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AMAZÔNIA

30 anos após Chico Mendes, seringueiros do Acre aderem à pecuária

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Com ganhos baixos do extrativismo, ‘turma da fivela’ cresce na cidade do líder ambientalista morto em 1988.

Na foto, Gelso Barbosa Feitosa, 38, seringueiro de Nova Esperança, com sua esposa Maria do Carmo Ferreira de Lima, 51, e seu filho Gustavo Ferreira Feitosa, 14. Ele é a nova geração de seringueiros extrativistas pressionados pelos baixos preços da borracha e que começam a investir em gado, avançando sobre a floresta – Marlene Bergamo/Folhapress.

O sonho de consumo dos seringueiros que vivem nas proximidades de Xapuri, terra de Chico Mendes, assassinado 30 anos atrás, é uma caminhonete Hilux.

Muitos já não usam a sandália de borracha que os protegia nas incursões pela mata, mas camisas xadrez e botas de boiadeiro. Na entrada da cidade, há uma arena de rodeio, e um outdoor propagandeia o último “Circuito Country” realizado na região.

“É a turma da fivela, da bota, da peãozada”, diz o ainda extrativista Francisco Bezerra Neris, 42, vice-presidente do histórico Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

O sindicato era presidido por Chico Mendes quando ele foi morto, em 22 de dezembro de 1988.

A cultura do boi, principal ameaça à floresta que Mendes defendeu e que virou reserva, se espalhou pela cidade de Xapuri e entre alguns antigos companheiros dele, muitos dos quais já se apresentam como “ex-extrativistas”.

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Foto: Raimundo Mendes de Barros, 73, o Raimundão, lutou ao lado de Chico Mendes, contra o desmatamento no Acre e pela defesa dos seringueiros e suas terras. Marlene Bergamo/FolhaPress.

 

Sua fonte de renda é o gado ou a roça. Incentivos à borracha e à castanha, principais produtos extrativistas da região, não têm se mostrado suficientes para atrair as novas gerações.

Para alguns, o futuro do extrativismo entrou em xeque após as eleições de Jair Bolsonaro (PSL), que em campanha criticou o que chamou de excesso de áreas protegidas no país, e do novo governador do Acre, Gladson Cameli (PP), que prometeu incentivar o agronegócio e “dar um terçado e uma enxada” aos fiscais ambientais do estado (à Folha, ele afirmou que a frase foi usada em sentido figurado).

“Como é que fica a gente? Nós enfraquecemos de vez”, diz Francisco Assiz de Oliveira, 60, presidente do sindicato e também extrativista.

Quase metade do território do Acre é composto por unidades de conservação. Boa parte disso são reservas extrativistas, cuja titularidade pertence ao estado, mas que permite a populações locais viverem da floresta —tal como Chico Mendes sonhava.

Na Reserva Extrativista Chico Mendes, que fica nos limites de Xapuri e foi a primeira do país, cada morador só pode desmatar até 30 hectares, sendo metade para cultivo e a outra metade para rebanho.

A área comportaria, em média, 30 cabeças de gado. Mas algumas famílias têm mais do que isso, assim como titulares de assentamentos e colônias localizadas nos limites das reservas —cuja renda rápida e estilo de vida atrai antigos extrativistas.

“Tem uns 90% teimando [no boi]. É cabeça grossa; acham que o boi é mais ligeiro”, diz o veterano Sebastião Teixeira Mendes, 73, primo de Chico Mendes.

 

Para Tião, como é conhecido, “ninguém come capim”. Ele defende que a floresta dá renda e alimento de forma sustentável e celebra a memória do primo, que, segundo ele, “pensava lá na frente”. Mas seus argumentos não encontram respaldo entre parte dos moradores de Xapuri.

“O boi é mil vezes melhor”, afirma o ex-extrativista Francisco Conde de Andrade, 72, morador de uma área próxima à reserva e dono de cem cabeças de gado. “Não tem que fazer sacrifício, entrar pela mata. Hoje em dia, borracha não vale mais nada.”

O produtor rural Francisco Edmilson da Cruz, 64, chegou a participar de empates (manifestações que impediam a derrubada das florestas) com Chico Mendes, na década de 1980. Hoje, também vive do gado.

“Você traz um saco de arroz aqui em Xapuri, ninguém quer comprar. O bezerro, não; todo mundo quer. E, se você vende um, faz a feira por muito tempo.”

Só na reserva Chico Mendes, que abrange Xapuri e outros seis municípios, há 30 mil cabeças de gado, com rebanhos de até 700 bois, segundo dados de 2016 do Idaf (Instituto de Defesa Agropecuária do Acre).

Entre os reveses do modelo extrativista, os produtores apontam a flutuação dos preços da borracha e da castanha, a baixa escala de produção (que reduz a renda), a falta ou inadimplência de compradores e a desestruturação da fábrica de camisinhas mantida pelo governo (a produção foi praticamente interrompida em meados do ano, e a unidade deve ser privatizada).

Nem os investimentos feitos pelo estado em indústrias de processamento da castanha, borracha e outros produtos da floresta (atualmente, são cinco fábricas, e uma sexta deve ser inaugurada neste mês) parecem ter sido suficientes para distribuir renda a todos.

Alguns produtores criticam a cooptação de lideranças e a hegemonia petista no Acre, governado pelo partido há 20 anos, e declaram ter votado em Bolsonaro.

“Eu queria mudança. Esse governo não deixa a gente trabalhar”, afirma o ex-extrativista Gelso Barbosa Feitosa, 38.

Feitosa vive num dos seringais mais desmatados da reserva Chico Mendes, o Nova Esperança, nas proximidades de Xapuri. Lá, cerca de metade do território já virou pasto. A pecuária é hoje a principal causa de desmatamento da reserva.

Nascido na floresta, Feitosa afirma preservar mais da metade da sua área, e mantém um rebanho relativamente modesto, de cerca de 60 cabeças de gado.

Hoje, o boi é sua principal fonte de renda. Começou, segundo ele, por falta de opção. Com a castanha e a borracha, “ou não tinha comprador, ou não tinha preço”.

Tentou plantar mandioca, mas teve que deixar apodrecer parte da colheita, porque o preço não cobria nem o custo. Também criou porcos, mas parou por falta de maquinário e assistência.

Da seringa e da castanha, ele não tem boas lembranças: fora as cansativas incursões na mata, diz que viu colegas levarem calote de fornecedores, e afirma que o pai, como seringueiro, “não deu futuro nenhum para os filhos”. “Aquilo não era vida”, afirma.

De fato, muito mudou desde a época de Chico Mendes. As casas têm luz, acesso à escola e sinal de celular, e só em Xapuri (hoje com 19 mil habitantes) há duas instituições públicas de ensino superior.

Os novos hábitos também são apontados como motivo para o enfraquecimento do extrativismo. “Tenho quatro filhos e tiro o chapéu para mim mesmo: todos se alimentam da caneta. É muito melhor”, afirma Cruz. “Hoje a gente tem opção.”

Para eles, é preciso investir em assistência técnica para estimular e melhorar a produção agropecuária e florestal em áreas degradadas.

“É a única forma de incentivar a redução do desmatamento”, diz Alexandre Carneiro da Silva, professor do Instituto Federal do Acre em Xapuri e doutor em agronomia.

Na opinião do ambientalista Alberto Tavares, o que ocorre é uma disputa de narrativas. “O Brasil virou uma potência mundial do agronegócio. O boi é pop. Mas o Acre cresceu com base na economia verde”, afirma ele, que é diretor-presidente da Companhia de Serviços Ambientais do Acre. “Só que as pessoas não acreditam.”

A falta de memória ou de conhecimento sobre a história de Chico Mendes também é apontada como motivo para a perda do desejo de permanecer na floresta.

“Infelizmente, a população parece que não se sente parte. Parece que não aconteceu em Xapuri”, diz à Folha a ativista Angela Mendes, filha de Chico. “Muitos vivem dentro da reserva e não sabem nem por que ela existe. Já pegaram tudo de mão beijada.”

A antropóloga Mary Allegretti, que ajudou a criar o conceito das reservas extrativistas, defende o modelo e diz que ele ainda é uma das melhores formas de proteger a floresta. Para ela, as áreas criam uma barreira para o avanço das fazendas e têm taxas de desmatamento menores do que a média.

“O saldo é positivo. Cultura, a gente não muda a longo prazo”, diz Magaly Medeiros, presidente do Instituto de Mudanças Climáticas do Acre.

Cameli, que assume o estado em janeiro, afirmou à Folha que irá incentivar o extrativismo por meio de florestas plantadas, a fim de gerar renda e emprego, já que, em sua avaliação, o conceito de economia sustentável “não foi aplicado de fato” no Acre.

Para ele, as políticas públicas de incentivo à floresta foram distorcidas pelo governo do PT. “Cansei de receber pais de família chorando, por causa de multas ambientais exorbitantes”, disse o governador eleito.

Ele prometeu “tirar o Acre do atraso e da miséria”, respeitando o Código Florestal. Mas, questionado sobre a continuidade do subsídio estadual à castanha e à borracha, disse apenas que “todo e qualquer serviço do governo será feito mediante as condições jurídicas e orçamentárias disponíveis”.

Chico Mendes foi morto a tiros em 1988

15.dez.1944
Nasce em um seringal no Acre

1975
Dá início à atividade sindical, liderando manifestações para impedir o desmatamento e desalojamento de famílias de seringueiros

1987
É premiado pela ONU por sua luta em defesa da floresta

22.dez.1988
É assassinado em Xapuri (AC)

12.mar.1990
Criada a 1ª reserva extrativista do país, a Chico Mendes

15.dez.1990
O fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho, Darci Alves Pereira, são condenados pelo crime

Estelita Hass Carazzai. Folha SP. 

AMAZÔNIA

LIVRO E CULTURA: Vidas em fluxo à beira do rio Araguaia

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Livro de Francisco Neto Pereira Pinto apresenta as mudanças do meio ambiente e os aspectos intrínsecos da humanidade a partir da história de uma família ribeirinha.

À beira do Araguaia, a vida transcorre no mesmo ritmo da corrente. Ali, as águas são companheiras de uma família ribeirinha que atravessou casamentos, nascimentos e mortes ao lado de um dos maiores rios do país. Unidos por laços sanguíneos e um lar, pai, mãe, filho, filha e até os gatos se tornam os protagonistas da obra publicada por Francisco Neto Pereira Pinto, que convida os leitores a olharem para seus mundos internos a partir de experiências típicas da floresta amazônica.

Os 14 contos desta coletânea podem ser lidos de forma independente, mas juntos formam um mosaico da cultura daqueles que fazem da pesca artesanal, da pequena produção rural e do empreendedorismo familiar seus principais meios de sustento. Com uma linguagem poética, regionalista e experimental, os textos evocam uma memória ancestral sobre as tradições do Norte brasileiro.

A casa de Ana e Pedro no alto da ribanceira parecia ter sido feita para uma conquista como somente aquela cheia poderia impor. Uma noite espessa, pesada, úmida, escura e esvoaçante e a casa lá, com um candeeiro de chama nervosa e intensa, alimentada por azeite de mamona e pavio de algodão. (À beira do Araguaia, p. 43)

Sob o olhar ribeirinho, o autor atravessa questões essenciais do contexto social, ambiental e político do país. Entre as páginas, retrata a partida dolorosa de um pai que decide trabalhar com o garimpo em busca de melhores condições econômicas; as consequências da pesca predatória; os efeitos da destruição da natureza no cotidiano; e a história da Guerra do Araguaia. Temas como diferenças de gênero, racismo, saúde mental e luto também são abordados com um rigor estético que perpassa desde a escrita até as pinturas em acrílico de John Oliveira.

Com apresentação de Neide Luzia de Rezende, professora da Universidade de São Paulo, o livro reúne contos que se desdobram de forma similar a um romance. Sem uma linha cronológica definida, as histórias retratam as vidas de Ana e Pedro, que aparecem como protagonistas ou secundários em diferentes momentos; dos filhos Eve e Téo, com conflitos específicos entrelaçados a gênero e educação na contemporaneidade; além dos gatos Calíope e Dom, presentes para representar a força das relações entre humanos e animais.

Sobre o lançamento, que aconteceu no dia 3 e dezembro de 2024, no auditório da Reitoria, na Universidade Federal do Norte do Tocantins, em Araguaína, Francisco Neto Pereira Pinto comenta: “o projeto foi uma maneira de revisitar minhas memórias de menino, porque vivi até os 15 anos em uma vila à beira do Araguaia. Cresci ali, mas hoje vejo o rio secando, o meio ambiente sendo degradado e como isso afeta os ribeirinhos. Meu livro chama atenção para essa realidade. Tenho um desejo muito forte de preservar uma cultura que parece estar desaparecendo”.

FICHA TÉCNICA

Título: À beira do Araguaia
Autor: Francisco Neto Pereira Pinto

Editora: Mercado de Letras
ISBN: 978-6586089769
Páginas: 88
Preço: R$ 41
Onde comprar: Amazon

Booktrailer no Youtube

Sobre o autor: Francisco Neto Pereira Pinto é professor, escritor e psicanalista. Doutor em Ensino de Língua e Literatura e graduado em Letras – Português / Inglês, leciona no programa de pós-graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins e nos cursos de Medicina e Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos. Membro da Academia de Letras de Araguaína – Acalanto, publicou os livros: “Sobre a vida e outras coisas”, “O gato Dom”, “Você vai ganhar um irmãozinho”, “Saudades do meu gato Dom” e À beira do Araguaia.

 Redes sociais do autor:

Instagram: @francisconetopereirapinto

LinkedIn: Francisco Neto Pereira Pinto

Youtube: @francisconetopereirapinto

Site do autor: https://francisconetopereirapinto.online/

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AMAZÔNIA

Tarauacá engaja-se no Programa Isa Carbono para fortalecer Políticas Ambientais

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Tarauacá se destacou como um dos municípios engajados nas consultas públicas para atualização do Programa Isa Carbono, iniciativa vinculada ao Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa). Representantes das comunidades ribeirinhas, extrativistas e povos indígenas participaram do fórum organizado pelo Instituto de Mudanças Climáticas (IMC). Durante o evento, foram discutidos temas como REDD+, mercado de crédito de carbono e financiamentos climáticos, com vistas a garantir uma repartição justa de benefícios socioambientais.

O fórum incluiu a criação de Grupos de Trabalho específicos para as comunidades tradicionais, que apresentou propostas ajustadas às particularidades locais. Entre os encaminhamentos, foi pactuada a produção de materiais didáticos de fácil compreensão para os participantes, o que reforça o compromisso do governo em promover uma participação verdadeiramente inclusiva. A iniciativa foi amplamente elogiada por líderes comunitários, que enfatizaram o respeito às salvaguardas socioambientais e aos direitos das populações tradicionais.

Esse marco evidencia o protagonismo de Tarauacá na preservação ambiental e na luta contra o desmatamento ilegal. O sucesso da iniciativa dependerá da continuidade do diálogo entre governo e comunidades, com atenção especial à execução das políticas deliberadas no fórum. A mobilização comunitária fortalece não apenas a conservação ambiental, mas também a construção de uma economia sustentável para a região.

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ACRE

Morre em Rio Branco, Acre, vítima de problemas respiratórios causados por queimadas

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Rio Branco, AC – Uma pessoa morreu hoje na capital do Acre, Rio Branco, em decorrência de complicações respiratórias agravadas pela poluição causada pelas queimadas que afetam a região. De acordo com informações fornecidas pelas autoridades de saúde locais, a vítima, um morador da cidade, já apresentava um quadro respiratório debilitado, que se agravou devido à elevada concentração de fumaça e partículas no ar, resultado dos incêndios florestais.

A morte aconteceu em meio a uma crise ambiental que vem assolando o estado nas últimas semanas, com um número crescente de queimadas, que não só destroem áreas da floresta amazônica, mas também afetam gravemente a qualidade do ar. A Secretaria de Saúde do Acre alertou a população sobre o risco elevado de doenças respiratórias, especialmente entre crianças, idosos e pessoas com comorbidades.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou, nos últimos dias, um aumento significativo no número de focos de calor na região, o que contribuiu para a densa camada de fumaça que cobre Rio Branco e outras áreas do estado. Especialistas indicam que a poluição provocada pelas queimadas é altamente prejudicial, podendo desencadear e agravar doenças pulmonares e cardiovasculares.

Familiares da vítima relataram que ela vinha enfrentando dificuldades respiratórias nos últimos dias, e apesar de procurar atendimento médico, o agravamento de sua condição foi inevitável. “As queimadas têm prejudicado a saúde de todos nós, e, infelizmente, hoje perdemos alguém querido por causa disso”, lamentou um dos familiares. O nome da vítima não foi divulgado. 

As autoridades locais estão em alerta e já solicitaram apoio do governo federal para conter as queimadas e promover o atendimento às vítimas dos efeitos da poluição. Enquanto isso, a população de Rio Branco segue convivendo com os impactos das chamas, sem uma previsão clara de quando a situação será controlada.

A morte registrada hoje reflete um problema mais amplo que afeta grande parte da Amazônia, com consequências que vão além da destruição ambiental, atingindo diretamente a saúde pública e a qualidade de vida dos habitantes da região.

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