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Em busca do eleitor desiludido

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Em busca do eleitor desiludido

Thomas Traumann

Nunca uma sucessão presidencial começou tão cedo quanto a de 2026, mas também raras eleições brasileiras estabeleceram com tanta antecedência quais os grupos políticos competitivos para chegar ao segundo turno. Essa previsibilidade dá à eleição de 2026 uma característica singular: embora políticos, agentes do mercado financeiros, empresários e jornalistas gastem horas de seus dias com cada detalhe das futuras campanhas, as notícias mudam muito pouco o quadro geral.

Assim como em 2022, de um lado estará Lula da Silva, do outro o grupo político comandado por Jair Bolsonaro. A indefinição sobre quem será o candidato apoiado por Bolsonaro, aparentemente, apenas adia o óbvio: quem for o escolhido tem grandes chances de chegar ao segundo turno e, uma vez lá, terá no mínimo 45% dos votos — mesmo piso da nova candidatura Lula.

Haverá muito som e fúria, mas ao final Lula terá o apoio da maioria dos eleitores mais pobres e o candidato de Bolsonaro, dos mais ricos. O Nordeste majoritariamente votará em Lula, enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste darão vitória ao bolsonarismo. Lula terá mais votos dos eleitores que se declaram pretos e católicos; o bolsonarismo entre brancos e evangélicos.

É um quadro assustadoramente similar ao de 2022, que eu e o cientista político Felipe Nunes descrevemos no livro “Biografia do Abismo”. Num país de paixões calcificadas, no qual a escolha política é também um posicionamento sobre valores, a diferença entre ganhar e perder estará num núcleo de 7% a 10% do eleitorado, majoritariamente urbano, dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2018, a maior parte desses eleitores votou em Bolsonaro. Em 2022, em Lula. Hoje, eles desaprovam o governo Lula, mas ainda não o suficiente para abraçar uma candidatura bolsonarista. Nunes e eu batizamos esse núcleo de os “desiludidos”.

Como Nunes afirmou em entrevista ao editor Thiago Prado, de O Globo, o candidato que “conquistar esse eleitor desiludido vencerá. Agora, neste momento, por mais que o governo esteja mais desaprovado que aprovado, esse eleitor está dizendo nas nossas pesquisas que não vai votar em ninguém. Ou seja, por ora, Lula vence as simulações eleitorais que tenho feito porque as pessoas ainda desconhecem as alternativas da oposição”.

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Em números: numa disputa hipotética entre Lula e Bolsonaro, 15% dos que acham o governo ruim ou péssimo dizem que votariam no atual presidente se a opção fosse o bolsonarismo. Essa correlação se repete quando são outros os nomes apresentados.

Existe um evidente desgaste de material de Lula 3, mas esse esgarçamento atinge igualmente o bolsonarismo e o Centrão. Os desiludidos com Lula também se sentem arrependidos do bolsonarismo.

O fato de a principal força do antipetismo ser o bolsonarismo ajuda Lula: 44% dos brasileiros têm mais medo da volta de Bolsonaro do que manter Lula, ante 41% que acham o contrário. O medo que atinge 85% dos eleitores aponta para uma nova eleição de disputa de rejeições.

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Além dessa porção de eleitores que dizem “ruim com Lula, pior com outro”, há outro segmento que rejeita todos os políticos. Entre os que desaprovam o governo Lula, entre 17% e 32% dizem que votarão branco ou nulo ou vão se abster em 2026. Parte do repúdio ao governo Lula, portanto, é uma rejeição a todo o sistema político.

Mantidas as condições de temperatura e pressão, a tendência é que chegando mais perto das eleições, de um lado Lula recupere o núcleo duro do seu eleitorado (Nordeste, pobres, pretos, católicos) e que o ungido por Bolsonaro, depois do luto pela saída do ex-presidente da disputa, comece a herdar a base da direita (Sul/Centro Oeste, mais ricos, brancos, evangélicos). As mulheres, que em 2022 votaram majoritariamente em Lula, estão divididas.

E o que pode dar errado nesse quadro esquemático?

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No campo de Lula é a economia. Há uma certeza quase messiânica no Palácio do Planalto de que as medidas de crédito, a isenção do imposto de renda e o aumento do Bolsa Família vão manter o ritmo da economia acima dos 2%, com crescimento no consumo e manutenção do desemprego baixo. Não se estuda no Planalto um único cenário pessimista do que pode acontecer com o Brasil com a guerra de tarifas EUA-China. Do jeito que as coisas estão, Lula só pretende ouvir a sério o ministro Fernando Haddad se houver uma hecatombe.

No caso da direita, a pedra no meio do caminho é Bolsonaro. Dois governadores pré-candidatos a presidente me disseram ter certeza de que, nas condições atuais, Bolsonaro pretende manter sua candidatura mesmo com a condenação no STF, tendo o filho Eduardo como substituto. É um cenário que desintegra a oposição, tira Tarcísio de Freitas da disputa e abre espaço para um candidato fora da política.

De acordo com a última pesquisa Quaest/Genial, perguntados sobre “qual seria o melhor resultado da eleição”, 26% disseram alguém fora da política, 24% Lula, 19% Bolsonaro, 12% outro candidato de direita fora Bolsonaro, 6% um candidato de centro e 5% outro candidato de esquerda fora Lula. O dado é um bom indicador do potencial de um candidato antissistema e do sentimento de muitos eleitores “desiludidos”.

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E como os dois lados devem cortejar os desiludidos?

Num aforismo comum do marketing, eleições são sobre sonhos e medos. Em 2022, Lula conquistou este voto porque Bolsonaro investiu tanto contra as instituições que permitiu ao PT se tornar o representante da democracia. Como as investigações do STF mostram, o medo de um retrocesso democrático era real.

Esse quadro pode se repetir numa eventual disputa Lula x Eduardo Bolsonaro em 2026, mas dificilmente colará se o adversário não tiver o mesmo sobrenome. O fato é que o rol de realizações lulistas destes dois anos e quatro meses de mandato (volta de programas sociais, normalização da política, fim do confronto com o Judiciário, crescimento de 6%, desemprego em baixa) não é suficiente. Tendo como agenda única propostas para ganhar a eleição, Lula não oferece sonho.

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Oferecer mudança é a base de qualquer oposição, mas o antipetismo tem um limitador: para chegar ao segundo turno precisa ser fiel e até submisso a Bolsonaro, mas não tem como chegar aos 51% oferecendo uma volta ao governo do ex-presidente. O maior desafio da oposição será achar a correlação certa entre bolsonarismo e pós-bolsonarismo.

Lulistas e bolsonaristas têm 18 meses para encontrar uma ilusão que seduza os desiludidos.



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Matheus Leitão

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“Estou muito envergonhado! Isto é uma indignidade inexplicável!” (Ciro Gomes, ex-ministro da Fazenda, usando as redes sociais para reclamar da troca de Carlos Lupi por Wolney Queiroz, seu desafeto no PDT, no comando do Ministério da Previdência Social) 


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Felipe Barbosa

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A articulação para mudar quem define o teto de jur…

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A articulação para mudar quem define o teto de jur...

Nicholas Shores

O Ministério da Fazenda e os principais bancos do país trabalham em uma articulação para transferir a definição do teto de juros das linhas de consignado para o Conselho Monetário Nacional (CMN). 

A ideia é que o poder de decisão sobre o custo desse tipo de crédito fique com um órgão vocacionado para a análise da conjuntura econômica. 

Compõem o CMN os titulares dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e da presidência do Banco Central – que, atualmente, são Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo.

A oportunidade enxergada pelos defensores da mudança é a MP 1.292 de 2025, do chamado consignado CLT. O Congresso deve instalar a comissão mista que vai analisar a proposta na próxima quarta-feira. 

Uma possibilidade seria aprovar uma emenda ao texto para transferir a função ao CMN.

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Hoje, o poder de definir o teto de juros das diferentes linhas de empréstimo consignado está espalhado por alguns ministérios. 

Cabe ao Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido pelo ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, fixar o juro máximo cobrado no consignado para pensionistas e aposentados do INSS.

A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, é quem decide o teto para os empréstimos consignados contraídos por servidores públicos federais.

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Na modalidade do consignado para beneficiários do BPC-Loas, a decisão cabe ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias.

Já no consignado de adiantamento do saque-aniversário do FGTS, é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que tem a palavra final sobre o juro máximo.

Atualmente, o teto de juros no consignado para aposentados do INSS é de 1,85% ao mês. No consignado de servidores públicos federais, o limite está fixado em 1,80% ao mês.

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Segundo os defensores da transferência da decisão para o CMN, o teto “achatado” de juros faz com que, a partir de uma modelagem de risco de crédito, os bancos priorizem conceder empréstimos nessas linhas para quem ganha mais e tem menos idade – restringindo o acesso a crédito para uma parcela considerável do público-alvo desses consignados.

Ainda de acordo com essa lógica, com os contratos de juros futuros de dois anos beirando os 15% e a regra do Banco Central que proíbe que qualquer empréstimo consignado tenha rentabilidade negativa, a tendência é que o universo de tomadores elegíveis para os quais os bancos estejam dispostos a emprestar fique cada vez menor.



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