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O que fazer quando a demência nos roubar a cognição? – 09/10/2024 – Drauzio Varella

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E o que fazer nas fases mais avançadas, quando a cognição já foi para o espaço e o corpo se tornou um fardo insuportável? Manter uma pessoa inerte, trancada num mundo impenetrável, é o melhor que podemos fazer? Terminei com essas palavras nossa última coluna, neste espaço. Foi o tema de uma série sobre demências que acabamos de apresentar no Fantástico.

A faixa da população que mais cresce no Brasil é a que está com mais de 60 anos. Hoje, quando morre um tio com 70 anos, dizemos que morreu moço. Há pouco tempo, quem atingisse essa idade era considerado muito velho. Num livro do século 19, Machado de Assis se referiu a um homem de 50 anos como “velho gaiteiro”. Em 1903, um jornal de Manaus noticiou: “Caminhão desgovernado invade casa e mata uma velhinha de 40 anos”.

Todos querem viver muito, mas não a qualquer preço. Você, leitora, é tão apegada à vida que lutaria para mantê-la ainda que não conseguisse sair da cama, não reconhecesse os filhos e confundisse os netos com ladrões prestes a assaltá-la? E você, leitor, valeria a pena continuar vivo para passar o resto dos dias sem fazer ideia de quem são aqueles estranhos que trocam as suas fraldas e lhe dão comida na boca?

Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado de Assis escreveu: “A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana”.

Em mais de 50 anos de atividade clínica, acompanhei alguns pacientes com quadros demenciais avançados. Quando a doença chega às fases finais, os familiares, exauridos pela tarefa de zelar por alguém que exige cuidados permanentes, concluem que a morte seria a solução mais humana.

Desejar a morte de uma pessoa querida, entretanto, gera sentimentos contraditórios, que fogem à racionalidade. Difícil admitir que desejamos a morte da própria mãe, do pai, de um dos irmãos ou do amigo com quem convivemos tantos anos. A reação mais comum é calar. Para quem suporta a carga de cuidados diários, rotina interminável quase sempre realizada por uma mulher, o dilema é: vão pensar que quero ficar livre do trabalho ou, pior, será que não quero mesmo?

Nesse momento, se apesar do sentimento de culpa um familiar pergunta ao médico por que não encurtar a duração daquele arremedo de vida, ouvirá que as leis brasileiras consideram a eutanásia um crime.

Está mais do que na hora de mudarmos essas leis. O Código Penal precisa atender às mudanças ocorridas nas sociedades modernas. Eu não quero de jeito nenhum vegetar num leito, sujeito à imprevisibilidade da visita da senhora com a foice, porque ela poderá me encontrar em condições indignas que ficarão gravadas para sempre na memória das pessoas que mais amo.

Nos tempos do Carandiru, ouvi de seu Araújo, um velho carcereiro: “Doutor, sabendo levar, a vida é uma festa”. É verdade, mas toda festa uma hora acaba. Diante da possibilidade de perder a consciência no fim dela, preciso ter o direito de estabelecer as condições em que pretendo me retirar. Não quero ficar até entrar em coma alcoólico, dando trabalho aos donos da casa.

Enquanto tenho pleno domínio de minhas faculdades mentais, as leis devem me assegurar o direito de registrar em cartório as condições em que minha morte deve ser antecipada, por meios farmacológicos.

É um tema controverso, mas a sociedade precisa enfrentá-lo. É possível definir regras claras para que a vontade do declarante seja respeitada. Por exemplo: ele não quer continuar quando não reconhecer mais ninguém e perder o controle dos esfíncteres ou quando passar os dias mudo olhando para o teto ou quando estiver sem memória e precisar de uma sonda gástrica para não morrer de inanição.

Para os mais religiosos, que consideram a vida um dom divino que só pode ser confiscado pelo Criador, é importante não esquecer que concordamos com a doação dos órgãos de uma pessoa com morte encefálica. No entanto, o coração ainda pulsa e os pulmões trocam gás carbônico pelo oxigênio que a circulação leva para todas as células; só o cérebro morreu.

A eutanásia é aceita porque estabelecemos uma hierarquia entre os tecidos do organismo na qual o sistema nervoso central tem primazia sobre os alvéolos pulmonares e as células musculares do coração. Consideramos que o funcionamento do sistema nervoso central é o que nos confere a condição humana.

Qual a razão para não agirmos em respeito à mesma lógica quando a demência nos roubar a cognição?


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PPG em Educação da Ufac promove 4º Simpósio de Pesquisa — Universidade Federal do Acre

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PPG em Educação da Ufac promove 4º Simpósio de Pesquisa — Universidade Federal do Acre

A Ufac realizou, nessa terça-feira, 18, no teatro E-Amazônia, campus-sede, a abertura do 4º Simpósio de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Com o tema “A Produção do Conhecimento, a Formação Docente e o Compromisso Social”, o evento marca os dez anos do programa e reúne estudantes, professores e pesquisadores da comunidade acadêmica. A programação terminou nesta quarta-feira, 19, com debates, mesas-redondas e apresentação de estudos que abordam os desafios e avanços da pesquisa em educação no Estado.

Representando a Reitoria, a pró-reitora de Pós-Graduação, Margarida Lima Carvalho, destacou o papel coletivo na consolidação do programa. “Não se faz um programa de pós-graduação somente com a coordenação, mas com uma equipe inteira comprometida e formada por professores dedicados.”

O coordenador do PPGE, Nádson Araújo dos Santos, reforçou a relevância histórica do momento. “Uma década pode parecer pouco diante dos longos caminhos da ciência, mas nós sabemos que dez anos em educação carregam o peso de muitas lutas, muitas conquistas e muitos sonhos coletivos.”

 

A aluna do programa, Nicoly de Lima Quintela, também ressaltou o significado acadêmico da programação e a importância do evento para a formação crítica e investigativa dos estudantes. “O simpósio não é simplesmente dois dias de palestra, mas dois dias de produção de conhecimento.” 

A palestra de abertura foi conduzida por Mariam Fabia Alves, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), que discutiu os rumos da pesquisa educacional no Brasil e os desafios contemporâneos enfrentados pela área. O evento contou ainda com um espaço de homenagens, incluindo a exibição de vídeos e a entrega de placas a professores e colaboradores que contribuíram para o fortalecimento do PPGE ao longo desses dez anos.

Também participaram da solenidade o diretor do Cela, Selmo Azevedo Apontes; a presidente estadual da Associação de Política e Administração da Educação; e a coordenadora estadual da Anfope, Francisca do Nascimento Pereira Filha.

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 



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Consu da Ufac adia votação para 24/11 devido ao ponto facultativo — Universidade Federal do Acre

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A votação do Conselho Universitário (Consu) da Ufac, prevista para sexta-feira, 21, foi adiada para a próxima segunda-feira, 24. O adiamento ocorre em razão do ponto facultativo decretado pela Reitoria para esta sexta-feira, 21, após o feriado do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A votação será realizada na segunda-feira, 24, a partir das 9h, por meio do sistema eletrônico do Órgão dos Colegiados Superiores. Os conselheiros deverão acessar o sistema com sua matrícula e senha institucional, selecionar a pauta em votação e registrar seu voto conforme as orientações enviadas previamente por e-mail institucional. Em caso de dúvidas, o suporte da Secrecs estará disponível antes e durante o período de votação.

 



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Professora Aline Nicolli, da Ufac, é eleita presidente da Abrapec — Universidade Federal do Acre

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Professora Aline Nicolli, da Ufac, é eleita presidente da Abrapec — Universidade Federal do Acre

A professora Aline Andréia Nicolli, do Centro de Educação, Letras e Artes (Cela) da Ufac, foi eleita presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec), para o biênio 2025-2027, tornando-se a primeira representante da região Norte a assumir a presidência da entidade.

Segundo ela, sua eleição simboliza não apenas o reconhecimento de sua trajetória acadêmica (recentemente promovida ao cargo de professora titular), mas também a valorização da pesquisa produzida no Norte do país. Além disso, Aline considera que sua escolha resulta de sua ampla participação em redes de pesquisa, da produção científica qualificada e do engajamento em discussões sobre formação de professores, práticas pedagógicas e políticas públicas para o ensino de ciências.

“Essa eleição também reflete o prestígio crescente das pesquisas desenvolvidas na região Norte, reforçando a mensagem de que é possível produzir ciência rigorosa, inovadora e socialmente comprometida, mesmo diante das dificuldades operacionais e logísticas que marcam a realidade amazônica”, opinou a professora.

Aline explicou que, à frente da Abrapec, deverá conduzir iniciativas que ampliem a interlocução da associação com universidades, escolas e entidades científicas, fortalecendo a pesquisa em educação em ciências e contribuindo para a consolidação de espaços acadêmicos mais diversos, plurais e conectados aos desafios educacionais do país.

 



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