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Como é o cérebro de um psicopata? – 23/10/2024 – Equilíbrio

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André Biernath

O ano era 1848. O jovem Phineas Gage trabalhava como supervisor na construção de uma ferrovia que passaria pela cidade de Cavendish, em Vermont, nos Estados Unidos, quando surgiu uma pedra no caminho —literalmente.

A equipe de trabalhadores precisava remover um paredão rochoso para instalar os trilhos e começou a preparar os explosivos. Alguns funcionários fizeram, então, buracos nas pedras, onde colocaram a pólvora.

Na sequência, Gage pegou uma barra de ferro —que tinha um metro de comprimento e cinco quilos— para socar e compactar o material explosivo que seria detonado pouco depois.

No entanto, uma faísca, que provavelmente foi gerada a partir do atrito entre os objetos, gerou um acidente que mudaria a história da medicina.

A explosão repentina propulsionou a tal barra de ferro para cima. O instrumento foi na direção do rosto de Gage, perfurou a bochecha esquerda, destruiu o olho, rasgou o cérebro e saiu pelo topo do crânio dele.

Por mais incrível que pareça, o homem de 25 anos não morreu subitamente —e sequer chegou a desmaiar na hora. Ele foi atendido por médicos da região e, após um período acamado, se recuperou.

Entre as mudanças aparentes, Gage perdeu o olho esquerdo e, apesar de ter tido a barra removida do cérebro pelos médicos, passou a levá-la a tiracolo para qualquer lugar que fosse, como uma espécie de ‘amuleto’.

Mas a vítima do acidente sofreu uma alteração um tanto mais subliminar: na personalidade.

Amigos e familiares não conseguiam mais reconhecê-lo. Antes do acidente, Gage era considerado uma pessoa organizada, que obedecia aquilo que estava planejado e cumpria sua palavra. Após o ocorrido, ele mudava de ideia a toda hora e raramente fazia o que era estabelecido.

Além de ter desenvolvido um inusitado interesse por animais de estimação e um forte apego a certos objetos, o antes educado e cortês Gage se transformou em alguém grosseiro e desbocado.

O caso, que ganhou repercussão internacional, gerou muitos debates e fomentou ideias sobre o papel do cérebro na construção da personalidade de um indivíduo.

O acidente de Gage também deu as primeiras mostras palpáveis de como alterações em determinadas áreas da cabeça modificam a maneira como alguém se comporta —e ajudaram a entender a origem de certos transtornos mentais, como a psicopatia.

E, passados mais de 170 anos desse episódio peculiar, cientistas conhecem um pouco melhor o que acontece no cérebro de um psicopata. Confira a seguir o que já se sabe sobre o assunto.

Por dentro do cérebro psicopata

Todos os especialistas consultados pela BBC News Brasil apontaram para uma estrutura do cérebro como o possível epicentro da psicopatia.

Falamos aqui da amígdala, uma pequena “bolinha” que faz parte do sistema límbico e fica bem no centro desse órgão [não deve ser confundida com as amígdalas palatinas que se localizam ao fundo da boca].

“As mais proeminentes teorias deste campo apontam que a amígdala, responsável por processar as informações sobre ameaças, apresenta disfunções entre acometidos por esse transtorno. Essa área cerebral parece ser menos ativa neles”, observa o pesquisador Luke Hyde, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

“É como se esses indivíduos não percebessem perigos ou ameaças, ou simplesmente não se incomodassem com isso”, complementa ele, em entrevista à BBC News Brasil.

O neurocientista Kent Kiehl, professor da Universidade do Novo México, também nos EUA, explica que nos estudos publicados sobre o assunto, a amígdala de psicopatas geralmente apresentou um tamanho reduzido em relação à média da população.

“Quanto mais traços psicopáticos uma pessoa possui, menor costuma ser a amígdala dela”, detalha ele.

Na prática, essa diferença no sistema de processamento de certas emoções modifica a forma como os psicopatas interagem com o mundo e tomam decisões morais.

“Além de estruturas como a amígdala serem menores e menos responsivas aos sistemas de ameaça e punição, essas pessoas reagem de um modo diferente aos medos dos outros que estão ao redor”, diz a psicóloga Abigail Marsh, professora de neurociência da Universidade Georgetown, nos EUA.

“Os psicopatas não entendem, não reconhecem e não reagem às emoções alheias”, complementa ela à BBC News Brasil.

O pesquisador James Blair, professor de Psiquiatria Translacional da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, usa como exemplo a reação costumeira que a grande maioria das pessoas têm quando veem um indivíduo aos prantos.

“Nós temos sistemas cerebrais específicos que nos fazem parar, analisar a situação e, se possível, oferecer algum tipo de suporte. Caso o motivo do choro seja você mesmo, por causa de um comportamento agressivo, a tendência é nos acalmarmos para acolher esse sujeito”, raciocina ele.

Esse processo todo não acontece no cérebro de um psicopata —por conta das tais disfunções na amígdala e possivelmente em outras estruturas cerebrais, sobre as quais falaremos adiante, o paciente com esse transtorno não reconhece esse medo alheio e não modifica a sua ação.

Outras instâncias afetadas

Os pesquisadores também citam uma segunda região da cabeça que parece ser diferente entre quem tem traços de psicopatia.

“É possível que o córtex orbitofrontal também tenha alguma importância nesse contexto”, aponta Hyde.

Esse pedaço do cérebro fica logo atrás dos olhos.

“Essa é uma área que faz o controle dos nossos impulsos”, diz o especialista.

Aliás, no caso de Phineas Gage citado no início da reportagem, uma das estruturas cerebrais afetadas pela barra de ferro parece ter sido justamente o córtex orbitofrontal.

Após o acidente, o supervisor da construção da ferrovia teve aquela mudança de personalidade e se tornou mais imprevisível.

Entre indivíduos diagnosticados com psicopatia, a impulsividade costuma ser uma das características mais presentes, junto com a falta de empatia e um certo charme superficial.

Essa tendência de agir de forma rápida e não planejada, portanto, poderia ser explicada por alguma disfunção no córtex orbitofrontal.

Kiehl acrescenta que os estudos feitos até agora não detectaram qualquer diferença em outras instâncias cerebrais de psicopatas.

“Não costumamos encontrar qualquer anormalidade no sistema visual, no córtex pré-frontal e nos setores responsáveis pelas memórias ou pela comunicação”, informa ele.

“Pessoas com esse transtorno raramente apresentam qualquer déficit cognitivo”, destaca o neurocientista.

Genética ou ambiente?

Mas como surgem essas alterações? Por que sujeitos com traços psicopatas apresentam uma amígdala ou um córtex orbitofrontal alterados?

Ainda não existem respostas definitivas para essas questões, mas os cientistas apostam num balanço entre fatores genéticos e a influência do ambiente.

“A psicopatia tem um componente hereditário”, pontua a psicóloga Arielle Baskin-Sommers, professora da Universidade Yale, nos EUA. Ou seja, há um fator genético importante aqui, embora não se conheça um único gene ou mutação no DNA que possa explicar o desenvolvimento do transtorno.

“Mas isso não significa que alguém está condenado a ser psicopata apenas por causa do risco genético. Certamente há uma influência do ambiente nesse processo”, pondera Baskin-Sommers.

Segundo a especialista, pessoas que apresentam os primeiros sinais de psicopatia na infância, como uma insensibilidade contumaz, podem ter esse comportamento reforçado a partir da forma como elas são criadas e educadas.

“Esses fatores de risco, como a genética, influenciam a forma de lidar com aquela criança que, por uma série de fenômenos sociais e emocionais, se vê diante de série de ciclos que resultam na psicopatia”, concorda Marsh, que também é cofundadora da Psychopathy Is, uma associação que fomenta pesquisas e campanhas sobre o transtorno.

Em outras palavras, um indivíduo pode apresentar um certo perfil genético que predispõe à psicopatia.

Ao longo dos primeiros anos de vida, ele demonstra os sinais iniciais disso, como a falta de empatia, a ausência de temor diante de ameaças ou uma agressividade desmedida.

Sem saber como lidar com esses comportamentos, os pais ou os cuidadores reagem de maneira inadequada, por meio de punições muito rígidas ou uma certa negligência, o que só reforça certos padrões de ação ou sentimentos na pessoa.

E todo esse processo, ao longo de muitos e muitos anos, pode reforçar aquelas alterações em estruturas do cérebro e futuramente desembocar na psicopatia. “Ou seja, crianças com risco genético [de psicopatia] podem ser mais difíceis de lidar. Daí elas recebem um cuidado mais duro ou menos caloroso. E isso só reforça a insensibilidade delas mesmas”, resume Hyde.

“Ninguém nasce psicopata. Mas alguns têm um risco muito maior de desenvolver esse transtorno”, conclui Marsh.



Leia Mais: Folha

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Aperfeiçoamento em cuidado pré-natal é encerrado na Ufac — Universidade Federal do Acre

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Aperfeiçoamento em cuidado pré-natal é encerrado na Ufac — Universidade Federal do Acre

A Ufac realizou o encerramento do curso de aperfeiçoamento em cuidado pré-natal na atenção primária à saúde, promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proex), Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) e Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco (Semsa). O evento, que ocorreu nessa terça-feira, 11, no auditório do E-Amazônia, campus-sede, marcou também a primeira mostra de planos de intervenção que se transformaram em ações no território, intitulada “O Cuidar que Floresce”.

Com carga horária de 180 horas, o curso qualificou 70 enfermeiros da rede municipal de saúde de Rio Branco, com foco na atualização das práticas de cuidado pré-natal e na ampliação da atenção às gestantes de risco habitual. A formação teve início em março e foi conduzida em formato modular, utilizando metodologias ativas de aprendizagem.

Representando a reitora da Ufac, Guida Aquino, o diretor de Ações de Extensão da Proex, Gilvan Martins, destacou o papel social da universidade na formação continuada dos profissionais de saúde. “Cada cursista leva consigo o conhecimento científico que foi compartilhado aqui. Esse é o compromisso da Ufac: transformar o saber em ação, alcançando as comunidades e contribuindo para a melhoria da assistência às mulheres atendidas nas unidades.” 

A coordenadora do curso, professora Clisângela Lago Santos, explicou que a iniciativa nasceu de uma demanda da Sesacre e foi planejada de forma inovadora. “Percebemos que o modelo tradicional já não surtia o efeito esperado. Por isso, pensamos em um formato diferente, com módulos e metodologias ativas. Foi a nossa primeira experiência nesse formato e o resultado foi muito positivo.”

Para ela, a formação representa um esforço conjunto. “Esse curso só foi possível com o envolvimento de professores, residentes e estudantes da graduação, além do apoio da Rede Alyne e da Sesacre”, disse. “Hoje é um dia de celebração, porque quem vai sentir os resultados desse trabalho são as gestantes atendidas nos territórios.” 

Representando o secretário municipal de Saúde, Rennan Biths, a diretora de Políticas de Saúde da Semsa, Jocelene Soares, destacou o impacto da qualificação na rotina dos profissionais. “Esse curso veio para aprimorar os conhecimentos de quem está na ponta, nas unidades de saúde da família. Sei da dedicação de cada enfermeiro e fico feliz em ver que a qualidade do curso está se refletindo no atendimento às nossas gestantes.”

A programação do encerramento contou com uma mostra cultural intitulada “O Impacto da Formação na Prática dos Enfermeiros”, que reuniu relatos e produções dos participantes sobre as transformações promovidas pelo curso em suas rotinas de trabalho. Em seguida, foi realizada uma exposição de banners com os planos de intervenção desenvolvidos pelos cursistas, apresentando as ações implementadas nos territórios de saúde. 

Também participaram do evento o coordenador da Rede Alyne, Walber Carvalho, representando a Sesacre; a enfermeira cursista Narjara Campos; além de docentes e residentes da área de saúde da mulher da Ufac.

 



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CAp promove minimaratona com alunos, professores e comunidade — Universidade Federal do Acre

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CAp promove minimaratona com alunos, professores e comunidade — Universidade Federal do Acre

O Colégio de Aplicação (CAp) da Ufac realizou uma minimaratona com participação de estudantes, professores, técnico-administrativos, familiares e ex-alunos. A atividade é um projeto de extensão pedagógico interdisciplinar, chamado Maracap, que está em sua 11ª edição. Reunindo mais de 800 pessoas, o evento ocorreu em 25 de outubro, no campus-sede da Ufac.

Idealizado e coordenado pela professora de Educação Física e vice-diretora do CAp, Alessandra Lima Peres de Oliveira, o projeto promove a saúde física e social no ambiente estudantil, com caráter competitivo e formativo, integrando diferentes áreas do conhecimento e estimulando o espírito esportivo e o convívio entre gerações. A minimaratona envolve alunos dos ensinos fundamental e médio, do 6º ano à 3ª série, com classificação para o 1º, 2º e 3º lugar em cada categoria. 

“O Maracap é muito mais do que uma corrida. Ele representa a união da nossa comunidade em torno de valores como disciplina, cooperação e respeito”, disse Alessandra. “É também uma proposta de pedagogia de inclusão do esporte no currículo escolar, que desperta nos estudantes o prazer pela prática esportiva e pela vida saudável.”

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, ressaltou a importância do projeto como uma ação de extensão universitária que conecta a Ufac à sociedade. “Projetos como o Maracap mostram como a extensão universitária cumpre seu papel de integrar a universidade à comunidade. O Colégio de Aplicação é um espaço de formação integral e o esporte é uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento humano, social e educacional.”

 



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Semana de Letras/Português da Ufac tematiza ‘língua pretuguesa’ — Universidade Federal do Acre

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Semana de Letras/Português da Ufac tematiza ‘língua pretuguesa’ — Universidade Federal do Acre

O curso e o Centro Acadêmico de Letras/Português da Ufac iniciaram, nessa segunda-feira, 10, no anfiteatro Garibaldi Brasil, sua 24ª Semana Acadêmica, com o tema “Minha Pátria é a Língua Pretuguesa”. O evento é dedicado à reflexão sobre memória, decolonialidade e as relações históricas entre o Brasil e as demais nações de língua portuguesa. A programação segue até sexta-feira, 14, com mesas-redondas, intervenções artísticas, conferências, minicursos, oficinas e comunicações orais.

Na abertura, o coordenador da semana acadêmica, Henrique Silvestre Soares, destacou a necessidade de ligar a celebração da língua às lutas históricas por soberania e justiça social. Segundo ele, é importante que, ao celebrar a Semana de Letras e a independência dos países africanos, se lembre também que esses países continuam, assim como o Brasil, subjugados à força de imperialismos que conduzem à pobreza, à violência e aos preconceitos que ainda persistem.

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, salientou o compromisso ético da educação e reforçou que a universidade deve assumir uma postura crítica diante da realidade. “A educação não é imparcial. É preciso, sim, refletir sobre essas questões, é preciso, sim, assumir o lado da história.”

A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, ressaltou a força do tema proposto. Para ela, o assunto é precioso por levar uma mensagem forte sobre o papel da universidade na sociedade. “Na própria abertura dos eventos na faculdade, percebemos o que ocorre ao nosso redor e que não podemos mais tratar como aula generalizada ou naturalizada”, observou.

O diretor do Centro de Educação, Letras e Artes (Cela), Selmo Azevedo Pontes, reafirmou a urgência do debate proposto pela semana. Ele lembrou que, no Brasil, as universidades estiveram, durante muitos anos, atreladas a um projeto hegemônico. “Diziam que não era mais urgente nem necessário, mas é urgente e necessário.”

Também estiveram presentes na cerimônia de abertura o vice-reitor, Josimar Batista Ferreira; o coordenador de Letras/Português, Sérgio da Silva Santos; a presidente do Cela, Thaís de Souza; e a professora do Laboratório de Letras, Jeissyane Furtado da Silva.

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 

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