Adriano Alves
Todo mês de agosto, há mais de 200 anos, mulheres negras saem vestidas como as tradicionais baianas de branco em procissão pelas ruas de Cachoeira (BA). A tradição da Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte é um dos patrimônios culturais do Recôncavo Baiano. À frente da celebração religiosa, Dazinha ocupava o cargo de juíza perpétua, o mais alto na hierarquia da irmandade.
Considerada um ícone do feminismo negro no Brasil, a irmandade afrocatólica foi uma entidade que ajudou na alforria de muitos escravos da região e apoiou recém-libertos. Mesmo associadas a uma festa católica, mantêm o culto aos orixás das religiões de matriz africana.
Dazinha era a mais velha entre as irmãs atualmente, por isso recebeu o cargo de juíza perpétua em 2012. Criada no candomblé, dizia “nasci dentro da camarinha”, um rito da religião. Feita desde criança, era de Obá com Ogum.
Falava muito sobre sua fé e seus ensinamentos. Também ensinava as descendentes a serem mulheres independentes e que correm atrás de seus objetivos.
“Minha avó foi uma mulher guerreira, uma referência. Tinha uma personalidade forte e era alegre. Aprendi com ela a lutar pelos meus objetivos e a não baixar a cabeça para homem, o que ela sempre falava para mim e minha irmã”, afirma a neta Vanessa Cristina da Conceição Ataíde, 39.
Maria das Dores da Conceição nasceu em 1916, em Muritiba (BA). Foi na cidade baiana que passou quase toda a vida. Viviam na rua chamada Ilha das Cobras, que ficava ao fundo de um cemitério.
A infância foi dura, como a realidade local da época. Precisou trabalhar cedo, ajudando os pais na criação de animais.
Durante parte da vida, foi charuteira, trabalhando em uma fábrica de fumo da cidade. Por algum tempo, morou em Salvador. Depois, de volta a Muritiba, foi lavadeira.
Dazinha não se casou e teve 15 partos, mas só quatro filhos sobreviveram. Também criou duas netas, Vanessa Cristina e Enaide, filhas da sua caçula, que faleceu anos atrás.
Mesmo com o avançar da idade, nunca gostou de depender dos outros, fazia tudo sozinha. Ia para a feira e cumpria sua rotina. Nem após perder a visão, aos 101 anos, queria ficar parada.
Este ano, ficou acamada por conta de problemas de saúde. Morreu em 30 de setembro, aos 108 anos, após passar mal em casa e ser levada para o hospital.
Deixa três filhos: Maria de Lourdes, Raimundo e Anaildes. Também ficam as netas que criou como filhas: Vanessa Cristina e Enaide, além de muitos outros netos, bisnetos, trinetos e tataranetos.