À diferença do que diz o ditado, a Justiça pode tardar e, mesmo assim, falhar.
No dia 7 de abril de 2019, agentes do Exército dispararam 257 tiros contra o carro em que estava o músico Evaldo Rosa dos Santos e sua família, na zona oeste do Rio de Janeiro. Tratou-se de uma violência brutal, mas o Superior Tribunal Militar decidiu, na quarta (18), absolver os militares pela morte de Evaldo, qualificando a ação como legítima defesa.
À época, o delegado responsável pela perícia no local descreveu o que viu como o “fuzilamento do veículo de uma família de bem indo para um chá de bebê”.
A defesa alegou que os acusados confundiram o carro com outro usado em um roubo, como se isso fosse suficiente para autorizar militares a alvejar civis com centenas de tiros em plena vigência do Estado de Direito.
O catador de material reciclável Luciano Macedo também foi atingido, ao tentar ajudar a família, e morreu 11 dias depois do ataque; o sogro de Evaldo, Sérgio de Araújo, que estava no veículo, foi baleado e sobreviveu.
Nesses casos, o STM manteve a condenação, mas reduziu a pena que haviam recebido na primeira instância em 28 anos. Um tenente recebeu 3 anos e 7 meses de reclusão, e os outros militares, 3 anos. Com isso, cumprirão a punição em regime aberto.
Na primeira instância, eles haviam sido condenados em 2021 a penas que variavam de 28 a 31 anos e meio de prisão pelos crimes de homicídio qualificado de duas vítimas e tentativa de homicídio de uma terceira.
O julgamento do caso por corte castrense é, mais uma vez, descabido. A Justiça Militar deveria ficar restrita a apreciar questões específicas das Forças Armadas, e não abarcar crimes contra civis. Na Argentina, por exemplo, ela foi abolida em 2009.
O STM, em particular, nem sequer exige que os seus julgadores tenham a devida formação jurídica —10 dos 15 ministros são militares. Desnecessário dizer que tal composição predispõe a corte a erros técnicos, principalmente quando se trata de crimes contra civis, dado o corporativismo e a imbricação com a rígida hierarquia da caserna.
Algumas das expressões usadas no STM para descrever ou justificar o evento —como “grande confusão” ou tentativa de “conter ação criminosa, ainda que imaginária”— denotam a fundamentação precária que contribuiu para a impunidade vexatória.
Se a Justiça Militar não leva a sério o trabalho de responsabilizar seus agentes por violações à lei, é legitimo que seu alcance seja reavaliado por STF e Congresso.