Catarina Ferreira
Entender que um espaço cultural historicamente elitizado, como o Theatro Municipal de São Paulo, não deve ser restrito a pessoas brancas passa por incluir pessoas negras nos espetáculos, nos palcos e bastidores, e também na equipe de gestão durante o ano todo, e não apenas em ações pontuais. É o que afirma Nathália Costa, gerente de programação artística e produção do Theatro Municipal.
O aumento do número de músicos pretos e pardos e a mudança no perfil racial do público do teatro, nos últimos três anos, são visíveis, segundo Nathália. Mas a mudança caminha a passos curtos. “Eu gostaria que virasse rotina”, diz ela sobre a presença de pessoas não brancas entre diretores, cantores líricos e demais artistas do meio erudito.
Espetáculos musicais e teatrais com protagonismo negro ou indígena ainda são concentrados em datas comemorativas, no mês de novembro, por exemplo, quando se celebra o Dia da Consciência Negra. Esses momentos são importantes, diz, mas a inclusão efetiva é um desafio vencido apenas com a constância.
Não basta colocar as pessoas dentro dos espaços é preciso que sejam acolhidas e que sintam-se respeitadas. “O meio erudito infelizmente ainda é totalmente branco, machista e em grande parte homofóbico”, afirma. “Por isso, é uma obrigação tratar esses casos de preconceito, que infelizmente acontecem, de uma forma muito implacável e assertiva.”
Além de combater casos de racismo, parte do trabalho de inclusão de pessoas pretas e pardas no teatro, na música e na dança clássica, passa pelo resgate de personagens que tiveram sua relevância apagada ao longo do tempo.
É o caso da cantora lírica conhecida como Joaquina Lapinha.
Joaquina Maria da Conceição foi uma mulher negra que viveu no final do século 18 e se apresentou em palcos do Brasil e da Europa. A personagem é homenageada no concurso anual que leva seu nome e é promovido pelo Conservatório de Música e Teatro de Tatuí, no interior de São Paulo.
A competição de canto lírico é destinada a solistas pretos, pardos e indígenas de todo o Brasil. O concurso se tornou uma importante vitrine para cantores do gênero, afirma Gil de Oliveira, gerente geral do conservatório. Além de um prêmio em dinheiro, os vencedores participam da temporada de apresentações do Theatro Municipal, em São Paulo, e integram a programação do Teatro Procópio Ferreira, em Tatuí.
“O concurso me trouxe uma consciência importante. Eu, como pessoa preta, não sabia quem era Joaquina Lapinha, ela foi uma das grandes cantoras nossas e tinha que pintar a cor da pele, se embranquecer, para poder se apresentar.”
Registros sobre a história da artista indicam que ela precisava usar maquiagem para clarear a pele para poder cantar em concertos que fazia na Europa.
Colocar mais artistas negros em evidência aumenta o interesse da comunidade em prestigiar os espetáculos e Gil diz ver isso de perto. Ele conta que a vontade do público em conhecer mais da arte clássica existe, o que acontece, muitas vezes, é que há um distanciamento entre as pessoas e o teatro pela falta de acesso a equipamentos culturais.
A chave é se aproximar da periferia com ações fora dos muros dos espaços de cultura e também torná-los mais convidativos para a comunidade em geral. “Temos que mostrar que o nosso palco é universal, que vai receber todas as expressões artísticas, do samba até a música lírica, e que a entrada no teatro é universal.”
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