NOSSAS REDES

POLÍTICA

Saúde falha em pontos sensíveis e fragiliza a situ…

PUBLICADO

em

Bruno Caniato

A gestão da saúde da Presidência de Jair Bolsonaro foi um desastre humanitário. A pandemia de covid-19, que deixou quase 700 000 mortos entre 2020 e 2022, escancarou o desleixo do governo, que, na contramão da corrida global para vacinar a população, abraçou o negacionismo, promoveu tratamentos sem respaldo científico e trocou o comando do Ministério da Saúde três vezes, incluindo a nomeação de um general, Eduardo Pazuello, absolutamente inexperiente em políticas sanitárias. As fake news em torno dos imunizantes, que demoraram a ser comprados, eram a regra. Medicamentos ineficazes, como a hidroxicloroquina, viraram bálsamos (inúteis, reafirme-se) do dia para a noite. O fracasso foi amplamente explorado pela campanha de Lula em 2022. “Depois de um triste período de negacionismo e descrença na nossa ciência, o governo e o Ministério da Saúde voltarão a cuidar do povo”, disse o presidente ao tomar posse.

Dois anos depois, no entanto, o governo tem pouco a comemorar e está a um passo de trocar o comando da pasta. A socióloga Nísia Trindade, ex-­presidente da Fiocruz, respeitada no meio acadêmico e de reputada capacidade de gestão, tem tido dificuldades de pôr os cuidados com a saúde pública no trilho — ainda que tenha conseguido resgatar a sensatez científica, ao avesso dos disparates. A realidade, contudo, insiste em desafiar os planos inicialmente desenhados, que podem terminar como meras promessas. Uma pesquisa do instituto Ipec divulgada em dezembro mostra que a área é uma das mais mal avaliadas: 44% consideram o trabalho “ruim ou péssimo”; 26% dizem ser “ótimo ou bom”; e somente 28% colam o rótulo de “regular”. A avaliação negativa, a título de comparação, é semelhante às da segurança pública (45%) e do combate à inflação (47%).

O mais decepcionante para a administração petista é que a pasta vai mal exatamente onde prometeu brilhar: a vacinação. Das dezesseis metas de imunização no calendário infantil obrigatório, apenas três foram atingidas em 2024: BCG, poliomielite oral e primeira dose da tríplice viral. Para piorar, o principal entrave ao avanço da cobertura é a falta de doses nos postos de saúde — quase dois em cada três municípios (64%) relataram alguma escassez, de acordo com levantamento feito em dezembro pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). As três maiores queixas são referentes às vacinas contra catapora (52%), covid-19 para adultos (25%) e DTP (18%), que previne difteria, tétano e coqueluche. “Todo mês, a ministra vai à TV divulgar as campanhas nacionais, mas o governo não reconhece publicamente a escassez e empurra a responsabilidade aos estados e municípios”, critica Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.

As autoridades, como de hábito, se defendem apontando o dedo para a herança do bolsonarismo, apesar de metade do atual mandato já ter passado. Responsável pela compra e distribuição das doses, o ministério trata os episódios de carência como pontuais. Atribui os problemas a falhas dos fornecedores, desafios logísticos, desordem nos contratos e a péssima mensagem transmitida para a sociedade pela turma anterior. “O fortalecimento do discurso antivacina prejudicou muito a proteção contra a covid-19 e impacta, ainda hoje, na cobertura de outros imunizantes”, diz Eder Gatti, diretor do Programa Nacional de Imunizações do ministério.

Continua após a publicidade

FRACASSO - Ação contra a dengue: o número de casos quadruplicou em 2024
FRACASSO – Ação contra a dengue: o número de casos quadruplicou em 2024 (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Os tropeços na vacinação chamam atenção, mas não são os únicos. Um problema gravíssimo é o avanço da dengue: as mortes subiram de 1 179 em 2023 para 5 972 no ano passado, enquanto os casos quadruplicaram, de 1,6 milhão para mais de 6,6 milhões. O argumento para o desastre: as mudanças climáticas, principalmente no regime de chuvas, e o saneamento básico precário em muitas regiões vêm contribuindo para a disseminação da doença — que não deve refluir no ano que se inicia. A propagação da covid-19, ainda que em patamares longe do pânico, também preocupa. Houve picos de casos no primeiro trimestre de 2024 e, novamente, no final do ano — na primeira semana de dezembro foram mais de 20 000 registros da infecção, uma alta de 60% em relação aos sete dias anteriores e a maior onda desde março.

O mau desempenho em questões sensíveis é natural fermento para movimentações políticas. Desde o início do mandato, o cargo de Nísia Trindade é cobiçado pelo Centrão, em especial pelo PP do presidente da Câmara, Arthur Lira. A sigla já comandou a Saúde no governo Michel Temer (MDB), com Ricardo Barros e Gilberto Occhi, depois de longa hegemonia do PT nas duas gestões iniciais de Lula e Dilma. O principal motivo para a cobiça é o volume de recursos movimentado pelo ministério, e não o interesse em resolver os problemas do setor. Surpresa? Nenhuma. Segundo maior orçamento de toda a Esplanada neste ano (210,5 bilhões de reais), atrás apenas da Assistência Social (285,8 bilhões de reais), a pasta é também a que concentra o maior volume de emendas parlamentares: 60% dos 40 bilhões de reais pagos em 2024 saíram de seus cofres.

Continua após a publicidade

PADRINHO - Alexandre Padilha: ex-ministro da Saúde, ele bancou a nomeação de Nísia e emplacou aliados na pasta
PADRINHO - Alexandre Padilha: ex-ministro da Saúde, ele bancou a nomeação de Nísia e emplacou aliados na pasta (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Não por acaso, Nísia caminha na corda bamba, em frágil equilíbrio, citada à exaustão na bolsa de apostas para a reforma ministerial que deve ocorrer ao longo do ano. Outro nome em evidência, Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação, já recebeu o aviso de demissão de Lula e será substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira. Arthur Lira, terminando seu mandato como presidente da Câmara em fevereiro, passou a ser cogitado para a Saúde, mas é difícil que aceite — o mais provável é emplacar um aliado. O problema, à margem da resistência de Lula em politizar um posto relevante: contornar o PT, que tem ampla influência na pasta. O número 2 do ministério, o secretário-­executivo Swedenberger Barbosa, foi o braço direito de José Dirceu quando ele chefiou a Casa Civil no governo Lula. O ex-ministro da Saúde sob Dilma e hoje titular de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, bancou a nomeação de Nísia e emplacou vários detentores de cargos de segundo e de terceiro escalão — vem daí, aliás, boa parte da motivação para as escaramuças frequentes entre ele e Arthur Lira.

A ministra se defende como pode. Em balanço no final de 2024, fez questão de lembrar que, apesar dos relatos de desabastecimento, a vacinação aumentou em relação a 2022, último ano de Bolsonaro. Também citou a redução da mortalidade materna, a recertificação de país livre do sarampo e a retomada do Farmácia Popular, que distribui 39 medicamentos a 70 milhões de brasileiros. Os sucessivos tropeções, porém, e não há como escondê-los, vão minando a ministra. Os aliados de Bolsonaro não perdem chance de atacar, especialmente nas redes sociais. Com deboche, retrucaram o infeliz comentário de que a explosão da dengue estivesse atrelada ao fenômeno El Niño. “Em 2024, mais casos de dengue do que nos últimos oito anos. El Niño ou El Nísia?”, postou o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga. “A alta em casos de dengue vem desde 2023, e o governo não deu a mínima”, disse ele a VEJA. O próprio Bolsonaro também tira uma casquinha. “Numa pandemia sob comando da organização completa (o PT), o país já teria sido destruído, sob todos os aspectos: saúde, economia e liberdade do povo”, postou no final de 2024.

Continua após a publicidade

TRISTES TEMPOS - Queiroga (à esq.) e Pazuello: 700 000 mortes pela covid-19
TRISTES TEMPOS - Queiroga (à esq.) e Pazuello: 700 000 mortes pela covid-19 (Evaristo Sa/AFP)

Fragilizada, atacada pela oposição e cercada pelo Centrão, Nísia terá dias difíceis pela frente. Como a intenção de Lula é aproveitar a segunda metade do mandato para colher os frutos de seu governo, a Saúde pode vir a representar um calcanhar de Aquiles. Em pesquisa Datafolha de dezembro, a área foi apontada como o maior problema do país, com 21% de citações, bem à frente de segurança (14%) e economia (9%). Diante desse quadro, soa urgente para Lula aumentar a imunidade, consideravelmente baixa, em um quadro tão sensível. A vacina não se chama Nísia Trindade.

Colaborou Laísa Dall’Agnol

Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926



Leia Mais: Veja

Advertisement
Comentários

Warning: Undefined variable $user_ID in /home/u824415267/domains/acre.com.br/public_html/wp-content/themes/zox-news/comments.php on line 48

You must be logged in to post a comment Login

Comente aqui

POLÍTICA

CPMI do INSS deve causar estrago ainda maior ao go…

PUBLICADO

em

CPMI do INSS deve causar estrago ainda maior ao go...

Marcela Rahal

Como se não bastasse a ideia de uma CPI na Câmara, ainda a depender do aval do presidente Hugo Motta (o que parece que não deve acontecer), o governo pode enfrentar uma investigação para apurar os desvios bilionários do INSS nas duas Casas.

Já são 211 assinaturas de parlamentares a favor da CPMI, 182 deputados e 29 senadores, o suficiente para o início dos trabalhos. A deputada Coronel Fernanda, autora do pedido na Câmara, vai protocolar o requerimento nesta terça-feira, 6. Caberá ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, convocar o plenário para a leitura da proposta e, consequentemente, a criação da Comissão.

Segundo a parlamentar, que convocou uma entrevista coletiva para amanhã às 14h30, agora o processo deve andar. O governo ficará muito mais exposto com um escândalo que tem tudo para ficar cada vez maior, segundo as investigações ainda em andamento.

O desgaste será inevitável. O apelo do caso é forte e de fácil entendimento para a população. O assalto bilionário aos aposentados e pensionistas do INSS.



Leia Mais: Veja

Continue lendo

POLÍTICA

Com fortes dores, Antonio Rueda passará por cirurg…

PUBLICADO

em

Com fortes dores, Antonio Rueda passará por cirurg...

Ludmilla de Lima

Presidente da Federação União Progressista, Antonio Rueda passará por uma cirurgia nesta segunda-feira, 05, devido a um cálculo renal. Por causa de fortes dores, o procedimento, que estava marcado para amanhã, terá que ser antecipado. Antes do anúncio da federação, na terça da semana passada, ele já havia sido operado por causa do problema, colocando um cateter.

Do União Brasil, Rueda divide a presidência da federação com Ciro Nogueira, do PP. Os dois partidos juntos agora têm a maior bancada do Congresso, com 109 deputados e 14 senadores. O PP defendia que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira ficasse no comando do bloco, mas o União insistia no nome de Rueda. A solução foi estabelecer um sistema de copresidentes, que funcionará ao menos até o fim deste ano. 

A “superfederação” ultrapassa o PL na Câmara – o partido de Jair Bolsonaro tem 92 deputados – e se iguala ao PSD e ao PL no Senado. O poder do grupo, que seguirá unido nos próximos quatro anos, também é medido pelo fundo partidário, de R$ 954 milhões.

A intensificação das agendas políticas nos últimos dias agravou o quadro de saúde de Rueda, que precisou também cancelar uma viagem ao Rio.



Leia Mais: Veja

Continue lendo

POLÍTICA

Os dois bolsonaristas unidos contra Moraes para pu…

PUBLICADO

em

Os dois bolsonaristas unidos contra Moraes para pu...

Matheus Leitão

A mais nova dobradinha contra Alexandre de Moraes tem gerado frisson nas redes bolsonaristas, mas parece mesmo uma novela de mau gosto. Protagonizada por Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três licenciado da Câmara, e Paulo Figueiredo, neto do último general ditador do Brasil, os dois se uniram para tentar punir o ministro do Supremo Tribunal Federal nos EUA.

Em uma insistente tentativa de se portarem com alguma relevância perante o governo Donald Trump, os dois agora somam posts misteriosos de Eduardo com promessas vazias de Figueiredo após uma viagem por alguns dias a Washington.

Um aparece mostrando, por exemplo, a lateral da Casa Branca em um ângulo no qual parece, pelo menos nas redes sociais, a parte interna da residência oficial do presidente dos Estados Unidos. O outro promete que as sanções ao ministro do STF estão 70% construídas e pede mais “72 horas” aos seus seguidores.

“Aliás, hoje aqui de manhã, eu tive um [inaudível] com eles, no caso o Departamento de Estado especificamente, e o termo que usaram para mim foi: olha, nós não queremos criar excesso de expectativa, mas nós estamos muito otimistas que algo vai acontecer e a gente vai poder fazer num curto prazo”, disse Paulo Figueiredo.

A ideia dos dois é que, primeiro, Alexandre de Moraes, tenha seu visto cancelado e não possa mais entrar nos Estados Unidos. Depois, que ele tenha algumas sanções econômicas, caso tenha bens nos Estados Unidos, como o bloqueio financeiro a instituições do país, como empresas de cartão de crédito.

Continua após a publicidade

“O que eu posso dizer para você é que a gente nunca esteve tão perto. Eu não posso dizer quando e nem garantir que vão acontecer”, prometeu ainda Paulo Figueiredo. A novela ainda vai ganhar novos ares nesta semana com a chegada de David Gamble, coordenador para Sanções do governo de Trump, ao Brasil nesta semana. 

A seguir as cenas dos próximos capítulos…



Leia Mais: Veja

Continue lendo

MAIS LIDAS