Claudia França enquanto caminha entre jovens ingás e mimosas na Serra da Posse, na zona oeste do Rio. Mais de 100 espécies diferentes da Mata Atlântica foram plantadas aqui.

“Hoje trabalhamos com técnicas completamente diferentes e privilegiamos as espécies nativas”, diz França, que ingressou na prefeitura e no programa de reflorestamento em 1996. “A ciência melhorou desde então”.

Embora as preocupações iniciais com a redução da erosão do solo e com o fornecimento de trabalho aos moradores das favelas permaneçam, o projeto evoluiu para refletir uma compreensão crescente da restauração do ecossistema como uma ferramenta para combater a crise climática.

Os funcionários municipais estão particularmente entusiasmados com o potencial do Refloresta Rio para melhorar o bem-estar e fornecer educação ambiental em comunidades distantes dos cartões postais da cidade, que tendem a ser as primeiras vítimas da injustiça climática.

Os incêndios costumavam ser um grande problema na Serra da Posse, que, como a maioria das áreas degradadas do Rio, era invadida por um capim alto, invasivo e altamente inflamável chamado capim colonião. Geralmente acesos pela população local queimando lixo, os incêndios se espalhavam e consumiam mudas recém-plantadas, para exasperação dos trabalhadores do reflorestamento.

Mas Denivam Souza, engenheiro florestal responsável pela área, tem notado uma mudança gradual de atitude.

“As pessoas ficam muito chateadas com os incêndios agora. A colina inteira pegava fogo no passado. Agora são talvez 5% na área que não tocamos, mas as pessoas ficam mais chateadas – porque agora têm um sentimento de pertencimento”, diz Souza, que ostenta um grande sorriso e uma camiseta com o formato da árvore do projeto. logotipo.

Dois Irmãos in 1994 and 2019
Dois Irmãos

Conseguir a adesão da comunidade nem sempre é fácil, mas o principal desafio, diz ele, é a falta de recursos. Como um dos 15 profissionais técnicos da prefeitura, ele está sobrecarregado gerenciando mais de uma dúzia de locais na zona oeste do Rio. Ele gostaria de ver os trabalhadores locais dos quais o programa depende receberem melhores salários – a maioria ganha pouco mais de 1.000 reais (£ 139) por mês, menos que o salário mínimo de 1.412 reais, e têm o status de voluntários remunerados, sem o benefícios do emprego formal.

“Isso não é só para a comunidade local”, diz Souza, abrigado à sombra de uma ingá. “É para toda a cidade, para toda a Mata Atlântica e, pensando bem, para o mundo inteiro. Estamos a capturar carbono, a combater as alterações climáticas – e tudo começa com a equipa local.”



Leia Mais: The Guardian

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