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Padrões sombrios em seu banco: o povo brasileiro não merece e o BC tem o dever de impedir – 10/11/2024 – Opinião

Os padrões sombrios (tradução da expressão dark patterns) são estratégias projetadas para influenciar consumidores a fazerem escolhas que beneficiam o fornecedor, em detrimento de seus próprios interesses. Os padrões sombrios são introduzidos no desenho dos ambientes virtuais de interação, explorando a falta de tempo e as fragilidades cognitivas das pessoas, em prejuízo da transparência e do respeito aos direitos básicos à informação e à liberdade de escolha.

Exemplos de padrões sombrios no sistema financeiro brasileiro incluem fazer o usuário realizar uma ação indesejada para acessar um serviço desejado. Ainda, mostrar um caminho simples para contratações, mas labiríntico para cancelamentos. Deixar como opção padrão o “pacote de serviços” mais caro possível, ao invés de esclarecer, desde logo, que a gratuidade de contas é um direito dos correntistas.

Enquanto os padrões sombrios das compras de passagens aéreas no Brasil já não surpreendem —ainda que, algum dia, o leitor tenha sido confundido na aquisição do seguro-viagem e nas taxas para marcação de poltrona—, as possibilidades para os bancos ainda assustam.

Nos últimos dias, as signatárias deste artigo notaram padrões sombrios nas opções para “fazer transferência” e “fazer Pix” em duas das maiores instituições financeiras do Brasil.

Na primeira situação, o usuário que queria fazer um Pix era levado a uma tela onde havia duas opções: “continuar com cartão de crédito” e “fechar”. Havia saldo em conta. Não havia solução possível para um usuário idoso ou inexperiente. Na segunda, em um padrão sombrio ligeiramente mais sutil, o aplicativo destacava, com uma linha de contorno em movimento, a opção de Pix pelo “cartão de crédito”, ao lado das opções convencionais de uso dos recursos a partir da conta corrente ou da conta poupança.

Por que alguém com dinheiro em conta escolheria fazer um Pix com o uso do cartão de crédito? Não há uma resposta clara. Por que o banco preferiria que seu cliente fizesse a transferência usando o cartão de crédito? Há várias respostas: ganhar a taxa e os juros pelo “saque do cartão de crédito” (efetivo resultado do pseudo-Pix), reforçar os números do cartão de crédito e aumentar a dependência dos serviços intermediados pelo banco (ideia antípoda à criação do Pix).

Os padrões sombrios são uma fração de preocupação maior: a possibilidade de redução do livre-arbítrio e a perda da capacidade de tomar decisões sem manipulação externa, no contexto de ampla interação tecnológica. Os chamados “neurodireitos” são a nova fronteira para as relações de consumo e para os direitos humanos.

Quando o Banco Central criou o Pix, surpreendeu o mercado com a especificação de uma série de regras visuais a serem obedecidas pelos bancos e pelo comércio. Essas regras, ainda em vigor, especificam tamanho, cor e localização do sinal “Pix”, por exemplo.

Essas regras precisam ser ampliadas para desafiar os padrões obscuros, a arquitetura dos aplicativos dos bancos e a deletéria ambição de lucro construída sobre as fragilidades cognitivas das pessoas. A inovação do Pix não pode ser capturada pelos vícios do ecossistema financeiro brasileiro.

O Banco Central pode e precisa regulamentar mais.

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