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Novo herói da pátria, André Rebouças deixou legado antirracista

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Rafael Cardoso – Repórter da Agência Brasil

Quando se pensa em engenharia, uma obra de qualidade é aquela estruturalmente forte e estável, capaz de resistir aos efeitos do tempo. Esse critério bastaria para qualificar o engenheiro negro André Rebouças (1838-1898) como um dos nomes mais importantes do país.


Rio de Janeiro (RJ) 17/10/2024 – Engenheiro André Rebouças é inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Busto dos irmãos André e Antônio Rebouças, na Praça José Mariano Filho, na Lagoa, esculpido por Edgar Duvivier. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 17/10/2024 – Engenheiro André Rebouças é inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Busto dos irmãos André e Antônio Rebouças, na Praça José Mariano Filho, na Lagoa, esculpido por Edgar Duvivier. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Busto dos irmãos André e Antônio Rebouças, na Praça José Mariano Filho, na Lagoa, esculpido por Edgar Duvivier. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Mas a obra dele vai além de pontes, docas, estradas de ferro e sistemas hídricos. Ele se destacou como um intelectual crítico, abolicionista, que viajou pelo mundo colhendo experiências em sociedades segregadas e projetou um Brasil onde todos pudessem ser iguais, sem distinções raciais.

O currículo credenciou André Rebouças a ser reconhecido oficialmente nesta semana como um “herói da pátria”, o que lhe garantirá um espaço no livro que reúne as principais personalidades do país.

Historiadores ouvidos pela reportagem da Agência Brasil celebraram a inclusão de Rebouças no documento. Em primeiro lugar, por entenderem que o engenheiro precisa ser mais conhecido no Brasil. Em segundo, por um resgate e revisão de sua memória, alvo de críticas por ter apoiado Dom Pedro II.

“Embora seja um reconhecimento tardio, essa inclusão no livro de heróis vem corrigir a imagem de André Rebouças como um monarquista que desistiu do país e fez um autoexílio, ao sair junto com a família imperial no fim do Segundo Reinado. Ele sai por entender que a República nasce de um movimento revanchista, de uma elite escravocrata, que não aceitou o fim da escravidão sem indenização no Brasil. E a gente teve desdobramentos muito ruins para a projeção dessa figura histórica. Tenho certeza que ajuda, em parte a corrigir isso. Existe ainda todo um trabalho a ser feito de recuperação dessa memória”, avalia Antonio Carlos Higino da Silva, historiador e autor dos livros André Rebouças no Divã de Frantz Fanon.


Rio de Janeiro (RJ), 17/10/2024 - Fachada do prédio do Armazém Docas Dom Pedro II, obra do  engenheiro André Rebouças, na região portuária do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 17/10/2024 - Fachada do prédio do Armazém Docas Dom Pedro II, obra do  engenheiro André Rebouças, na região portuária do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fachada do prédio do Armazém Docas Dom Pedro II, obra do engenheiro André Rebouças, na região portuária do Rio. Foto – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“A inclusão dele no livro é um fato muito importante, porque durante muito tempo o documento só tinha a presença de heróis brancos e excluía outros grupos sociais, como negros, indígenas e mulheres. E é um passo importante nesse processo de revisão histórica, em que aqueles antes excluídos ou apresentados como passivos ou coadjuvantes da história do Brasil, agora são vistos como protagonistas e agentes históricos potentes de transformação dos 500 anos de história do nosso país”, diz o historiador Jorge Santana, professor do Instituto Federal do Paraná.

Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

O primeiro passo é entender do que se trata o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Ele foi criado em 1992 e reúne personalidades do tidas como “protagonistas da liberdade e da democracia”, por terem dedicado parte da vida ao país. A obra também é conhecida com Livro de Aço, por ser feita com páginas desse material, e fica no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A inscrição de um novo personagem depende de lei aprovada no Congresso. Entre os heróis e heroínas brasileiros, estão Tiradentes, Anita Garibaldi, Chico Mendes, Zumbi dos Palmares, Machado de Assis, Santos Dumont, Luís Gama e Joaquim Nabuco.

A Lei nº 15.003 , que oficializa a homenagem a André Rebouças, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada nesta quinta-feira, 17 de outubro, no Diário Oficial da União. As ministras Macaé Evaristo (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial), além do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) também assinam a medida.

Biografia de Rebouças

André Pinto Rebouças nasceu no município de Cachoeira, na Bahia, em 3 de janeiro de 1838. Era filho de Antônio Pereira Rebouças e Carolina Pinto Rebouças. O pai, filho de ex-escravizada e de um homem branco, foi um advogado autodidata, deputado pela província da Bahia e conselheiro do imperador Dom Pedro I.


Rio de Janeiro (RJ) 17/10/2024 – Engenheiro André Rebouças é inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Trecho do Túnel Rebouças, que homenageia os irmãos André e Antônio Rebouças. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 17/10/2024 – Engenheiro André Rebouças é inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Trecho do Túnel Rebouças, que homenageia os irmãos André e Antônio Rebouças. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Trecho do Túnel Rebouças, que homenageia os irmãos André e Antônio Rebouças. Foto – Fernando Frazão/Agência Brasil

A família Rebouças veio para o Rio de Janeiro em 1846. André e o irmão Antônio, aos 15 e 16 anos, ingressaram na Escola Militar (precursora da Escola Politécnica) e formaram-se engenheiros militares em 1860. Depois de uma viagem pela Europa, (1861-1862) voltaram ao Brasil em 1863 e ficaram responsáveis por reformas nas fortalezas de Santos até Santa Catarina. Em 1864, André projetou o novo porto do Maranhão.

André participou da Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1866, no batalhão dos engenheiros e retornou ao Rio de Janeiro por motivo de saúde. Participou das obras do porto da cidade, foi diretor das obras das novas Docas da Alfândega (na atual praça XV) e responsável pela construção das Docas de Pedro II (ao lado do Cais do Valongo).

“Esse armazém é uma grande fonte de inspiração e deve ser pensado como referência de resistência negra. O projeto é todo pensado pelo André Rebouças, em que ele se esforçou em não ter mão de obra escravizada, em constituir proteção social para os seus trabalhadores. Rebouças foi ao encontro de um projeto moderno, de um porto industrial, trazendo referências de um engajamento político e social importante”, diz o historiador Antonio Carlos Higino.

Rebouças nunca foi escravizado, pertencia a uma classe média negra e era protegido por uma rede de amigos poderosos, como a própria família imperial. Talvez isso explique um pouco o porquê de ter demorado a se colocar publicamente como um homem negro e abolicionista. Isso começou a mudar a partir da década de 1870. As viagens para a Europa e para os Estados Unidos, onde presenciou exemplos mais visíveis de discriminação e apartheid racial, foram fundamentais para impactar os projetos políticos e a subjetividade de Rebouças.

Na década de 1880, passa a atuar ativamente no Brasil em projetos contra a escravidão. Foi um dos criadores da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, junto com Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, em 1880. E participou da Confederação Abolicionista (1883) e da Sociedade Central de Imigração (1883).

“Os mais sanhudos escravocratas confessam hoje publicamente: — a escravidão é um cancro. Já não há mais quem ouse negar que a escravidão é a gangrena nacional; que é a causa primária de todas as misérias e vergonhas que afligem este império; que é o obstáculo máximo à imigração, ao progresso da agricultora, da indústria e do comércio no Brasil”, escreveu Rebouças no texto de abertura do folheto “Abolição immediata e sem indemnisação”, publicado em 1883.

Monarquista, por considerar que o republicanismo brasileiro era liderado por antigos senhores de escravizados, Rebouças partiu para o exílio em 1889 junto com a família imperial. Depois da morte de Dom Pedro II em 1891, partiu para a África, para trabalhar e ajudar no desenvolvimento do continente. Foi nesse período que Rebouças passou a ver a África como “terra de origem” e a se declarar como homem negro, meio brasileiro e meio africano. Mas decepcionou-se com as dificuldades encontradas, como a pobreza decorrente da exploração de nações europeias. Morreu em Funchal, Portugal, em 9 de maio de 1898, em circunstâncias incertas, tendo sido encontrado no pé de um precipício, aos 60 anos.

Como legado para a realidade social dos negros pelo mundo, deixou textos e análises críticas, focados na construção de um país mais igualitário.

“O André Rebouças apontava como principal preocupação o 14 de Maio, ou seja, o dia seguinte à abolição. O que teria de ser feito, como a distribuição de terras, uma reforma agrária, para que os ex-escravizados pudessem ter um meio de sustento, de sobrevivência, e pudessem ser integrados à vida econômica do país”, diz o historiador Jorge Santana.

“Ao fim movimento abolicionista e a libertação dos escravizados, André Rebouças propôs para o orçamento do ano de 1890 um aporte, parte dos recursos de orçamento, para investimento nas pessoas libertas. Ele pensou o Brasil do futuro, da proteção social, escolarização, estradas, portos, tudo que poderia esse país um lugar moderno e melhor. Ele é uma grande referência para os que querem um Brasil melhor e mais unido”, diz o historiador Antonio Carlos Higino.



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PPG em Educação da Ufac promove 4º Simpósio de Pesquisa — Universidade Federal do Acre

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PPG em Educação da Ufac promove 4º Simpósio de Pesquisa — Universidade Federal do Acre

A Ufac realizou, nessa terça-feira, 18, no teatro E-Amazônia, campus-sede, a abertura do 4º Simpósio de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Com o tema “A Produção do Conhecimento, a Formação Docente e o Compromisso Social”, o evento marca os dez anos do programa e reúne estudantes, professores e pesquisadores da comunidade acadêmica. A programação terminou nesta quarta-feira, 19, com debates, mesas-redondas e apresentação de estudos que abordam os desafios e avanços da pesquisa em educação no Estado.

Representando a Reitoria, a pró-reitora de Pós-Graduação, Margarida Lima Carvalho, destacou o papel coletivo na consolidação do programa. “Não se faz um programa de pós-graduação somente com a coordenação, mas com uma equipe inteira comprometida e formada por professores dedicados.”

O coordenador do PPGE, Nádson Araújo dos Santos, reforçou a relevância histórica do momento. “Uma década pode parecer pouco diante dos longos caminhos da ciência, mas nós sabemos que dez anos em educação carregam o peso de muitas lutas, muitas conquistas e muitos sonhos coletivos.”

 

A aluna do programa, Nicoly de Lima Quintela, também ressaltou o significado acadêmico da programação e a importância do evento para a formação crítica e investigativa dos estudantes. “O simpósio não é simplesmente dois dias de palestra, mas dois dias de produção de conhecimento.” 

A palestra de abertura foi conduzida por Mariam Fabia Alves, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), que discutiu os rumos da pesquisa educacional no Brasil e os desafios contemporâneos enfrentados pela área. O evento contou ainda com um espaço de homenagens, incluindo a exibição de vídeos e a entrega de placas a professores e colaboradores que contribuíram para o fortalecimento do PPGE ao longo desses dez anos.

Também participaram da solenidade o diretor do Cela, Selmo Azevedo Apontes; a presidente estadual da Associação de Política e Administração da Educação; e a coordenadora estadual da Anfope, Francisca do Nascimento Pereira Filha.

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 



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Consu da Ufac adia votação para 24/11 devido ao ponto facultativo — Universidade Federal do Acre

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A votação do Conselho Universitário (Consu) da Ufac, prevista para sexta-feira, 21, foi adiada para a próxima segunda-feira, 24. O adiamento ocorre em razão do ponto facultativo decretado pela Reitoria para esta sexta-feira, 21, após o feriado do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A votação será realizada na segunda-feira, 24, a partir das 9h, por meio do sistema eletrônico do Órgão dos Colegiados Superiores. Os conselheiros deverão acessar o sistema com sua matrícula e senha institucional, selecionar a pauta em votação e registrar seu voto conforme as orientações enviadas previamente por e-mail institucional. Em caso de dúvidas, o suporte da Secrecs estará disponível antes e durante o período de votação.

 



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Professora Aline Nicolli, da Ufac, é eleita presidente da Abrapec — Universidade Federal do Acre

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Professora Aline Nicolli, da Ufac, é eleita presidente da Abrapec — Universidade Federal do Acre

A professora Aline Andréia Nicolli, do Centro de Educação, Letras e Artes (Cela) da Ufac, foi eleita presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec), para o biênio 2025-2027, tornando-se a primeira representante da região Norte a assumir a presidência da entidade.

Segundo ela, sua eleição simboliza não apenas o reconhecimento de sua trajetória acadêmica (recentemente promovida ao cargo de professora titular), mas também a valorização da pesquisa produzida no Norte do país. Além disso, Aline considera que sua escolha resulta de sua ampla participação em redes de pesquisa, da produção científica qualificada e do engajamento em discussões sobre formação de professores, práticas pedagógicas e políticas públicas para o ensino de ciências.

“Essa eleição também reflete o prestígio crescente das pesquisas desenvolvidas na região Norte, reforçando a mensagem de que é possível produzir ciência rigorosa, inovadora e socialmente comprometida, mesmo diante das dificuldades operacionais e logísticas que marcam a realidade amazônica”, opinou a professora.

Aline explicou que, à frente da Abrapec, deverá conduzir iniciativas que ampliem a interlocução da associação com universidades, escolas e entidades científicas, fortalecendo a pesquisa em educação em ciências e contribuindo para a consolidação de espaços acadêmicos mais diversos, plurais e conectados aos desafios educacionais do país.

 



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