POLÍTICA
Dino e as emendas: como os repasses do Congresso v…

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9 meses atrásem
Laryssa Borges
Na virada do ano, as emendas parlamentares voltaram a provocar uma queda de braço entre os poderes. O governo corria para aprovar projetos prioritários, como a regulamentação da reforma tributária e o novo pacote fiscal. Sem maioria no Congresso, dependia do apoio de deputados e senadores do centro e da direita, que condicionavam a votação dos textos à liberação de recursos indicados por eles a seus redutos eleitorais. Negociados os termos da transação, o Palácio do Planalto pagou quase 6 bilhões de reais em apenas um dia e, assim, conseguiu a ajuda necessária para triunfar nos plenários da Câmara e do Senado. O fluxo de verbas parecia restabelecido — e a relação entre as partes, pacificada —, até que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino voltou à carga para tentar, mais uma vez, acabar com o que ele chamou de “ápice da balbúrdia orçamentária”: a liberação de emendas sem transparência, eficácia e, em alguns casos, sob forte suspeita de desvio de recursos públicos. Em decisões tomadas após o início do recesso do Legislativo, Dino suspendeu o desembolso de cerca de 4 bilhões de reais em emendas de comissão e repasses previstos para quinze organizações não governamentais.
Em ambos os casos, o ministro alegou que uma emenda só pode ser paga se o parlamentar responsável por ela for identificado, assim como a prefeitura ou o governo estadual beneficiado, a empresa ou entidade contratada para realizar o serviço, além do projeto em que a verba será aplicada. O caminho do dinheiro, do início ao fim, tem de ser conhecido. Ou rastreável. É uma exigência constitucional, mas os congressistas sempre se recusaram a observá-la. Nos últimos anos, deputados e senadores passaram a controlar fatias cada vez maiores do Orçamento na forma de emendas (veja no quadro) e, ao mesmo tempo, instituíram mecanismos contrários à transparência, como o notório orçamento secreto. Na campanha de 2022, Lula prometeu pôr um freio na farra, mas, sem poder político, nada fez. Indicado pelo presidente ao STF, Dino, então, entrou em cena. Em meados do ano passado, o ministro suspendeu o pagamento de variadas formas de emendas porque, entre outros motivos, investigações da Polícia Federal, corporação que foi subordinada a ele antes de assumir a toga, colheram evidências de esquemas de desvios de verbas alimentados por emendas.
A questão, antes restrita ao respeito a princípios constitucionais, passou a ser, cada vez mais, também um caso de polícia. Impactado com um “ciclo de denúncias” e “malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas”, Dino designou uma equipe de seu gabinete para cuidar dos inquéritos sobre políticos e determinou à PF, comandada por Andrei Rodrigues, que apure, por exemplo, a tentativa de líderes partidários de assumir a paternidade de emendas de comissão, a fim de ocultar os nomes dos verdadeiros autores de cada centavo indicado por esses colegiados. “Sabemos os nomes de todos os nossos clientes vips e famosos”, disse a VEJA um ministro do STF, que pediu para não ser identificado. Sob sigilo no tribunal, as investigações em tramitação tratam de compra de votos com dinheiro de emendas, direcionamento de valores para empresas de aliados, recolhimento de propina em obras e rateio de dinheiro público entre integrantes de organizações criminosas, sejam eles parlamentares, servidores públicos, lobistas ou empresários.
No Orçamento da União de 2024, havia quase 50 bilhões de reais em emendas. Um estudo dos pesquisadores Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal, e Marcos Mendes, doutor em economia e associado ao Insper, mostrou que as emendas chegam a 23% das despesas discricionárias no Brasil. Já nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não passam de 1%. Aqui, o dinheiro quase sempre é aplicado para premiar redutos eleitorais, e não para ajudar quem mais precisa. Tudo isso, muitas vezes, é feito longe da necessária luz do sol. Em sua cruzada, Dino quer reverter essa situação, permitir o escrutínio da sociedade e priorizar também a apuração de indícios de corrupção. “Esse orçamento virou um caso de polícia de maneira geral. É uma forma de corrupção institucionalizada”, diz o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão. “Houve o surgimento de braços executivos do orçamento secreto, como a Codevasf. É uma bomba atômica de desgovernança”, acrescenta, referindo-se à estatal que, responsável por reduzir desigualdades regionais, protagoniza uma série de denúncias de mau uso de recursos indicados por parlamentares.

Ao resistirem a aderir a regras de necessário controle, deputados e senadores correm o risco de cair em investigações da PF, o que já tem acontecido. Há poucos dias, o STF recebeu mais um relato de crime com emendas. Em depoimento ao Ministério Público, a prefeita de Canindé, um município do sertão do Ceará, acusou o deputado federal Júnior Mano, que trocou o PL pelo PSB, de integrar um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que englobaria quase 30% das cidades cearenses. De acordo com a denúncia da prefeita, Mano destinaria emendas a aliados em localidades específicas, que, na sequência, acionariam um operador previamente combinado, a quem caberia esquentar o dinheiro e devolver parte dele ao parlamentar. Apesar de ser desconhecido do grande público, Mano tem resultados expressivos na seara orçamentária. Com pouco mais de 30 000 habitantes, o município cearense de Nova Russas, cuja prefeita é a esposa do deputado, chegou a receber 80 milhões de reais em emendas do orçamento secreto. Procurado por VEJA, Mano não quis comentar o caso, alegando correr em sigilo de Justiça.
Enredos desse tipo são frequentes. No fim do ano passado, a Polícia Federal prendeu um empresário suspeito de integrar uma organização criminosa que movimentou quase 200 milhões de reais a partir de desvios de recursos e de contratos de obras públicas contra a seca. José Marcos de Moura, o alvo, conhecido como “o rei do lixo”, tem extensas relações com o mundo político, e a mera especulação de que ele poderia fazer uma delação premiada deixou parlamentares preocupados. Em outra parte da mesma operação, um primo do deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, foi flagrado pelos policiais jogando 220 000 reais em dinheiro vivo pela janela. O episódio foi mencionado numa das decisões de Dino, que se tornou alvo predileto das críticas do baixo clero e da cúpula do Congresso, que o acusam de criminalizar a política e ajudar Lula a colocar um cabresto nas emendas. A chiadeira contra o ministro ocorre desde que ele chefiava a Justiça e tinha sob seu guarda-chuva a Polícia Federal. Nessa função, ele quase implodiu a relação do governo com a Câmara, conforme análise de auxiliares de Lula.

Em 2022, a PF iniciou uma investigação que apontava indícios de superfaturamento e lavagem de dinheiro em uma compra milionária de kits para aulas de robótica em escolas públicas de Alagoas. Em 2023, já no atual governo, um assessor do atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a ser preso nesse caso. Em reação, aliados do deputado acusaram Dino de estar por trás da ofensiva, com o objetivo de enfraquecê-lo. A situação só não se agravou porque a apuração contra o assessor de Lira acabou anulada pelo ministro do STF Gilmar Mendes, com base em alegadas irregularidades processuais. “As emendas são provenientes de dinheiro público, que deve ser empenhado garantindo critérios de transparência, para que a sociedade saiba como está sendo investido, evitando, assim, desvios e corrupção”, diz a deputada Erika Hilton (SP), do PSOL, partido que recorreu ao STF para suspender os pagamentos. “As determinações do ministro Dino são exatamente o que precisamos. Transparência absoluta, de ponta a ponta, desde quem indicou a emenda até para qual projeto está sendo empenhada.”
Como a bancada psolista, os elogios a Dino no Congresso são minoria. “A decisão do Supremo sobre as emendas parlamentares causou muito embaraço, porque atinge prefeituras que dependem desses recursos. Isso criminaliza a política”, afirma o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes. “Se existem problemas pontuais em emendas, aqueles que causam esses problemas devem pagar com rigor máximo, mas acredito que em 99% das emendas não existe isso.” As investigações da PF separarão, enfim, o joio do trigo. É um bom caminho.
Colaboraram Hugo Marques e Ricardo Chapola
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926
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A articulação para mudar quem define o teto de jur…

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6 meses atrásem
5 de maio de 2025
Nicholas Shores
O Ministério da Fazenda e os principais bancos do país trabalham em uma articulação para transferir a definição do teto de juros das linhas de consignado para o Conselho Monetário Nacional (CMN).
A ideia é que o poder de decisão sobre o custo desse tipo de crédito fique com um órgão vocacionado para a análise da conjuntura econômica.
Compõem o CMN os titulares dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e da presidência do Banco Central – que, atualmente, são Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo.
A oportunidade enxergada pelos defensores da mudança é a MP 1.292 de 2025, do chamado consignado CLT. O Congresso deve instalar a comissão mista que vai analisar a proposta na próxima quarta-feira.
Uma possibilidade seria aprovar uma emenda ao texto para transferir a função ao CMN.
Hoje, o poder de definir o teto de juros das diferentes linhas de empréstimo consignado está espalhado por alguns ministérios.
Cabe ao Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido pelo ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, fixar o juro máximo cobrado no consignado para pensionistas e aposentados do INSS.
A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, é quem decide o teto para os empréstimos consignados contraídos por servidores públicos federais.
Na modalidade do consignado para beneficiários do BPC-Loas, a decisão cabe ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias.
Já no consignado de adiantamento do saque-aniversário do FGTS, é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que tem a palavra final sobre o juro máximo.
Atualmente, o teto de juros no consignado para aposentados do INSS é de 1,85% ao mês. No consignado de servidores públicos federais, o limite está fixado em 1,80% ao mês.
Segundo os defensores da transferência da decisão para o CMN, o teto “achatado” de juros faz com que, a partir de uma modelagem de risco de crédito, os bancos priorizem conceder empréstimos nessas linhas para quem ganha mais e tem menos idade – restringindo o acesso a crédito para uma parcela considerável do público-alvo desses consignados.
Ainda de acordo com essa lógica, com os contratos de juros futuros de dois anos beirando os 15% e a regra do Banco Central que proíbe que qualquer empréstimo consignado tenha rentabilidade negativa, a tendência é que o universo de tomadores elegíveis para os quais os bancos estejam dispostos a emprestar fique cada vez menor.
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