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Por trás da vitória de Trump está uma realidade fria: os liberais não têm respostas para uma era moderna em crise | Nesrine Malik

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Nesrine Malik

TA lição mais útil de crescer sob uma ditadura é que as ditaduras nunca são absolutas. Por vezes são mesmo democracias – aquelas que prosperam cooptando aqueles que estão mais próximos do poder e gerindo aqueles que não beneficiam. Essa gestão é muitas vezes através da opressão bruta, mas principalmente através da garantia do consentimento, convencendo um número suficiente de pessoas de que as coisas estão prestes a ficar realmente boas. A qualquer minuto, quando os inimigos do povo forem frustrados, uma esquina será virada. As democracias autoritárias reconhecem a raiva, fomentam-na e depois reprimem-na para os seus próprios fins.

O truque é ter sempre um horizonte, distante mas à vista, além do qual as coisas vão melhorar. Enquanto isto acontece, as armadilhas do sucesso nacional acalmam as massas e dão uma sensação de poder, prosperidade e ímpeto. No Egipto, à medida que as prisões se enchiam de prisioneiros políticos, o governo militar ergueu grandes monumentos faraónicos e embarcou numa campanha projeto de construção colossal na capital. Na Índia, Narendra Modi autoritarismo arraigado enquanto cortejava grandes empresas e lançava enormes projetos de infraestrutura e templos hindus. Os ditadores estabelecem-se como grandes modernizadores e estabilizadores, prometendo tanto o conservadorismo como o futurismo. Enfatizam tradições e valores, mas envolvem-nos em tecnologia, urbanização e até numa certa estética – linhas limpas, espelhos, arranha-céus de vidro e aço.

Mas os beneficiários da modernidade permanecem relativamente limitados. E assim o resto do trabalho de estabilização política tem de acontecer através do populismo – a criação de um outro ameaçador (o Irmandade Muçulmana no Egipto, ou apenas todos os muçulmanos na Índia) e a promessa de eliminá-lo. Se tudo mais falhar, há captura legal, perseguição e prisão. Esses governos compreenderam que, na ausência de justiça social e redistribuição, o caminho a seguir é lidar com o descontentamento através de líderes homens fortes, as mentiras e o ostracismo daqueles que se opõem.

Este estilo de governação não se limita apenas aos estados do Sul global. Como alguém com um pé lá e no oeste, posso ver uma linha direta. Globalização e capitalismo de mercado livreos princípios organizadores de todos, exceto alguns estados, cumpriram a sua promessa de nos aproximar a todos. Mas o que muitas vezes passa despercebido é como estes processos nos tornaram mais semelhantes, criando vencedores e perdedores praticamente da mesma forma em todo o mundo. A padronização das formas de viver e de fazer negócios que a globalização produziu ancorou os vencedores e libertou os perdedores. Nossas vidas são muito mais reconhecíveis umas às outras do que eram há 30 anos. Todos fomos inundados por bens, serviços, aplicações e entretenimento digital, mas ainda sentimos a necessidade de algo mais – de uma sensação de segurança que vai além da nossa capacidade de consumir no imediato.

Fingir satisfazer essa necessidade foi o que proporcionou a vitória de Donald Trump. Ele compreende que um sistema oligárquico que enriquece poucos não pode proporcionar segurança económica às massas. Se você quer que a maioria do público esteja do seu lado, você tem que prometer mudançamas não de uma forma que realmente reconfigure a sociedade.

O problema não é um sistema vorazmente capitalista que resultou na quebra da prestação de cuidados de saúde, uma legislatura capturada por lobbies ricos ou uma desregulamentação que privou os trabalhadores dos seus direitos legais e, consequentemente, criou um épico transferência de riqueza para uma classe bilionária. O problema são os imigrantes indocumentados, os inimigos dentro da burocracia que tentaram derrubar Trump, os extremistas da diversidade. Se vocês são os democratas e tudo o que têm para contrariar esta visão poderosa são muitos bons valores e danças “alegria” mas nenhuma proposta material para mudar radicalmente a vida das pessoas, você nem sequer trouxe uma faca para um tiroteio – você trouxe Oprah Winfrey.

O modelo socialmente liberal de mercado livre em que os progressistas acreditam foi paralisado. Iria sempre acontecer sem uma regulamentação mais agressiva, políticas redistributivas e o tipo de rede de segurança fiscal elevada e de despesas elevadas que é necessária quando os arranjos sociais tradicionais são destruídos. Na esteira da globalização, comunidades inteiras no Ocidente foram desindustrializadas, enquanto uma classe trabalhadora urbana mal remunerada foi criada no Sul global. Após a crise financeira de 2008, a riqueza concentrou-se e excluiu toda uma geração de pessoas da vida que os seus pais tinham. Na década de 2010, com o surgimento Vale do Silício empresas de tecnologia, outro número foi adicionado a um precariado crescente: motoristas, passageiros e embaladores de caixas foram mergulhados em trabalhos mal protegidos e mal remunerados. A mídia social foi lançada com a promessa de crowdsourcing da verdade ao poder e de nos aproximar mais, então sucumbiu à enshittificaçãodesinformação, deepfakes e racismo.

A vida moderna está fora de controle. Não havia caminho para os Democratas imitarem o truque de Trump e do resto da tripulação autoritária. Impedidos pela crescente exposição do pouco que pode ser feito pelos liberais num mundo neoliberal, os progressistas nos EUA só podem apontar para a importância da lei, da ordem e das instituições. É um problema que o Partido Trabalhista no Reino Unido poderá enfrentar em breve. Tudo o que você precisa é de uma figura de direita convincente e do estímulo do Partido Trabalhista”.as coisas vão piorar antes que melhorem” será destruída.

Enquanto os centristas apostarem neste sistema e esperarem pelo melhor, as democracias ocidentais estarão vulneráveis. Lembro-me, no tumultuoso rescaldo do Primavera árabea questão de saber se os árabes estavam “prontos para a democracia” – mas a democracia por si só não pode garantir a liberdade e a igualdade se o sistema económico em que existe impedir que essas mesmas qualidades emerjam. Foi mais fácil derrubar o ditador egípcio Hosni Mubarak do que derrubar as parcerias comerciais entre militares e privados que o apoiavam.

Os autoritários têm uma resposta para o problema dos sistemas demasiado estabelecidos e lucrativos para serem desfeitos: mentir, servir de bode expiatório e apelar aos medos, preconceitos e vaidades das pessoas. Os liberais não. Porque não conseguem compreender que, dentro de tais sistemas, os benefícios da racionalidade e das liberdades individuais, e a procura do esforço científico e da prosperidade pessoal simplesmente já não se acumulam de forma significativa para um número suficiente de pessoas.

É mais fácil acreditar que foi o racismo que elegeu Trump, ou o atraso que reverteu a revolução egípcia, ou o supremacismo étnico que elevou Modi. Mas a verdade é que, em todo o mundo, a velha ordem desapareceu e a nova é desconcertante. As pessoas se sentem presas e querem uma sensação de libertação, uma promessa de um futuro dramaticamente diferente, ou apenas um futuro. Mesmo que essa sensação de liberdade venha indiretamente de um autocrata que flexionou e rompeu as correntes do sistema. E eles querem sentir que fazem parte de algo maior e mais forte à medida que ficam mais solitários e mais fracos e seus mundos se fragmentam e se atomizam a cada dia. Não é que não estejam preparados para a democracia – a democracia não está preparada para eles.



Leia Mais: The Guardian

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Aperfeiçoamento em cuidado pré-natal é encerrado na Ufac — Universidade Federal do Acre

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Aperfeiçoamento em cuidado pré-natal é encerrado na Ufac — Universidade Federal do Acre

A Ufac realizou o encerramento do curso de aperfeiçoamento em cuidado pré-natal na atenção primária à saúde, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proex), Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) e Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco (Semsa). O evento, que ocorreu nessa terça-feira, 11, no auditório do E-Amazônia, campus-sede, marcou também a primeira mostra de planos de intervenção que se transformaram em ações no território, intitulada “O Cuidar que Floresce”.

Com carga horária de 180 horas, o curso qualificou 70 enfermeiros da rede municipal de saúde de Rio Branco, com foco na atualização das práticas de cuidado pré-natal e na ampliação da atenção às gestantes de risco habitual. A formação teve início em março e foi conduzida em formato modular, utilizando metodologias ativas de aprendizagem.

Representando a reitora da Ufac, Guida Aquino, o diretor de Ações de Extensão da Proex, Gilvan Martins, destacou o papel social da universidade na formação continuada dos profissionais de saúde. “Cada cursista leva consigo o conhecimento científico que foi compartilhado aqui. Esse é o compromisso da Ufac: transformar o saber em ação, alcançando as comunidades e contribuindo para a melhoria da assistência às mulheres atendidas nas unidades.” 

A coordenadora do curso, professora Clisângela Lago Santos, explicou que a iniciativa nasceu de uma demanda da Sesacre e foi planejada de forma inovadora. “Percebemos que o modelo tradicional já não surtia o efeito esperado. Por isso, pensamos em um formato diferente, com módulos e metodologias ativas. Foi a nossa primeira experiência nesse formato e o resultado foi muito positivo.”

Para ela, a formação representa um esforço conjunto. “Esse curso só foi possível com o envolvimento de professores, residentes e estudantes da graduação, além do apoio da Rede Alyne e da Sesacre”, disse. “Hoje é um dia de celebração, porque quem vai sentir os resultados desse trabalho são as gestantes atendidas nos territórios.” 

Representando o secretário municipal de Saúde, Rennan Biths, a diretora de Políticas de Saúde da Semsa, Jocelene Soares, destacou o impacto da qualificação na rotina dos profissionais. “Esse curso veio para aprimorar os conhecimentos de quem está na ponta, nas unidades de saúde da família. Sei da dedicação de cada enfermeiro e fico feliz em ver que a qualidade do curso está se refletindo no atendimento às nossas gestantes.”

A programação do encerramento contou com uma mostra cultural intitulada “O Impacto da Formação na Prática dos Enfermeiros”, que reuniu relatos e produções dos participantes sobre as transformações promovidas pelo curso em suas rotinas de trabalho. Em seguida, foi realizada uma exposição de banners com os planos de intervenção desenvolvidos pelos cursistas, apresentando as ações implementadas nos territórios de saúde. 

Também participaram do evento o coordenador da Rede Alyne, Walber Carvalho, representando a Sesacre; a enfermeira cursista Narjara Campos; além de docentes e residentes da área de saúde da mulher da Ufac.

 



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CAp promove minimaratona com alunos, professores e comunidade — Universidade Federal do Acre

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CAp promove minimaratona com alunos, professores e comunidade — Universidade Federal do Acre

O Colégio de Aplicação (CAp) da Ufac realizou uma minimaratona com participação de estudantes, professores, técnico-administrativos, familiares e ex-alunos. A atividade é um projeto de extensão pedagógico interdisciplinar, chamado Maracap, que está em sua 11ª edição. Reunindo mais de 800 pessoas, o evento ocorreu em 25 de outubro, no campus-sede da Ufac.

Idealizado e coordenado pela professora de Educação Física e vice-diretora do CAp, Alessandra Lima Peres de Oliveira, o projeto promove a saúde física e social no ambiente estudantil, com caráter competitivo e formativo, integrando diferentes áreas do conhecimento e estimulando o espírito esportivo e o convívio entre gerações. A minimaratona envolve alunos dos ensinos fundamental e médio, do 6º ano à 3ª série, com classificação para o 1º, 2º e 3º lugar em cada categoria. 

“O Maracap é muito mais do que uma corrida. Ele representa a união da nossa comunidade em torno de valores como disciplina, cooperação e respeito”, disse Alessandra. “É também uma proposta de pedagogia de inclusão do esporte no currículo escolar, que desperta nos estudantes o prazer pela prática esportiva e pela vida saudável.”

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, ressaltou a importância do projeto como uma ação de extensão universitária que conecta a Ufac à sociedade. “Projetos como o Maracap mostram como a extensão universitária cumpre seu papel de integrar a universidade à comunidade. O Colégio de Aplicação é um espaço de formação integral e o esporte é uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento humano, social e educacional.”

 



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Semana de Letras/Português da Ufac tematiza ‘língua pretuguesa’ — Universidade Federal do Acre

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Semana de Letras/Português da Ufac tematiza ‘língua pretuguesa’ — Universidade Federal do Acre

O curso e o Centro Acadêmico de Letras/Português da Ufac iniciaram, nessa segunda-feira, 10, no anfiteatro Garibaldi Brasil, sua 24ª Semana Acadêmica, com o tema “Minha Pátria é a Língua Pretuguesa”. O evento é dedicado à reflexão sobre memória, decolonialidade e as relações históricas entre o Brasil e as demais nações de língua portuguesa. A programação segue até sexta-feira, 14, com mesas-redondas, intervenções artísticas, conferências, minicursos, oficinas e comunicações orais.

Na abertura, o coordenador da semana acadêmica, Henrique Silvestre Soares, destacou a necessidade de ligar a celebração da língua às lutas históricas por soberania e justiça social. Segundo ele, é importante que, ao celebrar a Semana de Letras e a independência dos países africanos, se lembre também que esses países continuam, assim como o Brasil, subjugados à força de imperialismos que conduzem à pobreza, à violência e aos preconceitos que ainda persistem.

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, salientou o compromisso ético da educação e reforçou que a universidade deve assumir uma postura crítica diante da realidade. “A educação não é imparcial. É preciso, sim, refletir sobre essas questões, é preciso, sim, assumir o lado da história.”

A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, ressaltou a força do tema proposto. Para ela, o assunto é precioso por levar uma mensagem forte sobre o papel da universidade na sociedade. “Na própria abertura dos eventos na faculdade, percebemos o que ocorre ao nosso redor e que não podemos mais tratar como aula generalizada ou naturalizada”, observou.

O diretor do Centro de Educação, Letras e Artes (Cela), Selmo Azevedo Pontes, reafirmou a urgência do debate proposto pela semana. Ele lembrou que, no Brasil, as universidades estiveram, durante muitos anos, atreladas a um projeto hegemônico. “Diziam que não era mais urgente nem necessário, mas é urgente e necessário.”

Também estiveram presentes na cerimônia de abertura o vice-reitor, Josimar Batista Ferreira; o coordenador de Letras/Português, Sérgio da Silva Santos; a presidente do Cela, Thaís de Souza; e a professora do Laboratório de Letras, Jeissyane Furtado da Silva.

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 

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