Eu bem queria que a coluna desta semana não fosse sobre este tema, mas a surpreendente vitória de Donald Trump torna inevitável discutir o que será das relações entre China e Estados Unidos.
Falar de Trump exige alguma ginástica mental e um exercício de futurologia. Se há algo que aprendemos é que as reações dele são imprevisíveis —e há bons motivos para acreditar que o novo mandato não será diferente. Não restaram muitos republicanos moderados dispostos a frear o seu ímpeto autoritário, e ele não precisará se preocupar com moderação porque não concorrerá mais à presidência.
Ao longo de quase um ano, diplomatas e chineses alimentavam a noção de que a China teria desafios significativos, independentes do resultado nos EUA, a enfrentar. Mas ainda que tenham preferido o republicano em 2020, dado o isolacionismo de Washington que oferecia uma janela de oportunidade para maior influência chinesa, admitiam consternados que ao menos os democratas eram mais previsíveis. Não foi o resultado, e é hora de especular.
De imediato, uma corrente mais apocalíptica correu para a imprensa dizendo que o cenário levaria a China a invadir Taiwan. Não creio que isso se concretize tão cedo. É verdade que Trump não dá a mínima para a ilha rebelde (durante a campanha chegou a dizer que Taipé deveria pagar pela segurança que os americanos oferecem). Também é verdade que ele exerce uma liderança oportunista e se preocupa com ganhos imediatos, e não com conceitos abstratos como democracia e ordem global liberal.
Mas a Casa Branca nunca fez parte dos cálculos chineses acerca de uma potencial operação armada para recuperar Taiwan. A decisão passa pela incerteza de uma intervenção militar americana e pelos custos de longo prazo não apenas para conquistar, mas para garantir um controle longevo da ilha sem arrastar o país inteiro ao caos. Com os problemas econômicos se somando domesticamente, Taiwan não deve ser prioridade para Xi Jinping a menos que ele seja forçado a isso.
O protecionismo trumpista e a insistência em taxar toda sorte de importações chinesas deve gerar fricção considerável, potencialmente uma nova guerra tarifária. Mas Trump respeita homens fortes e em mais de uma ocasião elogiou Xi por “governar 1,4 bilhão de pessoas com punho de ferro”.
Trump é um cara que ocupa a presidência com mentalidade de empresário: acha que pode conseguir bons acordos sendo duro e falando grosso, mas detesta guerra e crê ser capaz de resolver qualquer dissabor em uma conversa olho no olho. Ademais, a maior parte do mundo agora está vacinada e sabe que, para conseguir algo com ele, basta apelar ao seu ego e bajulá-lo. Deve ser o suficiente.
Isso não nos exime de considerar uma estratégia desinformada no trato com Pequim. Enquanto foi presidente, o republicano acabou com programas de intercâmbio para o país, queria passar uma lei banindo qualquer estudante de universidades chinesas que colaborem com as Forças Armadas (a maioria delas) e ameaçou banir o TikTok e o WeChat. Ainda não há elementos que nos permitam conjecturar a reação de Pequim a esse tipo de iniciativa.
Em geral, Trump estará tão preocupado com questões domésticas como imigração e inflação, que não lhe restará tanto tempo para pensar nas relações sino-americanas. É mais uma oportunidade para a China reproduzir o mesmo comportamento que teve em relação ao primeiro mandato dele: mostrar-se como parceiro estável diante de uma potência global errática.
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