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Estrela partida: o racha na barulhenta disputa pel…

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Estrela partida: o racha na barulhenta disputa pel...

Laísa Dall’Agnol

No início de março, uma reunião fora da agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deflagrou uma crise, até ali velada, dentro do Partido dos Trabalhadores. A então presidente, Gleisi Hoffmann, convidou Lula e aliados da corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB) para um encontro em sua casa, em Brasília, onde destilou críticas a Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara, também da CNB e candidato preferido de Lula para governar a sigla a partir da eleição interna de julho. Na reunião, o grupo afirmou que Edinho não tinha maioria e que, caso fosse candidato, seria derrotado. Lula mostrou-se surpreso e, após o vazamento do encontro, bombeiros foram chamados para apagar o fogo amigo na maior legenda da esquerda brasileira. O fato de a disputa interna ter exposto o presidente daquela forma parecia que seria o ápice da crise e que, a partir dali, o tom baixaria. Passado pouco mais de um mês, não só não melhorou, como parece que piorou. Edinho não conseguiu unir o partido e ainda viu dois nomes expressivos da sigla, Rui Falcão e Washington Quaquá, se lançarem oficialmente para derrotá-lo.

RECADO - Falcão, com Genoino: “Partido não é caixa de repetição do governo” (Claudio Gatti/.)

Embora haja outros interesses internos a aprofundar o racha, a desavença entre os principais nomes pode ser explicada pelos tons de vermelho de cada candidatura. Ex-ministro da Secom de Dilma Rousseff e coordenador da campanha vitoriosa de Lula em 2022, Edinho é aliado próximo do petista e o porta-voz da moderação na disputa interna. Desde que lançou sua candidatura, o sociólogo de 59 anos reuniu o apoio de nomes graúdos do partido, como Lula, o ministro Alexandre Padilha, os ex-ministros José Dirceu e Paulo Pimenta e o senador Jaques Wagner. Dirceu, escalado por Lula, tem viajado pelo país com o candidato. Nesses encontros, Edinho tem defendido à exaustão a necessidade de uma “organização de base” do PT conectada com a realidade da população, aberta a mudanças e voltada à renovação, com apelo aos jovens. Também tem deixado claro que o PT precisa construir a maior aliança possível para 2026 — ele foi um dos articuladores da “frente ampla”, que trouxe políticos de centro para o palanque de Lula em 2022. “Precisamos conversar com a sociedade real existente, não com a sociedade que a gente pensa que existe. Não quero ganhar a eleição com 2 pontos percentuais. Quero que o presidente Lula ganhe com a ampla maioria do povo brasileiro”, disse em encontro com filiados.

Em evento ocorrido na segunda 14, um dos rivais de Edinho, Rui Falcão apostou na linha oposta à da moderação. No Sindicato dos Engenheiros, na Bela Vista, o jornalista de 81 anos mostrou o tamanho da dissonância interna dentro do partido. Ex-­presidente do PT (1993-94 e 2011-17) e também próximo a Lula, o hoje deputado, membro da corrente Novo Rumo, criticou o movimento ao centro e ressaltou que a legenda precisa “reafirmar o seu horizonte histórico” defendido desde sua origem: a construção de uma sociedade socialista, na qual “o poder político e as riquezas estejam sob a direção das classes trabalhadoras”. Também defendeu o fim das limitações impostas pelo arcabouço fiscal, disse que o PT precisa voltar a ter um pé nas instituições e outro na organização popular e relativizou a busca incessante por uma frente ampla que, reconheceu, alçou Lula ao poder. “Nela abrigaram-se lideranças e legendas que divergem do nosso projeto estratégico. O PT não pode se transformar em uma caixa de repetição do governo federal”, disse. Entre os presentes, estavam José Genoino, petista histórico e também ex-­presidente da legenda, e Valter Pomar, outro candidato à presidência do PT, pela corrente Articulação de Esquerda. Falcão recebeu ainda uma mensagem de Romênio Pereira, que disputa o posto pelo Movimento PT. Apesar de representar uma corrente minoritária dentro do partido, petistas avaliam que pesam a favor de Rui Falcão a sua experiência como dirigente e o fato de ter presidido o partido durante o período turbulento da Lava-Jato, sem nunca ter sido preso ou condenado. O deputado federal e presidente do PT-SP, Kiko Celeguim, que declarou apoio a Edinho, participou do ato de Falcão. “Temos um amadurecimento político suficiente para fazer com que nossas divergências ajudem a construir uma coisa maior, e não a nos automutilar”, diz.

DISSIDENTE - Quaquá: “O PT deve ser a esquerda que não se submete à direita”
DISSIDENTE - Quaquá: “O PT deve ser a esquerda que não se submete à direita” (@washington.quaqua.5/Instagram)
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Entre Edinho Silva e Rui Falcão, surgiu ainda outro candidato — talvez mais preocupante para Edinho, por ser da mesma corrente interna. Prefeito de Maricá (RJ) e vice-presidente da sigla, Washington Quaquá anunciou sua candidatura, que, segundo ele, tem o apoio de líderes como o presidente interino da legenda, o senador Humberto Costa (PE), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), e o secretário de comunicação da sigla, deputado Jilmar Tatto (SP). Com um histórico de declarações polêmicas, o prefeito diz ser uma falácia que Edinho tem o apoio de Lula, como propaga Dirceu. “Mais fácil achar cabeça de bacalhau do que achar o Lula falando que apoia o Edinho”, provoca. Quaquá defende um meio-termo entre Edinho e Falcão. “O partido deve ser a esquerda que não se submete à direita, mas que amplie alianças ao centro, inclusive com partidos da base, do União Brasil ao Progressistas, e sob o comando de Lula”, defende.

A disputa interna pelo comando do partido tem levado até à circulação de sérias acusações entre os grupos rivais. Um exemplo é o das filiações feitas às vésperas da eleição. Dirigentes de diretórios municipais têm impugnado fichas com o argumento de que muitas foram feitas em massa e lideradas por pessoas que pretendem disputar cargos na estrutura partidária. Organizadores de eventos que promoveram grande parte das adesões reclamam que as impugnações são feitas por quem quer manter o status quo. Das 341 315 assinaturas registradas entre outubro de 2024 e fevereiro deste ano, 9 815 foram impugnadas. Quaquá, acusado de irregularidades, devolveu com provocação. “Faço um trabalho popular de base e filiei 60 000 pessoas. Se o Edinho for para o segundo turno, vai perder. Porque seremos eu, Rui, Valtinho e Romênio contra ele”, calcula. O número de filiados é importante porque são eles que votarão nas chapas na eleição.

MISSÃO - Humberto Costa: presidente interino, senador terá a difícil tarefa de conduzir o processo eleitoral interno em julho
MISSÃO - Humberto Costa: presidente interino, senador terá a difícil tarefa de conduzir o processo eleitoral interno em julho (Andressa Anholete/Agência Senado)
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A sucessão no PT poderia ser uma oportunidade para recalibrar o rumo do partido, fundado em 1980, com Lula já como sua figura de honra. Levantamentos recentes do Datafolha e da Quaest mostram que o presidente tem perdido eleitores entre grupos que sempre formaram sua base eleitoral, como nordestinos, pobres, menos instruídos, mulheres e católicos. A necessidade de renovação da legenda fica ainda mais clara com a pesquisa Quaest de março, que apontou que a desaprovação a Lula entre eleitores de 16 a 34 anos saltou 12 pontos desde janeiro, de 52% para 64% — ou seja, praticamente dois de cada três brasileiros desse segmento estão descontentes com a gestão do petista.

Diante da fragmentação e a pouco tempo da eleição interna, que terá que ser conduzida no “fio da navalha” pelo presidente interino, Humberto Costa, há militantes que se movimentam em busca de algum consenso. Existe uma avaliação de que, ao passar a imagem de partido rachado, o PT terá dificuldades para liderar uma frente ampla em 2026. A pouco mais de um ano e meio da eleição, a movimentação das legendas à direita é intensa. É o caso do União Brasil e PP, que caminham para uma federação, enquanto PSD, MDB e PL tentam se fortalecer para o jogo bruto que promete vir no ano que vem. A disputa acirrada dentro do PT não poderia ocorrer em pior momento para o partido e para o governo.

Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940



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Alexandre de Moraes determina prisão de Fernando C…

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Alexandre de Moraes determina prisão de Fernando C...

Meire Kusumoto

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quinta-feira, 24, a prisão do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello.

Collor foi condenado em 2023 pelo Supremo por corrupção na BR Distribuidora. Os ministros entenderam que o ex-presidente recebeu 20 milhões de reais para viabilizar irregularmente contratos da estatal com a UTC Engenharia.

Na decisão desta quinta, Moraes pede que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, convoque uma sessão virtual extraordinária do plenário para que os demais ministros referendem sua decisão. O pedido de prisão, no entanto, deve ser cumprido imediatamente.

Barroso marcou a sessão para esta sexta-feira, 25, de 11h às 23h59.

 



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Câmara cassa mandato de Chiquinho Brazão, acusado…

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Câmara cassa mandato de Chiquinho Brazão, acusado...

Meire Kusumoto

Acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco, o deputado Chiquinho Brazão teve seu mandato cassado nesta quinta-feira, 24, pela Mesa Diretora da Câmara, por excesso de faltas a sessões da Casa. A decisão foi publicada no Diário da Câmara dos Deputados.

O documento justifica a cassação afirmando que Brazão incorreu na hipótese prevista no artigo 55 da Constituição Federal, que prevê a perda de mandato do parlamentar “que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”.

Brazão está preso desde março do ano passado por suspeita de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle. Após a operação que prendeu Brazão, seu irmão Domingos Brazão e o ex-delegado Rivaldo Barbosa no âmbito das investigações do caso, um processo de cassação foi aberto para retirar o mandato de Chiquinho. A cassação chegou a ser aprovada no Conselho de Ética, mas não foi pautada em plenário.



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Erika Hilton, sobre a ofensiva de Trump contra a c…

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Erika Hilton, sobre a ofensiva de Trump contra a c...

Anita Prado

A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) tornou pública a batalha para ter sua identidade de gênero respeitada após ser registrada como “sexo masculino” na emissão de um visto diplomático pela Embaixada dos Estados Unidos — mesmo apresentando documentos brasileiros que atestam legalmente sua identidade como mulher. Em resposta, acionou o Itamaraty e pretende levar o caso à Câmara dos Deputados. Na entrevista a seguir, Hilton também critica a recente resolução do Conselho Federal de Medicina, que restringe o acesso de jovens trans à terapia hormonal, e o avanço de uma agenda autoritária promovida pela extrema-direita no Brasil e no mundo.

Como a senhora se sente ao ter que reafirmar publicamente algo tão elementar quanto a sua identidade de gênero? Eu me sinto cansada, porque nós já deveríamos ter superado essas questões básicas. Nós já não deveríamos mais aceitar conviver com naturalidade com racismo, com transfobia, com misoginia, com ódio. E nós estamos vendo o crescimento da violência, da barbárie e do preconceito cada vez mais forte por parte da extrema-direita no mundo. E aí a gente se sente exausta. Mas, ao mesmo tempo, nessa exaustão, encontra força e coragem para seguir denunciando, gritando e exigindo o mínimo: a dignidade, o respeito, a cidadania. Então, cansa. Mas, ao mesmo tempo, faz com que a minha voz ecoe.

Lhe causou espanto o fato de o governo americano querer definir o status de um cidadão de outro país? Me causou profundo espanto o governo americano não só querer definir status, mas violar documentos nacionais brasileiros. Isso me deixou ainda mais horrorizada, chocada e muito preocupada. Se o governo americano se sente autorizado, a partir de um decreto lá dos Estados Unidos, a interferir nos documentos oficiais brasileiros, o que mais ele é capaz de fazer?

Que tipo de resposta política e diplomática a senhora espera do governo brasileiro? Uma coisa é o que eu espero, outra coisa é o que eu acho que vai acontecer. Eu esperaria muito que o governo se posicionasse, que o governo repudiasse, que o governo dissesse “aqui, não”, que aqui nós respeitamos identidades, nós respeitamos a população trans e, mais do que isso, que aqui nós respeitamos e defendemos com unha a nossa soberania, que não somos “República das Bananas”. Onde um gringo, um estrangeiro, invade as nossas fronteiras, viola os nossos documentos, deslegitima as nossas parlamentares eleitas pelo voto do nosso povo. É isso que eu esperaria. Agora, eu não sei se é isso que vai acontecer. Eu estive já no Itamaraty, conversando com o chanceler, que disse que vai fazer uma cobrança à embaixada dos Estados Unidos, mas não sei se vai passar desse pedido de explicações. Devo conversar também na Câmara, para que a mesa tome uma medida, se manifeste.

O mundo atravessa um período de retrocesso quanto aos direitos das pessoas trans? O que explica esse fenômeno? Eu acho que nós, pessoas trans, estamos sendo usadas de bode expiatório para a construção de um pânico moral, para o enfraquecimento da agenda do respeito, dos direitos humanos, da diversidade. Somos colocadas como inimigas da sociedade porque temos avançado, e é perigoso o nosso avançar para as estruturas de poder. Então, para construírem um pânico moral, para construírem uma guerra invisível entre o bem e o mal, se utilizam de nós. São as pessoas trans que estão sendo utilizadas para serem representadas como inimigas dentro de uma guerra fantasiosa — uma guerra que é construída na cabeça dessas figuras da extrema-direita e que é vendida para a sociedade como um risco à família, um risco à moral, um risco às infâncias. Tudo isso foi criado num conto fantasioso, como o “kit gay”, e agora vem ganhando cada vez mais força. É preciso conter a liberdade, porque a liberdade representa a insurgência, representa o questionamento, representa a ousadia — e isso é perigoso a governos autoritários, fascistas e corruptos, como são esses da extrema-direita.

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Casos de discriminação por parte do governo americano envolvendo a atriz Hunter Schafer, da série americana Euphoria, e a deputada Duda Salabert (PDT-MG), também foram relatados. Qual o impacto desses episódios para pessoas comuns, que não têm o mesmo destaque na sociedade? Quando a sociedade assiste a figuras públicas sendo agredidas dessa maneira, surgem dois efeitos. O primeiro é o medo, a frustração, a desesperança — o que é muito perigoso. Mas, ao mesmo tempo, há um segundo efeito: o das pessoas se unirem para dizer: “Olha, nossas ídolas, as pessoas que a gente admira, estão sendo agredidas, violadas. Precisamos nos unir a elas, lutar com elas”.

Nesse mês, o Conselho Federal de Medicina aprovou uma resolução que restringe o acesso de jovens trans a bloqueadores hormonais e à terapia hormonal cruzada. O que motivou essa decisão, em seu ponto de vista? Faz parte da tentativa desse genocídio mais eufêmico, menos direto. Porque, quando você nega acesso ao direito à saúde, você traz o suicídio, a automedicação e uma série de problemas de saúde. A decisão do CFM nega a existência natural de pessoas trans ao dizer que a transexualidade só pode ser considerada a partir de determinada idade — como se pessoas trans fossem pokémons que saem de pokebolas e se transformam aos 18 anos de idade. Querem reforçar essa ideia de abstração, de não naturalidade.

No último Carnaval, a senhora desfilou na Paraíso do Tuiuti com uma faixa presidencial. Um dia será possível uma pessoa trans ocupar um cargo como esse no Brasil? A senhora tem essa ambição pessoalmente? Eu acho que um dia será possível, sim. Talvez demore para que isso aconteça, diante dessa toada. O fato de eu ser usada como bode expiatório para a construção de um pânico moral — e de um caos moral na sociedade — também está diretamente ligado aos avanços históricos e estruturais importantes que nós viemos construindo por aqui. Eu usei uma faixa presidencial, mas grande parte da minha comunidade me chama de presidente nas redes sociais, nas ruas, nos atos públicos dos quais eu participo. Isso soa como algo ameaçador à extrema-direita. Ainda que eles olhem com desprezo e deboche, como fazem muitas vezes, no fundo, nos seus íntimos, isso os amedronta. Essa é minha ambição pessoal? Não é. O Congresso Nacional é nefasto, é cruel, é perverso. O povo brasileiro precisa aprender a votar. Nós precisamos renovar a cara do Congresso Nacional para chegar nesse lugar. Mas é lindo ver uma comunidade que vive às margens da sociedade projetar um futuro no cargo mais alto do nosso país. Nós estamos preparando o Brasil — e o mundo — para nos verem em outros lugares, e a resposta dos covardes e dos canalhas à nossa existência é exatamente essa. Nos querem negar o nome, nos querem negar a saúde, mas não vão nos parar.



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