AMAZÔNIA
Reduzida, floresta nacional em Rondônia tem grileiro, madeireiro e incêndios
PUBLICADO
6 anos atrásem
Com abafadores nas mãos e bombas de água nas costas, seis brigadistas da etnia caritiana travam uma luta desigual contra o incêndio criminoso de uma área reflorestada da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, a cerca de 140 km de Porto Velho.
A estratégia de combater o fogo no limite da floresta e uma chuva providencial que caiu durante a noite ajudaram a conter parte do estrago. Mesmo assim, perderam-se ali 20 hectares dos 230 hectares reflorestados nos últimos dois anos, um prejuízo estimado em R$ 350 mil.
O incêndio em 13 de agosto, que coincidiu com a visita da reportagem da Folha ao local, é apenas um dos problemas recorrentes da Flona, a primeira unidade conservação federal da Amazônia a ser reduzida para legalizar invasores desde a redemocratização.
Do ponto de vista ambiental, a redução de dois terços da Flona, feita em 2010 pelo governo Lula (PT), foi um desastre. Em vez de apaziguar a pressão, a medida criou expectativa de que o resto da Flona e outras unidades de conservação encolham para acomodar invasores.
A desafetação foi parte de um acordo entre o governo federal e o de Rondônia, na época comandado pelo hoje senador Ivo Cassol (PP). Em troca de legalizar cerca de 3.500 posseiros na Flona Bom Futuro, a União receberia áreas estaduais na área da usina de Jirau, no rio Madeira, então na fase de licenciamento.
Desde então, a Flona foi palco de duas desintrusões. Em uma delas, em 2013, um PM morreu baleado. Roubo de madeira e incêndios propositais para abrir lotes são comuns, e 15% dos 97 mil hectares restantes foram desmatados.
“Existe uma afirmação corrente entre os invasores de que a classe política está do lado deles. E, da mesma forma como a Flona do Bom Futuro foi desafetada, as outras áreas também serão”, afirma Simone dos Santos, coordenadora regional do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Nem a presença permanente de um destacamento da Polícia Militar Ambiental inibe os criminosos. Em uma patrulha acompanhada pela reportagem, foram encontrados dezenas de toras à espera de transporte, focos de incêndio criminosos e até placa em uma árvore indicando um lote de terra.
“Nosso trabalho é um faz de conta”, disse um dos policiais, que falou sob anonimato porque não tinha autorização para dar entrevista. “Estamos enxugando gelo.”
Além dos policiais, a base dentro da Flona mantida pelo ICMBio conta também, durante seis meses, com os brigadistas da etnia caritiana, cuja terra indígena faz limite com a Bom Futuro.
A aliança é estratégica, explica o brigadista Alex Karitiana, 23. “Se não tiver a Bom Futuro, os fazendeiros entrarão pra roubar a nossa madeira. Só querem derrubar a mata, só pensam neles.”
Enquanto tenta manter os invasores fora, o ICMBio busca reflorestar áreas convertidas em pasto. Graças a acordos de compensação ambiental com empresas privadas, 555 hectares serão recuperados, de um total de 14.500 hectares desmatados.
Criada sobre a área desafetada, a situação da APA (Área de Proteção Ambiental) do Rio Pardo é ainda pior.
De gestão estadual, já perdeu 87% da cobertura florestal, segundo a Secretaria do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam). Quase tudo é pasto. Pela legislação, ao menos 80% da área deveria estar preservada.
O acordo de desafetação previa também a criação de uma Floresta Estadual (FES) na antiga área da Flona.
O decreto, no entanto, só saiu neste ano. E, assim como na APA, nenhum plano de gestão foi implantado em oito anos. Ao todo, vivem na área cerca de 1.200 famílias.
“O governo estadual é mais suscetível à pressão porque os deputados são daqui”, explica Jorge Lourenço da Silva, técnico da Sedam. “E as pessoas acham que preservação é inversamente proporcional ao desenvolvimento.”
Presidente da Associação dos Pequenos e Médios Produtores de Rio Pardo, o posseiro Salvador da Cruz Filho, 53, comprou 50 hectares de um grileiro, em 2002. “A gente pagava pro cara, ele ia embora e era dali pra dentro”, explica.
Nascido em Goiás, chegou há Rondônia em 1987, para trabalhar no campo. Pai de seis, o lote é a sua primeira terra própria, embora a área até hoje não tenha sido legalizada.
Atualmente, diz ele, 80% de sua área está derrubada para pasto e café, enquanto 20% são de mata. Pela lei atual, o percentual deveria ser o inverso. Mesmo assim, Cruz Filho nunca foi multado por desmatar.
Apesar de desrespeitar a lei, o posseiro diz que a “floresta tem de existir”: “Na hora que entrar uma política de governo que dá assistência e legaliza as pessoas, todo mundo vai parar de desmatar.”
Criticada por ambientalistas, a legalização de terras dentro de área protegida se tornou caso de sucesso, estimulando ações semelhantes pela Amazônia. Além de Rondônia, há pressões para reduzir a área ou a proteção de unidades no Pará, no Amazonas e em Mato Grosso.
O caso mais emblemático é o da Flona do Jamanxim, no sudoeste do Pará. Sob pressão da bancada paraense, o presidente Michel Temer (MDB) assinou, no final de 2016, uma medida que reduzia a unidade de conservação para legalizar criadores de gado.
Ao chegar ao Congresso, emendas parlamentares acrescentaram novos cortes, chegando a 37% da Jamanxim, ou 486 mil hectares. O argumento é que a redução legalizaria produtores rurais que já estão na área. Sob críticas de ambientalistas, o Planalto não assinou a medida provisória.
A estratégia de desmatar para criar um fato consumado, no entanto, continua. Neste ano, o desmatamento da Jamanxim voltou a subir e já chegou a 8.100 hectares, segundo levantamento da ONG Imazon, com sede em Belém.
Procurada, a sede do ICMBio, em Brasília informou que não tem levantamento nacional do número de unidades de conservação invadidas.
“A partir da Bom Futuro, invasores, grileiros e políticos incentivadores de invasão passaram a concretizar a ilegalidade. Dizem à população: “Você invade porque eu garanto que legalizo”, afirma Ivaneide Cardozo, da ONG Kanindé e candidata a suplente de senador pela Rede.
“Estamos sofrendo uma pressão muito, muito grande. Não só dos invasores em si, mas de tudo que cerca esse processo de invasão”, diz Santos, responsável pela gestão de 14 unidades de conservação, das quais 8 sob pressão de grileiros, madeireiros e outros criminosos.
“Eles não invadem sozinhos, há técnicos de georreferenciamento, advogados, empresários e a classe política, que se apropria dessa causa pra ganhar votos. É uma luta de Davi contra Golias, o dia todo, o tempo todo.”
Relacionado
VOCÊ PODE GOSTAR
AMAZÔNIA
LIVRO E CULTURA: Vidas em fluxo à beira do rio Araguaia
PUBLICADO
16 horas atrásem
11 de dezembro de 2024Livro de Francisco Neto Pereira Pinto apresenta as mudanças do meio ambiente e os aspectos intrínsecos da humanidade a partir da história de uma família ribeirinha.
À beira do Araguaia, a vida transcorre no mesmo ritmo da corrente. Ali, as águas são companheiras de uma família ribeirinha que atravessou casamentos, nascimentos e mortes ao lado de um dos maiores rios do país. Unidos por laços sanguíneos e um lar, pai, mãe, filho, filha e até os gatos se tornam os protagonistas da obra publicada por Francisco Neto Pereira Pinto, que convida os leitores a olharem para seus mundos internos a partir de experiências típicas da floresta amazônica.
Os 14 contos desta coletânea podem ser lidos de forma independente, mas juntos formam um mosaico da cultura daqueles que fazem da pesca artesanal, da pequena produção rural e do empreendedorismo familiar seus principais meios de sustento. Com uma linguagem poética, regionalista e experimental, os textos evocam uma memória ancestral sobre as tradições do Norte brasileiro.
A casa de Ana e Pedro no alto da ribanceira parecia ter sido feita para uma conquista como somente aquela cheia poderia impor. Uma noite espessa, pesada, úmida, escura e esvoaçante e a casa lá, com um candeeiro de chama nervosa e intensa, alimentada por azeite de mamona e pavio de algodão. (À beira do Araguaia, p. 43)
Sob o olhar ribeirinho, o autor atravessa questões essenciais do contexto social, ambiental e político do país. Entre as páginas, retrata a partida dolorosa de um pai que decide trabalhar com o garimpo em busca de melhores condições econômicas; as consequências da pesca predatória; os efeitos da destruição da natureza no cotidiano; e a história da Guerra do Araguaia. Temas como diferenças de gênero, racismo, saúde mental e luto também são abordados com um rigor estético que perpassa desde a escrita até as pinturas em acrílico de John Oliveira.
Com apresentação de Neide Luzia de Rezende, professora da Universidade de São Paulo, o livro reúne contos que se desdobram de forma similar a um romance. Sem uma linha cronológica definida, as histórias retratam as vidas de Ana e Pedro, que aparecem como protagonistas ou secundários em diferentes momentos; dos filhos Eve e Téo, com conflitos específicos entrelaçados a gênero e educação na contemporaneidade; além dos gatos Calíope e Dom, presentes para representar a força das relações entre humanos e animais.
Sobre o lançamento, que aconteceu no dia 3 e dezembro de 2024, no auditório da Reitoria, na Universidade Federal do Norte do Tocantins, em Araguaína, Francisco Neto Pereira Pinto comenta: “o projeto foi uma maneira de revisitar minhas memórias de menino, porque vivi até os 15 anos em uma vila à beira do Araguaia. Cresci ali, mas hoje vejo o rio secando, o meio ambiente sendo degradado e como isso afeta os ribeirinhos. Meu livro chama atenção para essa realidade. Tenho um desejo muito forte de preservar uma cultura que parece estar desaparecendo”.
FICHA TÉCNICA
Título: À beira do Araguaia
Autor: Francisco Neto Pereira Pinto
Editora: Mercado de Letras
ISBN: 978-6586089769
Páginas: 88
Preço: R$ 41
Onde comprar: Amazon
Booktrailer no Youtube
Sobre o autor: Francisco Neto Pereira Pinto é professor, escritor e psicanalista. Doutor em Ensino de Língua e Literatura e graduado em Letras – Português / Inglês, leciona no programa de pós-graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins e nos cursos de Medicina e Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos. Membro da Academia de Letras de Araguaína – Acalanto, publicou os livros: “Sobre a vida e outras coisas”, “O gato Dom”, “Você vai ganhar um irmãozinho”, “Saudades do meu gato Dom” e À beira do Araguaia.
Redes sociais do autor:
Instagram: @francisconetopereirapinto
LinkedIn: Francisco Neto Pereira Pinto
Youtube: @francisconetopereirapinto
Site do autor: https://francisconetopereirapinto.online/
Relacionado
AMAZÔNIA
Tarauacá engaja-se no Programa Isa Carbono para fortalecer Políticas Ambientais
PUBLICADO
6 dias atrásem
6 de dezembro de 2024Tarauacá se destacou como um dos municípios engajados nas consultas públicas para atualização do Programa Isa Carbono, iniciativa vinculada ao Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa). Representantes das comunidades ribeirinhas, extrativistas e povos indígenas participaram do fórum organizado pelo Instituto de Mudanças Climáticas (IMC). Durante o evento, foram discutidos temas como REDD+, mercado de crédito de carbono e financiamentos climáticos, com vistas a garantir uma repartição justa de benefícios socioambientais.
O fórum incluiu a criação de Grupos de Trabalho específicos para as comunidades tradicionais, que apresentou propostas ajustadas às particularidades locais. Entre os encaminhamentos, foi pactuada a produção de materiais didáticos de fácil compreensão para os participantes, o que reforça o compromisso do governo em promover uma participação verdadeiramente inclusiva. A iniciativa foi amplamente elogiada por líderes comunitários, que enfatizaram o respeito às salvaguardas socioambientais e aos direitos das populações tradicionais.
Esse marco evidencia o protagonismo de Tarauacá na preservação ambiental e na luta contra o desmatamento ilegal. O sucesso da iniciativa dependerá da continuidade do diálogo entre governo e comunidades, com atenção especial à execução das políticas deliberadas no fórum. A mobilização comunitária fortalece não apenas a conservação ambiental, mas também a construção de uma economia sustentável para a região.
Relacionado
ACRE
Morre em Rio Branco, Acre, vítima de problemas respiratórios causados por queimadas
PUBLICADO
3 meses atrásem
6 de setembro de 2024Rio Branco, AC – Uma pessoa morreu hoje na capital do Acre, Rio Branco, em decorrência de complicações respiratórias agravadas pela poluição causada pelas queimadas que afetam a região. De acordo com informações fornecidas pelas autoridades de saúde locais, a vítima, um morador da cidade, já apresentava um quadro respiratório debilitado, que se agravou devido à elevada concentração de fumaça e partículas no ar, resultado dos incêndios florestais.
A morte aconteceu em meio a uma crise ambiental que vem assolando o estado nas últimas semanas, com um número crescente de queimadas, que não só destroem áreas da floresta amazônica, mas também afetam gravemente a qualidade do ar. A Secretaria de Saúde do Acre alertou a população sobre o risco elevado de doenças respiratórias, especialmente entre crianças, idosos e pessoas com comorbidades.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou, nos últimos dias, um aumento significativo no número de focos de calor na região, o que contribuiu para a densa camada de fumaça que cobre Rio Branco e outras áreas do estado. Especialistas indicam que a poluição provocada pelas queimadas é altamente prejudicial, podendo desencadear e agravar doenças pulmonares e cardiovasculares.
Familiares da vítima relataram que ela vinha enfrentando dificuldades respiratórias nos últimos dias, e apesar de procurar atendimento médico, o agravamento de sua condição foi inevitável. “As queimadas têm prejudicado a saúde de todos nós, e, infelizmente, hoje perdemos alguém querido por causa disso”, lamentou um dos familiares. O nome da vítima não foi divulgado.
As autoridades locais estão em alerta e já solicitaram apoio do governo federal para conter as queimadas e promover o atendimento às vítimas dos efeitos da poluição. Enquanto isso, a população de Rio Branco segue convivendo com os impactos das chamas, sem uma previsão clara de quando a situação será controlada.
A morte registrada hoje reflete um problema mais amplo que afeta grande parte da Amazônia, com consequências que vão além da destruição ambiental, atingindo diretamente a saúde pública e a qualidade de vida dos habitantes da região.
Relacionado
PESQUISE AQUI
MAIS LIDAS
- ACRE6 dias ago
Tarauacá celebra inclusão em Sorteio Habitacional do Governo do Acre
- MUNDO1 dia ago
Herdeiro da Marabraz move ação para interditar o pai – 10/12/2024 – Rede Social
- AMAZÔNIA6 dias ago
Tarauacá engaja-se no Programa Isa Carbono para fortalecer Políticas Ambientais
- OPINIÃO5 dias ago
O Indiciamento de 37 pessoas pela PF – O Episódio e suas consequências
Você precisa fazer login para comentar.