A nossa posição em relação aos mais recentes questionamentos a todas essas práticas, as quais ainda demandam demonstração científica mais consistente, parte do princípio de que todas as práticas de saúde, convencionais e alternativas, acontecem num espectro contínuo que se apresenta entre dois polos: intervenção e cuidado, que se combinam nas mais variadas formas.
A metodologia científica é bem-sucedida na mensuração e avaliação rigorosa das intervenções, mas ainda não tanto em relação ao cuidado, pois este envolve um número muito grande de variáveis.
A biomedicina trabalha em busca de padrões universais, com uma descrição objetiva do adoecer. O ser humano tem um lado singular, não comparável, e que, para ser conhecido, se faz necessário um afastamento do universal. Ambos devem ser levados em consideração.
O exercício adequado das práticas alternativas envolve intensa conexão entre intervenção e cuidado. A escuta, a ressonância, a abertura ao outro são pilares dessa experiência de implicar-se de fato, para além de uma neutralidade impessoal.
Ainda não é possível, numa abordagem de saúde baseada nessa relação pessoal, única, falar em médias, em duplo cego ou em intervalo de confiança. Que se criem então condições de pesquisa em metodologias qualitativas e quantitativas que possam descrever essa complexidade em vez de simples e facilmente negar algo que não se conhece em profundidade.
Vale lembrar que foi graças ao estudo das anomalias nas previsões das órbitas planetárias que a astronomia avançou até hoje. E que a prática médica se vale de várias substâncias, entre analgésicos e antipsicóticos, das quais o mecanismo de ação não é conhecido. O jogo do conhecimento, entre teoria e prática, é infinito —e assim vai continuar.
Além disso, se as práticas alternativas fossem “somente” fenômenos placebo, não se teria tanta dificuldade para aprendê-las e praticá-las com qualidade, algo que, quem faz e quem recebe, sabe muito bem.
E por “apenas um fenômeno placebo” não se explicam as agravações de sintomas, com posterior melhora, tão frequentes na homeopatia, na medicina tradicional chinesa, no rolfing e até mesmo em algo tão delicado como a eutonia.
Bons e maus profissionais existem em todas as áreas da saúde, mas não se podem ignorar os benefícios que as práticas alternativas de saúde vêm trazendo, há anos, a um número cada vez maior de pessoas. Se isso ainda não foi contabilizado em números, não é culpa dos praticantes, mas da falta de pesquisa. E no SUS isso poderia acontecer.
São os próprios colegas que trabalham no SUS que encaminham seus pacientes, tanto para a homeopatia como para as outras práticas alternativas.
Na experiência no centro de saúde ocorre uma vinculação do paciente com o serviço. Como consequência, temos menos faltas e menos demanda por consultas em outros serviços, além de uma diminuição nos pedidos de exames, pois o médico conhece melhor a individualidade do paciente.
Que essas percepções se transformem, com o grande trabalho necessário para tanto, em conhecimento consistente em vez de serem negadas de modo tão superficial, como vêm sendo tratadas tantas outras questões nesta nossa sociedade sofrida e tão polarizada quanto carente.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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