POLÍTICA
A polêmica em torno da mulher que virou símbolo de…
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Valmar Hupsel Filho
Em meio ao caos instalado na Praça dos Três Poderes no final da manhã de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de bolsonaristas enfurecidos invadiram e depredaram as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário na tentativa de forçar uma intervenção militar para subverter o resultado da eleição presidencial, uma imagem se destacou: com o rosto pintado e o pescoço enrolado com uma bandeira do Brasil, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos sorria ao usar um batom para escrever a frase “Perdeu, Mané” na escultura A Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal — uma referência a uma resposta do ministro Luís Roberto Barroso a bolsonaristas, em viagem a Nova York no final de 2022.
A exemplo de outros 54 participantes das invasões, ela foi presa preventivamente há dois anos, com base em provas como fotos e vídeos. Denunciada por cinco crimes ao STF, acabou sendo condenada, na sexta 21, a catorze anos de prisão pelo relator, Alexandre de Moraes. A decisão causou perplexidade e virou assunto nas redes sociais e nos meios político e jurídico. Assim como se tornou um dos símbolos do momento em que a democracia foi atacada, Débora agora virou uma referência para alimentar a discussão em torno da dosimetria das penas e para impulsionar a movimentação bolsonarista por uma anistia aos envolvidos nos ataques.
O debate ganhou força na quinta 26, quando Luiz Fux citou o caso durante o julgamento dos acusados de tentativa de golpe de Estado, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. O ministro, que já havia pedido vista no caso de Débora logo após o voto de Moraes, disse que pretende rever a pena. “Em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada e foi por essa situação que pedi vista deste caso”, afirmou. Moraes disse que todos os ministros têm liberdade para divergir, mas ressaltou que não se pode relativizar o que aconteceu no dia 8, nem a atitude da cabeleireira. “É um absurdo as pessoas quererem comparar aquela conduta de uma ré, que estava há muito tempo dentro dos quartéis pedindo intervenção militar, que invadiu junto com toda a turba, e além disso praticou esse dano qualificado”, disse.
A história de Débora, que tem 39 anos de idade, não se resume ao dia 8 de janeiro — ao menos, segundo a acusação. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, ela, “de maneira livre, consciente e voluntária, pelo menos a partir do início do processo eleitoral de 2022 e até o dia 8.1.2023, por meio de mensagens eletrônicas e encontros em acampamentos em frente a unidades militares, associou-se a centenas de outras pessoas, algumas armadas, praticando atos que se voltavam contra a higidez do sistema eleitoral”. Os investigadores apontaram que Débora chegou a Brasília no dia 7 de janeiro e seguiu para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, onde centenas de pessoas se aglomeravam empunhando faixas que pediam intervenção militar. No dia seguinte, ainda segundo a PF, a cabeleireira seguiu em marcha ao lado dos manifestantes.
Além da conduta individual de dano ao patrimônio tombado, a PGR considera que Débora permaneceu unida ao grupo que usou de violência para invadir e destruir os prédios públicos e que visava a um golpe de Estado. E enquadrou a cabeleireira por cinco crimes: golpe de Estado; abolição violenta do Estado democrático de direito; associação criminosa armada; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado. Na defesa, o advogado, Hélio Ortiz Jr., afirmou que Débora não invadiu os prédios públicos e argumentou que a pintura na estátua foi o único ato dela naquele dia.
Um capítulo do relatório é dedicado ao comportamento de Débora após o ato de vandalismo. Um dos pontos trata da interrupção de diálogos no WhatsApp entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023, que poderia ser um indício de que deletou conteúdos do celular. “Referida conduta representa um forte indício de tentativa de obstrução da Justiça, haja vista que dispositivos eletrônicos frequentemente contêm provas essenciais, como mensagens, registros de chamadas, localização e interações em redes sociais. A eliminação dessas informações não apenas dificulta o trabalho investigativo, mas também reforça a conclusão de que a acusada teve a intenção de destruir evidências que apontam para sua intensa participação nos atos.”
Apesar de ter sido flagrada por imagens feitas pelo jornal Folha de S.Paulo, Débora não foi presa em flagrante. A sua detenção ocorreu só no dia 17 de março, já na oitava fase da Operação Lesa Pátria. A prisão ocorreu em Paulínia, no interior de São Paulo, onde mora com o marido e dois filhos, de 6 e 11 anos de idade. Ela está detida na penitenciária feminina de Rio Claro, também no interior paulista, e teve o último pedido de liberdade negado em 21 de fevereiro. Na decisão, Moraes cita o artigo 312 do Código de Processo Penal, que diz que a prisão preventiva deve ser mantida para “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade”.

A esperança de uma reviravolta agora no caso se concentra no julgamento do STF, com o sinal de dissidência dado pelo ministro Fux. De forma a manter pressão pela revisão dessa e de outras penas, parlamentares bolsonaristas passaram a aventar a possibilidade de usar o batom como símbolo nas discussões no Congresso em torno da proposta de anistia. E pretendem fazer pressão para que ela aguarde o julgamento em liberdade — além de Moraes, só o ministro Flávio Dino votou pela condenação; ainda faltam votar Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Nas redes sociais, a hashtag #somostodosdebora vem sendo usada em postagens com imagens de batons. Está em discussão a possibilidade de o objeto se tornar um símbolo do ato que Bolsonaro convoca para 6 de abril, na Avenida Paulista. Seu entorno cogitou levar a família de Débora para a manifestação. “Não é o momento”, descarta o advogado Hélio Ortiz Jr. Em depoimento ao STF, a cabeleireira disse que o seu ato não foi premeditado e pediu compaixão aos ministros. “Eu queria pedir, assim, de todo coração, que se compadecessem de mim, porque eu sou uma mãe que nunca me afastei dos meus filhos e essa separação tem feito eles sofrerem demais”, afirmou.
A discussão sobre o tamanho da pena não mobiliza só o bolsonarismo. A soma dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito provoca debate jurídico. Para o doutor em direito constitucional e professor da USP Rubens Beçak, há uma sobreposição. “É uma moça que cometeu crimes, não há dúvida. Mas acho um pouco tíbio fazer essa relação com outros crimes”, disse. “No caso dela, houve um evidente exagero.” Já o professor de direito da FGV Rio Álvaro Palma de Jorge entende que a pena está coerente com o que o Supremo vem aplicando aos demais denunciados. “Não se deve desprezar a gravidade dos ataques às instituições”, diz. No Congresso, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou projeto de lei para “unificar” os dois tipos penais a acusados de participação “menor” no 8 de Janeiro. “Um crime é meio para outro, mas as pessoas estão sendo condenadas pelos dois”, entende. A proposta, que cita Débora, prevê meios para diferenciação entre quem estava na multidão e quem teve atuação de planejamento e organização do ato.

Para rebater o argumento de que o STF está impondo penas exageradas, o ministro Moraes apresentou um balanço que mostra que a maior parte dos denunciados não precisou ir para a cadeia. Mais de 500 se livraram dos processos ao firmarem acordos de não persecução penal por crimes menores — a possibilidade não foi oferecida a Débora por entendimento da PGR. Entre os 497 que foram julgados, quase a metade (240) pegou até um ano de prisão e trocou a punição por penas alternativas. Menos de 10% dos sentenciados tiveram penas de dezessete anos de prisão (veja o quadro).
Não há dúvida de que o quebra-quebra de 8 de Janeiro teve inspiração golpista e foi instrumentalizado por gente que tinha o objetivo de subverter a normalidade democrática, como mostram as investigações. O que é preciso exigir, no entanto, é que o trâmite seja conduzido de maneira justa, respeitando todas as prerrogativas, e que as punições sejam proporcionais aos atos praticados. No caso de Débora, ainda que não ocorra uma revisão, há a perspectiva de sair da cadeia em breve. Como é ré primária, até o final deste ano ela já teria cumprido um sexto da pena do STF — com isso, terá o direito de voltar para casa após 28 meses de detenção, cumprindo o restante da sentença em regime semiaberto.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937
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A articulação para mudar quem define o teto de jur…
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6 meses atrásem
5 de maio de 2025Nicholas Shores
O Ministério da Fazenda e os principais bancos do país trabalham em uma articulação para transferir a definição do teto de juros das linhas de consignado para o Conselho Monetário Nacional (CMN).
A ideia é que o poder de decisão sobre o custo desse tipo de crédito fique com um órgão vocacionado para a análise da conjuntura econômica.
Compõem o CMN os titulares dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e da presidência do Banco Central – que, atualmente, são Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo.
A oportunidade enxergada pelos defensores da mudança é a MP 1.292 de 2025, do chamado consignado CLT. O Congresso deve instalar a comissão mista que vai analisar a proposta na próxima quarta-feira.
Uma possibilidade seria aprovar uma emenda ao texto para transferir a função ao CMN.
Hoje, o poder de definir o teto de juros das diferentes linhas de empréstimo consignado está espalhado por alguns ministérios.
Cabe ao Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido pelo ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, fixar o juro máximo cobrado no consignado para pensionistas e aposentados do INSS.
A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, é quem decide o teto para os empréstimos consignados contraídos por servidores públicos federais.
Na modalidade do consignado para beneficiários do BPC-Loas, a decisão cabe ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias.
Já no consignado de adiantamento do saque-aniversário do FGTS, é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que tem a palavra final sobre o juro máximo.
Atualmente, o teto de juros no consignado para aposentados do INSS é de 1,85% ao mês. No consignado de servidores públicos federais, o limite está fixado em 1,80% ao mês.
Segundo os defensores da transferência da decisão para o CMN, o teto “achatado” de juros faz com que, a partir de uma modelagem de risco de crédito, os bancos priorizem conceder empréstimos nessas linhas para quem ganha mais e tem menos idade – restringindo o acesso a crédito para uma parcela considerável do público-alvo desses consignados.
Ainda de acordo com essa lógica, com os contratos de juros futuros de dois anos beirando os 15% e a regra do Banco Central que proíbe que qualquer empréstimo consignado tenha rentabilidade negativa, a tendência é que o universo de tomadores elegíveis para os quais os bancos estejam dispostos a emprestar fique cada vez menor.
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