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Derrota de Boulos impõe revés a Lula e lança dúvid…

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Bruno Caniato

Em um palanque montado no Campo Limpo, bairro na Zona Sul de São Paulo, onde Guilherme Boulos mora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contou na campanha eleitoral deste ano que conheceu seu afilhado político “fazendo protesto na frente da minha casa”. Lula se referiu a manifestações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) em um terreno da Volkswagen em São Bernardo do Campo, em julho de 2003. Era o primeiro ano de Lula no Planalto e o acampamento com cerca de 4 000 pessoas, no berço político do presidente, foi o primeiro desafio imposto por movimentos sociais ao PT no governo. “A partir dali começamos a nos entender e nasceu uma amizade e uma relação de respeito muito grande”, disse Lula. Passados quinze anos da ocupação, Boulos marchou com um “exército” de sem-teto até as portas do Sindicato dos Metalúrgicos na mesma cidade do ABC. Lula estava prestes a ser preso pela Lava-Jato, e Boulos estava disposto a não permitir que ele cumprisse a ordem. O petista se entregou, mas antes discursou ao lado de líderes de esquerda. “Para mim, é motivo de orgulho pertencer a uma geração que já está no final vendo nascer dois jovens disputando o direito de ser presidente”, disse citando Boulos, recém-filiado ao PSOL, e Manuela d’Ávila, na época do PCdoB — hoje, fora do partido, ela faz críticas à esquerda.

Já a aproximação entre Boulos e Lula se estreitou ainda mais, a ponto de o petista decidir bancá-lo na disputa pelo comando da maior cidade do país. Havia motivos para otimismo. Em 2020, abraçado apenas pelo PSOL e dois nanicos de esquerda (PCB e Unidade Popular), Boulos havia surpreendido na sua primeira eleição ao Executivo, foi ao segundo turno paulistano e, embora derrotado por Bruno Covas (PSDB), amealhou 40,62% dos votos válidos. Agora, com o apoio de Lula, do governo federal e de uma frente de esquerda que incluía PT, PDT, Rede, PCdoB e PV, o seu desempenho eleitoral foi o mesmo: conquistou 40,65% dos eleitores e ficou muito atrás do vencedor, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que teve quase 20 pontos a mais (59,35%).

O tamanho da derrota é grande por qualquer ângulo que se olhe. A campanha de Boulos foi a mais cara do país — 81,2 milhões de reais. O fiasco veio mesmo com a candidatura trazendo a peso de ouro gente como o marqueteiro Lula Guimarães, que ajudou João Doria a vencer em 2016 e cuidou das campanhas presidenciais de Eduardo Campos e Marina Silva em 2014 — ele recebeu nada menos que 8 milhões de reais. O trabalho de marketing foi tentar desvincular do candidato a pecha de radical e “invasor”. Outro furo na água: o político foi o campeão em rejeição. Boulos também gastou 8,8 milhões de reais para impulsionar posts nas redes sociais, e 7,4 milhões de reais para levar a militância às ruas — sinal dos tempos difíceis para a esquerda, que sempre se orgulhou de ter militância orgânica (veja o quadro).

ENGAJADO - Lula em ato na Paulista: esforço do presidente para eleger o pupilo (Ricardo Stuckert/PR)

A campanha começou com Boulos tentando passar uma imagem menos radical. Nessa fase, teve de modular o discurso da esquerda em defesa da ditadura venezuelana e se virar para explicar por que, como relator, deu parecer para livrar o aliado André Janones (Avante-MG) da acusação de praticar rachadinha em seu gabinete. Para Luana Alves (PSOL), vereadora reeleita, a busca pragmática pelo eleitor de centro emitiu um sinal confuso para a militância nas ruas. “Contra a máquina, a gente tem que ter movimento (de militância)”, defende ela.

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O Boulos “paz e amor” durou pouco. À medida que a candidatura se mostrava incapaz de sair da estagnação, ele foi aumentando o tom, até terminar a campanha disparando acusações contra Nunes, de corrupção a envolvimento com o PCC. Um antigo boletim de ocorrência de uma suposta agressão do prefeito contra sua mulher, que não teve desdobramentos, foi explorado à exaustão. Somente no segundo turno, a campanha de Nunes ganhou na Justiça Eleitoral 32 direitos de resposta por falsas acusações — Boulos obteve contra Nunes apenas uma vitória no mesmo quesito. As últimas semanas foram marcadas pelo vale-tudo, sendo a cereja do bolo a tentativa igualmente fracassada de dialogar com o eleitor de Pablo Marçal ao participar de uma polêmica live com o ex-rival que, na reta final do primeiro turno, divulgara contra ele um laudo falso “atestando” que era usuário de cocaína. Também tentou emular Lula ao lançar a “Carta ao Povo de São Paulo”, uma referência direta à carta lida por Lula aos brasileiros, em 2002.

NÃO DEU - Lula Guimarães: tentativa fracassada de suavizar imagem do psolista
NÃO DEU - Lula Guimarães: tentativa fracassada de suavizar imagem do psolista (Zanone Fraissat/Folhapress/.)

Há vários motivos para dizer que a derrota de Boulos foi também a derrota de Lula. O presidente atuou para torná-lo candidato desde 2022, quando fez com que o psolista desistisse de concorrer ao governo do estado para apoiar Fernando Haddad, que foi derrotado. Como contrapartida, impôs Boulos ao PT em São Paulo — foi a primeira vez desde a sua fundação que o partido não teve um “prefeitável”. Lula também articulou a volta de Marta Suplicy à sigla e a sua posição de vice na chapa. Foi ainda a disputa na qual mais se engajou, tanto que tomou uma multa de 15 000 reais em maio por ter pedido votos a Boulos fora do período eleitoral, durante o ato de 1º de Maio. No primeiro turno, São Paulo foi a única cidade que o presidente visitou mais de uma vez em atos de campanha.

Sob a batuta de Lula, boa parte da Esplanada embarcou na campanha do candidato do PSOL. Já em junho, os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) anunciaram ações do programa Cozinhas Solidárias no Grajaú, na Zona Sul — o projeto, de autoria de Boulos, foi inspirado em ações do MTST. Em junho, um palanque foi montado na Zona Leste para inaugurar a pedra fundamental dos campi do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O evento contou com a presença de Lula, do ex-prefeito e titular da Fazenda, Fernando Haddad, dos ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, da Educação, Camilo Santana, e das Cidades, Jader Filho — este, por ironia, filiado ao MDB de Nunes. Ministro mais importante do governo, Haddad caminhou em uma das maiores favelas de São Paulo (Heliópolis) para pedir votos ao aliado. Boulos também teve ajuda de última hora de Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, filiado ao PSD (que estava na coligação de Nunes). Silveira aproveitou dos apagões que assolaram a capital paulista para criticar a atual gestão municipal. Do lado adversário, quem trabalhou firmemente a favor de Nunes foi o governador Tarcísio de Freitas, com direito a uma tremenda bola fora no dia da votação, quando divulgou, sem provas, que o PCC estaria orientando a partir dos presídios votação em Boulos. Por causa disso, a oposição entrou com um pedido de impeachment de Tarcísio na Assembleia Legislativa de São Paulo na última quarta, 30. Apesar da gravidade do caso, a ação não deve prosperar.

CLAQUE CARA - Apoiadores na rua: despesa milionária com a militância
CLAQUE CARA - Apoiadores na rua: despesa milionária com a militância (Ian Maenfeld/Fotoarena/.)

O fracasso de Boulos espelhou uma dificuldade cada vez mais notória da esquerda: a de impedir que parte do eleitorado que sempre esteve a seu lado migrasse para as candidaturas de centro e direita. Um dado revelador — inclusive sobre o fracasso da ofensiva eleitoral do governo federal — é o que mostra que a candidatura PSOL-­PT teve dificuldades até com os beneficiários do Bolsa Família, o maior programa social do governo e que virou uma das marcas das gestões petistas. Também perdeu o voto das periferias, o que fica claro no fato de ter ganhado em apenas três das 57 zonas eleitorais da cidade, uma delas no Centro. A colocação de Marta Suplicy como vice, em razão da boa avaliação que teve do eleitorado da periferia em sua gestão, não mostrou resultado. A candidatura perdeu para Nunes mesmo na Zona Sul, região conhecida pela forte influência de vereadores do PT, em especial da família Tatto (tanto que uma vasta área ali é conhecida como “tattolândia”). Boulos ainda foi derrotado entre os eleitores de baixa renda e menor escolaridade, outros nichos eleitorais da esquerda. Por fim, o candidato do PSOL conseguiu convencer apenas 65% dos eleitores que em 2022 optaram por Lula nas urnas.

DE OLHO - Lula no dia da prisão: citação a Boulos como o futuro da esquerda
DE OLHO - Lula no dia da prisão: citação a Boulos como o futuro da esquerda (Leo Correa/AP/Imageplus)

A aposta do PT e de Lula na eleição paulistana e o fracasso advindo dela reacenderam animosidades antigas no partido sobre estratégias eleitorais, mas principalmente colocou em dúvida o futuro político de Boulos. Depois de tentar duas vezes a prefeitura, é difícil arriscar qual será o seu próximo passo. Pode disputar o governo do estado ou o Senado em 2026, mas a única vitória certa talvez seja se reeleger deputado — ele foi o mais votado em 2022, com pouco mais de 1 milhão de eleitores. Há quem considere que possa ganhar um ministério, mesmo pequeno, em uma eventual reforma em 2025. Em discurso aos seguidores após a grande derrocada nas urnas, o candidato afirmou que era vitorioso por ter recuperado a dignidade da esquerda na campanha. Na verdade, Boulos saiu da campanha menor do que entrou.

Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917



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CPMI do INSS deve causar estrago ainda maior ao go…

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CPMI do INSS deve causar estrago ainda maior ao go...

Marcela Rahal

Como se não bastasse a ideia de uma CPI na Câmara, ainda a depender do aval do presidente Hugo Motta (o que parece que não deve acontecer), o governo pode enfrentar uma investigação para apurar os desvios bilionários do INSS nas duas Casas.

Já são 211 assinaturas de parlamentares a favor da CPMI, 182 deputados e 29 senadores, o suficiente para o início dos trabalhos. A deputada Coronel Fernanda, autora do pedido na Câmara, vai protocolar o requerimento nesta terça-feira, 6. Caberá ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, convocar o plenário para a leitura da proposta e, consequentemente, a criação da Comissão.

Segundo a parlamentar, que convocou uma entrevista coletiva para amanhã às 14h30, agora o processo deve andar. O governo ficará muito mais exposto com um escândalo que tem tudo para ficar cada vez maior, segundo as investigações ainda em andamento.

O desgaste será inevitável. O apelo do caso é forte e de fácil entendimento para a população. O assalto bilionário aos aposentados e pensionistas do INSS.



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Com fortes dores, Antonio Rueda passará por cirurg…

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Com fortes dores, Antonio Rueda passará por cirurg...

Ludmilla de Lima

Presidente da Federação União Progressista, Antonio Rueda passará por uma cirurgia nesta segunda-feira, 05, devido a um cálculo renal. Por causa de fortes dores, o procedimento, que estava marcado para amanhã, terá que ser antecipado. Antes do anúncio da federação, na terça da semana passada, ele já havia sido operado por causa do problema, colocando um cateter.

Do União Brasil, Rueda divide a presidência da federação com Ciro Nogueira, do PP. Os dois partidos juntos agora têm a maior bancada do Congresso, com 109 deputados e 14 senadores. O PP defendia que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira ficasse no comando do bloco, mas o União insistia no nome de Rueda. A solução foi estabelecer um sistema de copresidentes, que funcionará ao menos até o fim deste ano. 

A “superfederação” ultrapassa o PL na Câmara – o partido de Jair Bolsonaro tem 92 deputados – e se iguala ao PSD e ao PL no Senado. O poder do grupo, que seguirá unido nos próximos quatro anos, também é medido pelo fundo partidário, de R$ 954 milhões.

A intensificação das agendas políticas nos últimos dias agravou o quadro de saúde de Rueda, que precisou também cancelar uma viagem ao Rio.



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Os dois bolsonaristas unidos contra Moraes para pu…

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Os dois bolsonaristas unidos contra Moraes para pu...

Matheus Leitão

A mais nova dobradinha contra Alexandre de Moraes tem gerado frisson nas redes bolsonaristas, mas parece mesmo uma novela de mau gosto. Protagonizada por Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três licenciado da Câmara, e Paulo Figueiredo, neto do último general ditador do Brasil, os dois se uniram para tentar punir o ministro do Supremo Tribunal Federal nos EUA.

Em uma insistente tentativa de se portarem com alguma relevância perante o governo Donald Trump, os dois agora somam posts misteriosos de Eduardo com promessas vazias de Figueiredo após uma viagem por alguns dias a Washington.

Um aparece mostrando, por exemplo, a lateral da Casa Branca em um ângulo no qual parece, pelo menos nas redes sociais, a parte interna da residência oficial do presidente dos Estados Unidos. O outro promete que as sanções ao ministro do STF estão 70% construídas e pede mais “72 horas” aos seus seguidores.

“Aliás, hoje aqui de manhã, eu tive um [inaudível] com eles, no caso o Departamento de Estado especificamente, e o termo que usaram para mim foi: olha, nós não queremos criar excesso de expectativa, mas nós estamos muito otimistas que algo vai acontecer e a gente vai poder fazer num curto prazo”, disse Paulo Figueiredo.

A ideia dos dois é que, primeiro, Alexandre de Moraes, tenha seu visto cancelado e não possa mais entrar nos Estados Unidos. Depois, que ele tenha algumas sanções econômicas, caso tenha bens nos Estados Unidos, como o bloqueio financeiro a instituições do país, como empresas de cartão de crédito.

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“O que eu posso dizer para você é que a gente nunca esteve tão perto. Eu não posso dizer quando e nem garantir que vão acontecer”, prometeu ainda Paulo Figueiredo. A novela ainda vai ganhar novos ares nesta semana com a chegada de David Gamble, coordenador para Sanções do governo de Trump, ao Brasil nesta semana. 

A seguir as cenas dos próximos capítulos…



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