Matheus Leitão
A intimação de Jair Bolsonaro em uma UTI após a sétima cirurgia em decorrência da facada na eleição de 2018 é um dos atos mais abjetos do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. Aliás, não lembro de nada tão indigno desde que cubro a corte como jornalista em Brasília.
É também de pouca inteligência em meio ao processo mais importante da história da corte: o julgamento da trama golpista que quase aboliu o estado democrático de direito no Brasil, envolvendo o próprio ex-presidente, ex-ministros e parte das Forças Armadas.
A decisão é tão ruim que foi necessária a divulgação de uma nota para explicar o motivo da intimação ser realizada no hospital com o ex-presidente preso a inúmeros aparelhos, convalescendo após 12 horas de uma cirurgia “extensa” e de “grande porte”.
Existe uma máxima em Brasília: quando um dos Três Poderes precisa se explicar diante de um fato é porque o ato deu muito errado.
Nesse caso, há ainda um agravante: o Código de Processo Penal proíbe a citação de indivíduos em estado grave de saúde. Alguém tem dúvida de que Bolsonaro enfrenta novamente uma situação delicada envolvendo sua condição física? O STF não conhece o código penal brasileiro?
Há uma quantidade enorme de provas contra o ex-presidente no processo da trama golpista que vão muito além da delação de Mauro Cid. São provas colhidas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-geral da República.
Tudo que Bolsonaro, seus advogados e a cúpula do bolsonarismo querem, incluindo seus filhos, é engrossar o caldo da narrativa do vitimismo para seu público, mas também furando a bolha da extrema direita.
Nesse aspecto, a citação do ex-presidente dá a sua maior contribuição para arregimentar mais fiéis ao fato de que se trata de um julgamento político. Não que seja – frise-se – mas o estrago está feito.
Mas quando o STF faz esse tipo de movimento de intimá-lo numa UTI, a imagem que fica é de fato de perseguição. A corte, assim, acaba ajudando para que o ex-presidente atinja o seu objetivo. Da porque foi um ato processual totalmente desnecessário.
É pouco inteligente até por isso: dá munição contra a imagem do próprio tribunal, que deveria se fiar no fato de que sua sede foi destruída no 8 de janeiro por violência e excessos de golpistas contra a democracia brasileira. Eles são as vítimas, junto com o Congresso e o Executivo.
Era óbvio que Bolsonaro gravaria a ação para usar nas redes sociais, como sempre fez e faz.
A explicação do STF para a intimação autorizada por Alexandre de Moraes é a de que o Bolsonaro fez uma live no dia anterior, também no próprio hospital, para vender produtos de uma empresa que tem com os filhos e outros sócios.
“A divulgação de live realizada pelo ex-Presidente na data de ontem (22/4) demonstrou a possibilidade de ser citado e intimado hoje (23/4)”, afirmou em nota. Foi inadequada a live, mas mais errada ainda a intimação, caindo na armadilha do bolsonarismo.
Qual é o problema de esperar que o ex-presidente esteja melhor, talvez até em casa pra receber essa intimação? Isso vai atrasar vinte dias, trinta dias do processo que seja, mas evita a cena lamentável da oficial de Justiça na UTI.
Um dos maiores erros da Justiça no processo em que Lula respondeu na Lava Jato foi a pressa de condená-lo. Análises comparativas mostraram que o atual presidente foi condenado em oito meses quando o normal eram 14.
A correria processual nesse caso do golpe pode se transformar no grande ou maior trunfo do líder da extrema direita brasileira.