POLÍTICA
Escândalo no INSS frustra roteiro otimista de Lula…

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4 meses atrásem

Daniel Pereira
O presidente Lula tinha um plano: depois de semear na primeira metade do mandato, ele finalmente iniciaria a colheita em 2025. Programas prioritários do governo deslanchariam e cairiam no gosto popular, principalmente na área da saúde. O pessimismo com os rumos da economia seria revertido com uma série de medidas, do prometido combate à inflação dos alimentos à injeção direta de recursos no bolso dos trabalhadores. Uma renovação de acordos políticos com partidos de centro fortaleceria a posição do mandatário no Congresso e, de quebra, a sua eventual candidatura à reeleição. A combinação desses fatores garantiria o sucesso da safra, que seria coroada com a recuperação de uma popularidade que derreteu na virada do ano. O roteiro era claro e otimista, mas até agora quase nada saiu como planejado. Para piorar, o petista passou a lidar com um velho fantasma: a corrupção, que voltou à agenda nacional com o escândalo dos descontos ilegais de benefícios pagos a aposentados e pensionistas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Por mais que se esforce, Lula ainda terá de remar muito contra a maré.
O desafio mais imediato é o caso do INSS, que envolve roubo a pessoas consideradas vulneráveis, revela omissão e incompetência do governo e tem forte apelo popular. No último dia 23, a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram uma operação para combater um esquema nacional que descontava valores de aposentadorias e pensões sem a autorização dos segurados e repassava os recursos para sindicatos e entidades de classe que dizem representá-los. De acordo com as investigações, 6,3 bilhões de reais foram descontados entre 2019 e 2024, mas ainda não se sabe quanto de forma ilegal — ou seja, sem concordância prévia. Uma pequena amostragem citada pelas autoridades dá uma noção do tamanho do problema: de 1 300 casos analisados, 97% registraram irregularidades, como assinaturas fraudadas. Os descontos são de pequenas quantias no caso individual de cada aposentado e pensionista, mas somados encheram os caixas de entidades de classe. Tanto que houve uma ordem judicial para o sequestro de bens de cerca de 1 bilhão de reais como forma de garantir eventuais reparações. Conforme as investigações, só um operador do esquema repassou 7,5 milhões de reais a pessoas e empresas ligadas ao procurador-geral do INSS, Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho, que foi afastado do cargo.
Pelas regras atuais, os sindicatos e associações assinam um acordo de cooperação com o INSS que permite o desconto de valores, desde que autorizado, em troca de alguns benefícios para aposentados e pensionistas, como auxílio jurídico e assistência médica. O modelo começou a funcionar no governo de Michel Temer, ganhou tração na gestão de Bolsonaro, quando a totalidade de descontos (legais ou não) superou 700 milhões de reais, e explodiu na gestão Lula, ultrapassando a casa de 2 bilhões de reais. Independentemente da origem, a bomba explodiu no colo do petista. Não bastasse isso, uma das onze entidades que foram alvo de medidas judiciais na ação realizada por PF e CGU, o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos, tem como diretor, desde 2008, e como vice-presidente, desde o ano passado, Frei Chico, irmão do presidente da República. Ele não é investigado, mas o dado inflamou ainda mais o ânimo da oposição, que protocolou na quarta 30 o pedido para abertura de uma CPI sobre o caso. “Frei Chico está em evidência apenas por seu parentesco com o presidente Lula. Trata-se de pura politicagem eleitoral, que engana muita gente de boa-fé”, reagiram os presidentes de seis centrais sindicais em nota.

Diante da gravidade do caso, Lula — aconselhado por ministros como Sidônio Palmeira, responsável pela comunicação do governo desde janeiro — determinou uma série de medidas para tentar conter o desgaste. De início, seus auxiliares difundiram a versão de que, ao contrário do que acontecia agora, o problema não foi enfrentado em gestões anteriores. Seria um ponto positivo, portanto, para a atual administração. O presidente também determinou a demissão do comandante do INSS, que até então tinha sido apenas afastado da função por ordem judicial. O mandatário só não contava que o próprio ministro da Previdência, Carlos Lupi, passaria a alimentar a crise. Logo na entrevista coletiva convocada para demonstrar o suposto rigor do governo no caso, Lupi saiu em defesa do subordinado do INSS que seria exonerado e se manifestou como se ele, o ministro, nada tivesse a ver com o problema. Tem e muito. Em 2023, a questão dos descontos foi levada ao Conselho Nacional de Previdência Social. No ano seguinte, a CGU enviou ao INSS os resultados preliminares de uma auditoria que mostravam as fraudes contra aposentados e pensionistas. Mesmo assim, a reação só veio agora.
Acomodado na pasta da Previdência por ser o mandachuva do PDT, Lupi não é propriamente conhecido pelos êxitos como gestor. Ao assumir o cargo, prometeu acabar com a fila do INSS, que superou 2 milhões de pessoas na virada do ano. Convocado para se explicar sobre o caso numa comissão da Câmara, ele defendeu a tese de que o INSS deixe de intermediar a relação entre sindicatos e segurados. Que pare de fazer o desconto no contracheque. Que as entidades emitam um boleto e, como ele disse, os velhinhos façam o Pix. É aquela história: não adianta colocar a tranca na porta depois que ela foi arrombada, numa ação perpetrada por criminosos com a ajuda da omissão governamental. Até a última quinta, 1º, Lupi continuava firme no cargo, apesar de aliados do presidente, protegidos pelo anonimato, defenderem a sua demissão. A exoneração, se ocorrer, deve resultar na saída do PDT do governo, segundo o líder da legenda na Câmara, Mário Heringer (MG). Lula, que sempre prioriza mais as conveniências políticas do que as necessidades administrativas, não quer abrir mão do aliado, que conta com uma bancada de dezessete deputados e tem um eterno presidenciável em seus quadros, o ex-ministro Ciro Gomes.

O presidente, como se sabe, já enfrenta obstáculos demais na sua conturbada relação com os partidos de centro, como demonstram três episódios recentes. Em abril, a oposição conseguiu o número mínimo de apoios ao requerimento de urgência para o projeto de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. A maior parte da adesão ao texto veio de deputados filiados a siglas que têm ministérios no governo. O requerimento só não foi colocado em votação porque o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), segurou, por enquanto, a pressão oposicionista. Também em abril, o líder do União Brasil na Câmara, deputado Pedro Lucas Fernandes, desistiu de assumir a pasta das Comunicações duas semanas depois de ser anunciado para o cargo pela ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Foi um revés inédito para Lula, considerando os seus três mandatos. Na última terça-feira, 29, o mesmo União Brasil, que controla três ministérios, anunciou a formação de uma federação com o PP, que comanda uma pasta. Juntos, terão a maior bancada na Câmara e o maior fundo eleitoral em 2026, ativos que pretendem usar para impulsionar uma candidatura de oposição.
O presidente, em tese, poderia retaliar as traições ou as afrontas do Centrão, mas não tem força para isso. Hoje, suas prioridades são evitar debandadas da base governista e garantir que pelo menos parte de partidos como PSD, MDB, Republicanos, União Brasil e PP fique ao seu lado durante a campanha eleitoral de 2026. Anunciada pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, para ser realizada em janeiro, exatamente com o objetivo de estreitar laços com essa turma, a reforma ministerial até agora não saiu do papel — não na amplitude que era esperada, já que o presidente mexeu, com exceção das Comunicações, apenas em cargos controlados pelo PT. Neste ano, Lula tem apostado até aqui em fortalecer seus acordos não com as agremiações, mas com os comandantes da Câmara, o já citado Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), investindo na parceria com eles para aprovar medidas consideradas prioritárias, como a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais. Essa iniciativa é uma das principais apostas do presidente para melhorar a sua imagem, que sofreu um desgaste considerável em razão do encarecimento dos alimentos e da campanha oposicionista que dizia que o governo taxaria as transações realizadas por meio do Pix, o que não ocorreu.

A esperança de reação reside no pacote de medidas populistas, tendo à frente a isenção do imposto de renda. A tática já apresentou algum efeito, mas talvez menos do que o esperado. No levantamento mais recente, realizado pela AtlasIntel em parceria com a Bloomberg, o presidente e o governo conseguiram recuperar algum fôlego na popularidade. Só que o saldo permanece negativo, a despeito do esforço empregado nos últimos meses. A aprovação ao mandatário, que era de 44,9% em março, subiu para 46,1% em abril, ainda abaixo da reprovação, que caiu de 53,6% para 50,1%. O levantamento foi realizado entre 20 e 24 de abril. Ou seja: terminou um dia após a ação da PF e da CGU no caso do INSS, o que, até por isso, pode não ter impactado no resultado.

Dentro do Palácio do Planalto existe a percepção de que é preciso fazer muito mais. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, prometeu cadeia para aqueles que roubaram aposentados e pensionistas. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a orientação do governo é ressarcir as pessoas prejudicadas pelos descontos indevidos. Seriam sinais alvissareiros se o governo estivesse entregando o que prometeu, o que não está ocorrendo, como reconheceu o próprio Lula na última reunião ministerial. Um timoneiro experiente sabe quando e por que o mar está revolto — e sabe, principalmente, a dificuldade e o perigo de remar contra a maré.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942
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“Estou muito envergonhado! Isto é uma indignidade inexplicável!” (Ciro Gomes, ex-ministro da Fazenda, usando as redes sociais para reclamar da troca de Carlos Lupi por Wolney Queiroz, seu desafeto no PDT, no comando do Ministério da Previdência Social)
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A articulação para mudar quem define o teto de jur…

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4 meses atrásem
5 de maio de 2025
Nicholas Shores
O Ministério da Fazenda e os principais bancos do país trabalham em uma articulação para transferir a definição do teto de juros das linhas de consignado para o Conselho Monetário Nacional (CMN).
A ideia é que o poder de decisão sobre o custo desse tipo de crédito fique com um órgão vocacionado para a análise da conjuntura econômica.
Compõem o CMN os titulares dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e da presidência do Banco Central – que, atualmente, são Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo.
A oportunidade enxergada pelos defensores da mudança é a MP 1.292 de 2025, do chamado consignado CLT. O Congresso deve instalar a comissão mista que vai analisar a proposta na próxima quarta-feira.
Uma possibilidade seria aprovar uma emenda ao texto para transferir a função ao CMN.
Hoje, o poder de definir o teto de juros das diferentes linhas de empréstimo consignado está espalhado por alguns ministérios.
Cabe ao Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido pelo ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, fixar o juro máximo cobrado no consignado para pensionistas e aposentados do INSS.
A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, é quem decide o teto para os empréstimos consignados contraídos por servidores públicos federais.
Na modalidade do consignado para beneficiários do BPC-Loas, a decisão cabe ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias.
Já no consignado de adiantamento do saque-aniversário do FGTS, é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que tem a palavra final sobre o juro máximo.
Atualmente, o teto de juros no consignado para aposentados do INSS é de 1,85% ao mês. No consignado de servidores públicos federais, o limite está fixado em 1,80% ao mês.
Segundo os defensores da transferência da decisão para o CMN, o teto “achatado” de juros faz com que, a partir de uma modelagem de risco de crédito, os bancos priorizem conceder empréstimos nessas linhas para quem ganha mais e tem menos idade – restringindo o acesso a crédito para uma parcela considerável do público-alvo desses consignados.
Ainda de acordo com essa lógica, com os contratos de juros futuros de dois anos beirando os 15% e a regra do Banco Central que proíbe que qualquer empréstimo consignado tenha rentabilidade negativa, a tendência é que o universo de tomadores elegíveis para os quais os bancos estejam dispostos a emprestar fique cada vez menor.
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