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‘Algo foi tirado’: o segredo bem guardado da MGF no Paquistão | MGF

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9 meses atrásem
Mariam, de sete anos, estava animada. Sua mãe a vestiu com seu vestido rosa favorito, com o cabelo preso em duas tranças presas com presilhas de borboleta, e lhe disse que iria a uma festa surpresa de aniversário para sua prima.
Em vez disso, a tia levou Mariam, de mãos dadas, para um prédio desgastado, com camadas de paredes descascadas e uma mesa de metal frio esperando lá dentro.
Ali, uma velha de cabelos cacheados murmurou baixinho garantias que Mariam não entendeu, agarrou-a e prendeu-a sobre a mesa. Então a dor começou – era aguda, lancinante, inesquecível. Os próximos 20 minutos dividiriam a sua vida entre um “antes” e um “depois” – e destruiriam a sua confiança na pessoa em quem ela mais acreditava: a sua mãe.
Duas décadas depois, a sobrevivente de mutilação genital feminina (MGF), de 27 anos, ainda carrega as cicatrizes daquele dia. “Sinto que falta algo dentro de mim. É como se algo tivesse sido tirado e isso se transformasse em uma parte negativa do meu corpo.”
“É uma deficiência emocional. Você não consegue descrever suas emoções quando fala sobre necessidades sexuais”, diz ela. “Ao procurar um companheiro”, acrescenta ela, “você tem uma deficiência na (sua) resposta emocional e sexual”.
Mariam pertence aos Dawoodi Bohras do Paquistão, uma seita de muçulmanos xiitas provenientes principalmente da região de Gujarat, entre os quais a MGF é uma prática comum. As estimativas sugerem que entre 75% e 85% das mulheres Dawoodi Bohra no Paquistão são submetidas à MGF, quer em residências privadas, por mulheres mais velhas – sem qualquer anestesia e com instrumentos não esterilizados – quer por profissionais médicos em centros urbanos como Karachi. O Paquistão tem uma população Dawoodi Bohra estimada em 100.000 pessoas.
No entanto, muitos paquistaneses continuam inconscientes de que esta prática é comum no seu país. Embora a MGF em algumas partes de África ganhe manchetes a nível mundial, uma cultura de silêncio no Paquistão significa que a prática tem continuado em grande parte, sem ser controlada pelo escrutínio público ou pela intervenção legal.
Um manto de segredo protege o ritual e o Paquistão não dispõe de dados nacionais abrangentes sobre a difusão da MGF. As raparigas são sujeitas à MGF numa idade em que é difícil para elas processá-la sozinhas. E a comunidade Dawoodi Bohra nem sequer se refere à remoção do capuz do clitóris como mutilação – chamam-lhe circuncisão, um rito de passagem que deve ser cumprido – que não deve ser questionado.
As mulheres que optam por falar contra esta prática são por vezes ameaçadas de excomunhão da comunidade. “Quando você questiona uma autoridade, você vê a saída”, diz Mariam.
“Para onde você irá? Você nasceu aqui.
Resistência a uma prática duradoura
“Seus pais querem o que é melhor para você.” É uma crença que as crianças mantêm firmemente – até que ela se quebre. Como aconteceu com Aaliya.
O jovem de 26 anos relembra fragmentos de um processo tão doloroso que durante anos pareceu um pesadelo, cruel demais para ser real.
Mas a verdade permaneceu em flashes: a mesa fria e inflexível, as promessas sussurradas de que isso era “necessário”, a dor aguda, física e emocional. “Parecia um sonho ruim, como se não pudesse ter acontecido”, diz ela, com a voz trêmula devido ao choque de um trauma que ela não entendeu na época.
O medo foi a emoção que ela sentiu enquanto estava deitada na mesa de metal. Traição foi o que ela sentiu depois, junto com uma dor insuportável. “O que me surpreende é que há toda uma geração de pessoas dispostas a fazer isso com uma criança, mesmo sem saber por quê”, diz Aaliya.
Globalmente, o esforço para acabar com a MGF ganhou força nos últimos anos. No início deste ano, o parlamento gambiano rejeitou um controverso projecto de lei para anular a proibição de 2015 à MGF.
Mas a comunidade Dawoodi Bohra até agora manteve a prática. Em abril de 2016, Syedna Mufaddal Saifuddin, o atual líder global dos Bohras, reafirmou a necessidade da circuncisão feminina, ou khatna, no seu sermão no Saifee Masjid de Mumbai, apesar da crescente oposição dentro da comunidade e em todo o mundo.
“Deve ser feito… se for uma mulher, deve ser discreto”, disse Saifuddin, insistindo que era benéfico tanto para o corpo como para a alma.
Os médicos dizem, no entanto, que a MGF pode levar a complicações reprodutivas nas mulheres.
“As meninas podem ter abscesso, problemas urinários; eles podem enfrentar uma série de problemas em suas vidas de casados, pois a saúde sexual é muito afetada, eles também podem ter dispareunia”, diz Asifa Malhan, ginecologista consultora e professora assistente no Jinnah Postgraduate Medical Center, em Karachi. A dispareunia é uma dor genital duradoura ou recorrente que ocorre imediatamente antes, durante ou depois do sexo.
“Como profissional de saúde e ginecologista, não recomendo a ninguém que isso seja feito. É muito prejudicial.”
A verdadeira razão pela qual as raparigas são submetidas à MGF não é a saúde, dizem os críticos da prática.
O clitóris, a região onde a mulher obtém maior prazer sexual, é referido como Haram ki boti (um pedaço de carne pecaminoso) por muitos na comunidade. “Quando o nosso clitóris é chamado de haram ki boti, fica muito claro que esta prática não é feita para fins de higiene ou limpeza”, diz Aaliya. “Isso é feito para oprimir a sexualidade de uma mulher.”
O clitóris tem o maior número de terminações nervosas de qualquer parte do corpo humano e é a parte mais sensível do corpo feminino. Quando é mutilado, as terminações nervosas são cortadas, levando à perda de sensibilidade.
“Aquelas meninas cujo clitóris foi removido não conseguem sentir um certo prazer sexual”, diz Sana Yasir, uma coach de vida baseada em Karachi com formação médica em psicologia.
Do ponto de vista médico, também, a MGF é perigosa. Sem clitóris, as lesões durante a relação sexual são mais prováveis, diz Yasir.
Quebrando barreiras culturais
De acordo com a Pesquisa Demográfica e de Saúde do Paquistão 2017-18, 28% das mulheres do país com idades entre 15 e 49 anos sofreram violência física e 6% enfrentaram violência sexual. Além disso, 34 por cento das mulheres que já foram casadas sofreram violência física, sexual ou emocional por parte do cônjuge.
Num país com uma violência baseada no género tão generalizada, a prática da MGF agrava a luta pelas vítimas femininas.
“É uma forma extremamente grave de violência de género, cujos efeitos podem não ser sentidos imediatamente, mas são sentidos durante um período prolongado”, diz Aaliya.
O Paquistão não possui nenhuma lei específica que criminalize a prática. Embora, no âmbito do Código Penal do Paquistão, disposições mais amplas, como as Secções 328A (crueldade para com crianças), 333 (amputação ou desmembramento) e 337F (laceração de carne), pudessem, em teoria, ser aplicadas, até à data não foi documentado qualquer processo desse tipo.
As leis sobre violência doméstica e proteção infantil nas províncias cobrem amplamente os danos físicos, mas não mencionam a MGF. Num Plano de Acção Nacional de 2006, o governo reconheceu o problema, mas nenhuma acção foi tomada para acabar com ele.
De acordo com um Pesquisa de 2017 por Sahiyouma organização sem fins lucrativos com sede em Mumbai, na Índia, que trabalha para acabar com a MGF nas comunidades do Sul da Ásia, 80% dos entrevistados foram submetidos à MGF. A pesquisa centrou-se nas mulheres da comunidade Dawoodi Bohra. Sahiyo é uma organização transnacional com operações e campanhas que se estendem a países como os Estados Unidos, o Reino Unido e outras regiões onde a MGF é praticada.
Os profissionais de saúde dizem que enfrentam grandes desafios na tentativa de erradicar esta prática. Eles podem aconselhar um paciente, mas não para por aí. O que é necessário, dizem eles, é envolver a comunidade para explicar, do ponto de vista médico, as inúmeras desvantagens desta prática – e o facto de não haver benefícios cientificamente comprovados.
“O governo deveria colaborar com os médicos e visitar a comunidade onde esta prática está sendo realizada”, afirma Malhan. “Sem isso, não haverá solução para este problema e enfrentaremos desafios semelhantes no futuro.”
Esta divulgação, salienta Yasir, precisa de ser feita com sensibilidade, com respeito pelas tradições culturais da comunidade.
Huda Syyed, que publicou uma investigação no Journal of International Women’s Studies da Bridgewater State University sobre a falta de dados e diálogo sobre a MGF no Paquistão em 2022, disse que a prática está por vezes ligada à identidade de uma menina dentro da comunidade. Entre Dawoodi Bohras, parece ter um significado religioso e espiritual. Geralmente é transmitido como uma prática intergeracional.
“Ao fazer minha pesquisa, minha abordagem foi compassiva, contextual e focada na comunidade, porque muitas vezes as comunidades são condenadas ao ostracismo, perseguidas e punidas de diferentes maneiras por costumes e práticas que são normas sociais, e às vezes também são manchadas e pintadas de uma forma negativa ”, diz Syyed.
“A mudança não é possível atacando as comunidades e evitando-as porque então corremos o risco de a prática ou o costume da MGF ser praticado clandestinamente; o que realmente precisamos focar é incluir a comunidade, trabalhar com ela e trazer mudanças a partir de dentro.”
Syyed diz que as soluções têm que surgir de uma conversa com a comunidade e impor ideias de fora não funcionará.
“Há duas partes quando se fala sobre esta prática: algumas pessoas que estão abertas ao diálogo e ao envolvimento sobre o assunto, mas de uma forma segura onde a sua comunidade não é atacada porque nenhuma comunidade quer ser vilanizada, e depois há outros que querem preservar sua comunidade e costumes”, diz Syyed.
A Al Jazeera procurou os líderes comunitários para saber as suas perspectivas, mas não recebeu resposta.
Para Aaliya, a forma como a própria comunidade responde às preocupações de mulheres como ela é fundamental: “É importante promover a ideia de que posso pertencer a esta comunidade e ainda assim dizer não à mutilação genital feminina”, diz ela.
Mas, quer a comunidade responda, para sobreviventes como Mariam, o tempo para o silêncio acabou.
“Essa prática tirou algo de mim”, diz ela, “e isso termina comigo retirando algo”.
*Os nomes dos sobreviventes foram alterados para proteger suas identidades.
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Ufac inicia 34º Seminário de Iniciação Científica no campus-sede — Universidade Federal do Acre

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2 dias atrásem
24 de setembro de 2025
A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propeg) da Ufac iniciou, nessa segunda-feira, 22, no Teatro Universitário, campus-sede, o 34º Seminário de Iniciação Científica, com o tema “Pesquisa Científica e Inovação na Promoção da Sustentabilidade Socioambiental da Amazônia”. O evento continua até quarta-feira, 24, reunindo acadêmicos, pesquisadores e a comunidade externa.
“Estamos muito felizes em anunciar o aumento de 130 bolsas de pesquisa. É importante destacar que esse avanço não vem da renda do orçamento da universidade, mas sim de emendas parlamentares”, disse a reitora Guida Aquino. “Os trabalhos apresentados pelos nossos acadêmicos estão magníficos e refletem o potencial científico da Ufac.”
A pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Margarida Lima de Carvalho, ressaltou a importância da iniciação científica na formação acadêmica. “Quando o aluno participa da pesquisa desde a graduação, ele terá mais facilidade em chegar ao mestrado, ao doutorado e em compreender os processos que levam ao desenvolvimento de uma região.”
O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, comentou a integração entre ensino, pesquisa, extensão e o compromisso da universidade com a sociedade. “A universidade faz ensino e pesquisa de qualidade e não é de graça; ela custa muito, custa os impostos daqueles que talvez nunca entrem dentro de uma universidade. Por isso, o nosso compromisso é devolver a essa sociedade nossa contribuição.”
Os participantes assistiram à palestra do professor Leandro Dênis Battirola, que abordou o tema “Ciência e Tecnologia na Amazônia: O Papel Estratégico da Iniciação Científica”, e logo após participaram de uma oficina técnica com o professor Danilo Scramin Alves, proporcionando aos acadêmicos um momento de aprendizado prático e aprofundamento nas discussões propostas pelo evento.
(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)
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Representantes da UNE apresentam agenda à reitora da Ufac — Universidade Federal do Acre

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2 dias atrásem
24 de setembro de 2025
A reitora da Ufac, Guida Aquino, recebeu, nessa segunda-feira, 22, no gabinete da Reitoria, integrantes da União Nacional dos Estudantes (UNE). Representando a liderança da entidade, esteve presente Letícia Holanda, responsável pelas relações institucionais. O encontro teve como foco a apresentação da agenda da UNE, que reúne propostas para o Congresso Nacional com a meta de ampliar os recursos destinados à educação na Lei Orçamentária Anual de 2026.
Entre as prioridades estão a recomposição orçamentária, o fortalecimento de políticas de permanência estudantil e o incentivo a novos investimentos. A iniciativa também busca articular essas demandas a pautas nacionais, como a efetivação do Plano Nacional de Educação, a destinação de 10% do PIB para a área e o uso de royalties do petróleo em medidas de justiça social.
“Estamos vivenciando um momento árduo, que pede coragem e compatibilidade. Viemos mostrar o que a UNE propõe para este novo ciclo, com foco em avançar cada vez mais nas políticas de permanência e assistência estudantil”, disse Letícia Holanda. Ela também destacou a importância da regulamentação da Política Nacional de Assistência Estudantil, entre outras medidas, que, segundo a dirigente, precisam sair do papel e se traduzir em melhorias concretas no cotidiano das universidades.
Para o vice-presidente da UNE-AC, Rubisclei Júnior, a prioridade local é garantir a recomposição orçamentária das universidades. “Aqui no Acre, a universidade hoje só sobrevive graças às emendas. Isso é uma realidade”, afirmou, defendendo que o Ministério da Educação e o governo federal retomem o financiamento direto para assegurar mais bolsas e melhor infraestrutura.
Também participaram da reunião a pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno; o pró-reitor de Assuntos Estudantis, Isaac Dayan Bastos da Silva; a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Margarina Lima de Carvalho; o pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes; representantes dos centros acadêmicos: Adsson Fernando da Silva Sousa (CA de Geografia); Raissa Brasil Tojal (CA de História); e Thais Gabriela Lebre de Souza (CA de Letras/Português).
(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)
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Multa para ciclistas? Entenda o que diz a lei e o que vale na prática

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2 dias atrásem
24 de setembro de 2025
CT
Tomaz Silva / Agência Brasil
Pode não parecer, mas as infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro não se limitam só aos motoristas de carros e motos — na verdade, as normas incluem também a conduta dos ciclistas. Mesmo assim, a aplicação das penalidades ainda gera dúvidas.
Nem todos sabem, mas o Código de Trânsito Brasileiro (CBT) descreve situações específicas em que ciclistas podem ser autuados, como pedalar em locais proibidos — o artigo 255 do CTB, por exemplo, diz que conduzir bicicleta em passeios sem permissão ou de forma agressiva configura infração média, com multa de R$ 130,16 e possibilidade de remoção da bicicleta.
Já o artigo 244 amplia as situações de infração para “ciclos”, nome dado à categoria que inclui bicicletas. Entre os exemplos estão transportar crianças sem segurança adequada, circular em vias de trânsito rápido e carregar passageiros fora do assento correto. Em casos mais graves, como manobras arriscadas ou malabarismos, a penalidade prevista é multa de R$ 293,47.
De fato, o CTB prevê punições para estas condutas, mas o mais curioso é que a aplicação dessas regras não está em vigor. Isso porque a Resolução 706/17, que estabelecia os procedimentos de autuação de ciclistas e pedestres, foi revogada pela norma 772/19.
Em outras palavras, estas infrações existem e, mesmo que um ciclista cometa alguma delas, não há hoje um mecanismo legal que permita a cobrança da multa.
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