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Como as falsas memórias nos tornam quem somos – DW – 24/09/2024

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Eu tinha 11 anos quando os ataques de 11 de setembro ocorreu. Lembro-me vividamente de voltar da escola no Reino Unido para casa naquele dia com minha avó. Passamos por uma loja com um conjunto de TVs voltadas para a rua através de uma grande janela. Ficamos ali por um tempo com um grande grupo de estranhos, assistindo ao desenrolar dos ataques ao vivo no noticiário. Onde outros ficaram chocados ou chorando, eu me senti calmo.

Mas eu sei que essa memória é falsa. Não havia lojas de TV em nossa aldeia, e minha avó nunca me acompanhava da escola para casa – ela morava muito longe.

Ter memórias falsas é normal. Todos somos construídos a partir de memórias reais e falsas, disse Gerald Echterhoff, psicólogo social especializado em memória na Universidade de Münster, Alemanha.

“As memórias são construídas dinamicamente. Elas são suscetíveis a influências sociais ou à alteração inadvertida de (suas) próprias memórias”, disse Echterhoff.

Provavelmente peguei essa lembrança de estar na frente de uma loja de TV por meio de filmes de desastre ou de histórias de outras pessoas sobre o desenrolar das notícias.

Dizemos a nós mesmos que somos nossas memórias. Nós nos apegamos às memórias para compreender nosso passado e construir uma narrativa de nossas vidas, comparando-as com as memórias de outras pessoas e perguntando: “Como eu era naquela época?”

E se eu pudesse relembrar memórias mais vívidas, poderia criar uma narrativa mais completa da minha vida e, assim, poderia me conhecer mais. O inverso também parece verdadeiro: se você perder memórias, você se tornará menos a pessoa que sentia que era. Demência ou a idade confunde as memórias: você se esquece.

Mas se tantas das nossas memórias são falsas ou esquecidas, como sabemos quem realmente somos – a nossa verdadeira identidade? A resposta começa com a forma como nossas memórias são armazenadas no cérebro.

Como uma memória é armazenada no cérebro?

A pesquisa científica nos mostra que uma memória está embutida na estrutura do cérebro.

O cérebro armazena fisicamente memórias como conexões entre neurônios, particularmente nas regiões cerebrais do hipocampo ou da amígdala.

Novas memórias são formadas quando os neurônios criam novas sinapses com outros neurônios, construindo uma malha de conexões neuronais.

As memórias precisam ser mantidas ativamente para durar. Relembrar uma memória fortalece as conexões entre os neurônios, formando-a por meio da lembrança.

Depois, há o ato de esquecer. Esquecer é um ato de “podar” as conexões entre os neurônios. A negligência ou a confusão murcham a memória. Tendemos a preencher as lacunas com o que outras pessoas nos disseram.

O problema é que essas memórias falsas – memórias de coisas que não vivenciamos da maneira como as lembramos – são armazenadas no cérebro exatamente da mesma forma que nossas memórias reais são armazenadas. O mesmo se aplica a informações tendenciosas.

Pesquisadores e psicólogos tentaram diferenciar a realidade das falsidades, mas ainda não criaram uma “receita” perfeitamente confiável para distinguir memórias precisas de imprecisas, disse Echterhoff.

Ilustração de neurônios no cérebro
As memórias são armazenadas como novas conexões entre neurônios, particularmente em regiões do cérebro envolvidas no processamento da memória.Imagem: Martin Broz/PantherMedia/IMAGO

O caso Paul Ingram: quando as falsas memórias se tornam assustadoras

Em 1988, Paul Ingram foi preso pela polícia do estado de Washington, nos EUA. Suas duas filhas o acusaram de abuso sexual e atos de sacrifício.

Ingram disse que não se lembrava de nenhum dos supostos eventos, então inicialmente negou as acusações. A polícia também não encontrou nenhuma evidência física do suposto abuso ou quaisquer sacrifícios rituais. Mas ele começou a duvidar de sua memória imaculada, dizendo: “Minhas garotas me conhecem. Elas não mentiriam sobre algo assim.”

Ingram, um homem profundamente religioso, orou pedindo orientação e começou a imaginar como seria abusar das filhas. Durante o interrogatório de Ingram, um psicólogo disse a Ingram que era comum os agressores sexuais reprimirem a memória dos crimes. O psicólogo ajudou efetivamente a guiar a imaginação e a “memória” de Ingram sobre o abuso de seus filhos. Deus, acreditava Ingram, estava revelando a verdade a ele.

Eventualmente, Ingram se declarou culpado das acusações, até mesmo elaborando-as durante o julgamento, fazendo com que Ingram tivesse “memórias” de realizar sacrifícios ritualísticos satânicos de animais e bebês. Ingram recebeu uma sentença de 20 anos de prisão.

Mas um segundo psicólogo duvidou que as memórias de Ingram fossem reais. Após extensas entrevistas com Ingram, o segundo psicólogo concluiu que as memórias de Ingram foram plantadas em seu cérebro através de métodos estabelecidos de sugestão durante o processo de interrogatório. Este relatório não estava disponível para uso no estudo.

Ilustração de uma sala de tribunal; juiz falando com outra pessoa no banco dos réus
Vários processos judiciais nas décadas de 1980 e 1990, incluindo o de Paul Ingrams, mostraram como as falsas memórias podem mudar a imagem que uma pessoa tem de si mesma.Imagem: Elizabeth Williams/AP/imagem aliança

O caso de Ingram (Estado de Washington v. Ingram) é um exemplo clássico de como memórias falsas e fortes podem ser implantadas por meio de interações sociais, disse Echterhoff.

Cenas de terror de filmes de ficção também são conhecidas por servirem de inspiração para falsas memórias nas descrições de eventos horríveis feitas por testemunhas.

Numa revisão da memória em processos judiciais publicada em 2015, Mark Howe e Lauren Knott escrevem que os terapeutas podem por vezes transformar cenas fictícias em poderosas memórias falsas, especialmente quando o terapeuta suspeita de abuso reprimido.

Mas, mais uma vez, as memórias de abusos horrendos que surgem anos depois de um acontecimento podem muito bem ser memórias reais, reprimidas ou não. Os movimentos #MeToo e Black Lives Matter mostraram isso.

Como o #MeToo tornou a memória política

A suposição de que as memórias podem ser facilmente falsificadas foi alvo de fortes críticas durante movimentos sociopolíticos como #MeToo e Black Lives Matter. (BLM).

#Eu também mostrou como as vítimas de abuso sexual e físico são muitas vezes desacreditadas através da retórica de que as suas memórias eram falsas ou distorcidas. Os advogados usaram a defesa da “memória falsa” para difamar as vítimas de abuso durante o Julgamento de estupro de Harvey Weinstein. Mas não funcionou – as vítimas de Weinstein reuniram-se para apresentar uma memória comum do seu abuso. A defesa de Weinstein falhou e ele foi considerado culpado de estupro e má conduta sexual.

Campanhas como #MeToo e BLM ajudaram a mudar as nossas ideias sobre como a memória molda a nossa identidade, disse Echterhoff. A memória pode estar a serviço da experiência cultural compartilhada, e não apenas de uma lembrança individual. Essa noção ecoa ideias mais antigas de pesquisas, disse ele.

Os limites do “eu” baseados em memórias pessoais são agora vistos como porosos: nossas memórias e as memórias de outras pessoas se misturam com base em experiências compartilhadas.

“Agora existe uma ideia mais forte de comunidades baseadas numa memória partilhada do passado, muitas vezes baseada no sofrimento. Isto é muito poderoso para unir as pessoas e construir identidades culturais”, disse Echterhoff. Mas desenterrar as memórias culturais de uma nação também pode semear divisões, como a Alemanha está a descobrir ao mesmo tempo que debate sua história do colonialismo.

Tenho a certeza de que a minha falsa memória de ver os ataques do 11 de Setembro na televisão ajudou a construir o meu sentido de identidade cultural, partilhando um momento decisivo do século XXI com um grupo de estranhos.

Ainda me apego à memória falsa, quase preferindo-a à memória mais precisa de quando ouvi sobre os ataques do dia seguinte na escola, depois de ter perdido o evento em tempo real. Na falsa memória, testemunhei uma história compartilhada.

Editado por: Zulfikar Abbany

Fonte primária:

Howe ML, Knott LM. A falibilidade da memória nos processos judiciais: lições do passado e suas consequências modernas. Memória. 2015;23(5):633-56. doi: 10.1080/09658211.2015.1010709



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Mulher alimenta pássaros livres na janela do apartamento e tem o melhor bom dia, diariamente; vídeo

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O projeto com os cavalos, no Kentucky (EUA), ajuda dependentes químicos a recomeçarem a vida. - Foto: AP News

Todos os dias de manhã, essa mulher começa a rotina com uma cena emocionante: alimenta vários pássaros livres que chegam à janela do apartamento dela, bem na hora do café. Ela gravou as imagens e o vídeo é tão incrível que já acumula mais de 1 milhão de visualizações.

Cecilia Monteiro, de São Paulo, tem o mesmo ritual. Entre alpiste e frutas coloridas, ela conversa com as aves e dá até nomes para elas.

Nas imagens, ela aparece espalhando delicadamente comida para os pássaros, que chegam aos poucos e transformam a janela num pedacinho de floresta urbana. “Bom dia. Chegaram cedinho hoje, hein?”, brinca Cecilia, enquanto as aves fazem a festa com o banquete.

Amor e semente

Todos os dias Cecilia acorda e vai direto preparar a comida das aves livres.

Ela oferece porções de alpiste e frutas frescas e arruma tudo na borda da janela para os pequenos visitantes.

E faz isso com tanto amor e carinho que a gratidão da natureza é visível.

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Cantos de agradecimento

E a recompensa vem em forma de asas e cantos.

Maritacas, sabiás, rolinha e até uma pomba muito ousada resolveu participar da festa.

O ambiente se transforma com todas as aves cantando e se deliciando.

Vai dizer que essa não é a melhor forma de começar o dia?

Liberdade e confiança

O que mais chama a atenção é a relação de respeito entre a mulher e as aves.

Nada de gaiolas ou cercados. Os pássaros vêm porque querem. E voltam porque confiam nela.

“Podem vir, podem vir”, diz ela na legenda do vídeo.

Internautas apaixonados

O vídeo se tornou viral e emocionou milhares de pessoas nas redes sociais.

Os comentários vão de elogios carinhosos a relatos de seguidores que se sentiram inspirados a fazer o mesmo.

“O nome disso é riqueza! De alma, de vida, de generosidade!”, disse um.

“Pra mim quem conquista os animais assim é gente de coração puro, que benção, moça”, compartilhou um segundo.

Olha que fofura essa janela movimentada, cheia de aves:

Cecila tem a mesma rotina todos os dias. Que gracinha! - Foto: @cecidasaves/TikTok Cecila tem a mesma rotina todos os dias. Põe comida para os pássaros livres na janela do apartamento dela em SP. – Foto: @cecidasaves/TikTok



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Cavalos ajudam dependentes químicos a se reconectar com a vida, emprego e família

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Cecília, uma mulher de São Paulo, põe alimentos todos os dias os para pássaros livres na janela do apartamento dela. - Foto: @cecidasaves/TikTok

O poder sensorial dos cavalos e de conexão com seres humanos é incrível. Tanto que estão ajudando dependentes químicos a se reconectar com a família, a vida e trabalho nos Estados Unidos. Até agora, mais de 110 homens passaram com sucesso pelo programa.

No Stable Recovery, em Kentucky, os cavalos imensos parecem intimidantes, mas eles estão ali para ajudar. O projeto ousado, criado por Frank Taylor, coloca os homens em contato direto com os equinos para desenvolverem um senso de responsabilidade e cuidado.

“Eu estava simplesmente destruído. Eu só queria algo diferente, e no dia em que entrei neste estábulo e comecei a trabalhar com os cavalos, senti que eles estavam curando minha alma”, contou Jaron Kohari, um dos pacientes.

Ideia improvável

Os pacientes chegam ali perdidos, mas saem com emprego, dignidade e, muitas vezes, de volta ao convívio com aqueles que amam.

“Você é meio egoísta e esses cavalos exigem sua atenção 24 horas por dia, 7 dias por semana, então isso te ensina a amar algo e cuidar dele novamente”, disse Jaron Kohari, ex-mineiro de 36 anos, em entrevista à AP News.

O programa nasceu da cabeça de Frank, criador de cavalos puro-sangue e dono de uma fazenda tradicional na indústria de corridas. Ele, que já foi dependente em álcool, sabe muito bem como é preciso dar uma chance para aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.

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A ideia

Mas antes de colocar a iniciativa em prática, precisou convencer os irmãos a deixar ex-viciados lidarem com animais avaliados em milhões de dólares.“Frank, achamos que você é louco”, disse a família dele.

Mesmo assim, ele não desistiu e conseguiu a autorização para tentar por 90 dias. Se algo desse errado, o programa seria encerrado imediatamente.

E o melhor aconteceu.

A recuperação

Na Stable Recovery, os participantes acordam às 4h30, participam de reuniões dos Alcoólicos Anônimos e trabalham o dia inteiro cuidando dos cavalos.

Eles escovam, alimentam, limpam baias, levam aos pastos e acompanham as visitas de veterinários aos animais.

À noite, cozinham em esquema revezamento e vão dormir às 21h.

Todo o programa dura um ano, e isso permite que os participantes se tornem amigos, criem laços e fortaleçam a autoestima.

“Em poucos dias, estando em um estábulo perto de um cavalo, ele está sorrindo, rindo e interagindo com seus colegas. Um cara que literalmente não conseguia levantar a cabeça e olhar nos olhos já está se saindo melhor”, disse Frank.

Cavalos que curam

Os cavalos funcionam como espelhos dos tratadores. Se o homem está tenso, o cavalo sente. Se está calmo, ele vai retribuir.

Frank, o dono, chegou a investir mais de US$ 800 mil para dar suporte aos pacientes.

Ao olhar tantas vidas que ele já ajudou a transformar, ele diz que não se arrepende de nada.

“Perdemos cerca de metade do nosso dinheiro, mas apesar disso, todos aqueles caras permaneceram sóbrios.”

A gente aqui ama cavalos. E você?

A rotina com os animais é puxada, mas a recompensa é enorme. – Foto: AP News



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Resgatado brasileiro que ficou preso na neve na Patagônia após seguir sugestão do GPS

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O brasileiro Hugo Calderano, de 28 anos, conquista a inédita medalha de prata no Mundial de Tênis de Mesa no Catar.- Foto: @hugocalderano

Cuidado com as sugestões do GPS do seu carro. Este brasileiro, que ficou preso na neve na Patagônia, foi resgatado após horas no frio. Ele seguiu as orientações do navegador por satélite e o carro acabou atolado em uma duna de neve. Sem sinal de internet para pedir socorro, teve que caminhar durante horas no frio de -10º C, até que foi salvo pela polícia.

O progframador Thiago Araújo Crevelloni, de 38 anos, estava sozinho a caminho de El Calafate, no dia 17 de maio, quando tudo aconteceu. Ele chegou a pensar que não sairia vivo.

O resgate só ocorreu porque a anfitriã da pousada onde ele estava avisou aos policiais sobre o desaparecimento do Thiago. Aí começaram as buscas da polícia.

Da tranquilidade ao pesadelo

Thiago seguia viagem rumo a El Calafate, após passar por Mendoza, El Bolsón e Perito Moreno.

Cruzar a Patagônia de carro sempre foi um sonho para ele. Na manhã do ocorrido, nevava levemente, mas as estradas ainda estavam transitáveis.

A antiga Rota 40, por onde ele dirigia, é famosa pelas paisagens e pela solidão.

Segundo o programador, alguns caminhões passavam e havia máquinas limpando a neve.

Tudo parecia seguro, até que o GPS sugeriu o desvio que mudou tudo.

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Caminho errado

Thiago seguiu pela rota alternativa e, após 20 km, a neve ficou mais intensa e o vento dificultava a visibilidade.

“Até que, numa curva, o carro subiu em uma espécie de duna de neve que não dava para distinguir bem por causa do vento branco. Tudo era branco, não dava para ver o que era estrada e o que era acúmulo de neve. Fiquei completamente preso”, contou em entrevista ao G1.

Ele tentou desatolar o veículo com pedras e ferramentas, mas nada funcionava.

Caiu na neve

Sem ajuda por perto, exausto, encharcado e com muito frio, Thiago decidiu caminhar até a estrada principal.

Mesmo fraco, com fome e mal-estar, colocou uma mochila nas costas e saiu por volta das 17h.

Após mais de cinco horas de caminhada no escuro e com o corpo congelando, ele caiu na neve.

“Fiquei deitado alguns minutos, sozinho, tentando recuperar energia. Consegui me levantar e segui, mesmo sem saber quanta distância faltava.”

Luz no fim do túnel

Sem saber quanto tempo faltava para a estrada principal, Thiago se levantou e continuou a caminhada.

De repente, viu uma luz. No início, o programador achou que estava alucinando.

“Um pouco depois, ao olhar para trás em uma reta infinita, vi uma luz. Primeiro achei que estava vendo coisas, mas ela se aproximava. Era uma viatura da polícia com as luzes acesas. Naquele momento senti um alívio que não consigo descrever. Agitei os braços, liguei a lanterna do celular e eles me viram”, disse.

A gentileza dos policiais

Os policiais ofereceram água, comida e agasalhos.

“Falaram comigo com uma ternura que me emocionou profundamente. Me levaram ao hospital, depois para um hotel. Na manhã seguinte, com a ajuda de um guincho, consegui recuperar o carro”, agradeceu o brasileiro.

Apesar do susto, ele se recuperou e decidiu manter a viagem. Afinal, era o sonho dele!

Veja como foi resgatado o brasileiro que ficou preso na neve na Patagônia:

Thiago caminhou por 5 horas no frio até ser encontrado. – Foto: Thiago Araújo Crevelloni

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