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Flip: Édouard Louis convoca público a inventar a vida – 12/10/2024 – Ilustrada

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Maurício Meireles

A vida pode ser inventada e reinventada. E as vítimas da dominação têm um caminho aberto para se libertar, uma possibilidade maior para elas do que para seus agressores.

Foram essas as duas mensagens do escritor francês Édouard Louis na Flip, na noite deste sábado (12), em uma das mesas que poderá ser lembrada como uma das melhores de todas as edições da festa literária.

Dono de um projeto estético-político consistente, Louis falou de uma literatura que convida seus leitores a uma transformação de si e do mundo —em vez de ficar aprisionada na desesperança.

Com isso, entregou uma fala plena de vontade de poder e contundência política. E ofereceu um manual de libertação para humilhados.

Ele estreou com o romance autobiográfico “O Fim de Eddy”, há uma década, e desde então vem escrevendo livro após livro sobre ter crescido na pobreza, ter vivido a violência em casa e fora dela —e também ter se tornado um fugitivo, escapando das origens através dos estudos e da ascensão social, inventando uma nova vida para si.

“Os que são menos livres são os que conseguem se libertar”, disse ele. “Fugimos porque não temos escolha. Minha mãe teve que se reinventar porque não tinha escolha. Assim, a ausência de liberdade se torna a possibilidade de emancipação.”

Ele se referia à infância numa família pobre no norte da França, com um pai violento, e os ataques homofóbicos que sofria, num contexto de forte dominação masculina.

“Algo que me interessa é o paradoxo da dominação. Todos que eram dominantes na minha infância, porque encarnaram a masculinidade, hoje estão destruídos. Meu pai tem 50 e já não pode andar. Meu irmão morreu.”

Ele e sua mãe, pelo contrário, foram capazes de encontrar a liberdade porque sabiam que eram dominados. Seu pai e irmão, por sua vez, acreditavam que a violência que cometiam era uma escolha.

“Um dia, minha mãe pensou: ‘Vou retomar do mundo o que me foi roubado’. Eu, como gay, nunca pensei que tivesse escolhido a minha vida.”

No seu processo de fuga dessas origens, Louis mudou a própria aparência, o jeito de falar, os gestos que faz, a forma de andar, numa imitação da elite da qual ele passou a fazer parte.

O autor falou que os ricos também estão imitando seus pais e outros ricos que conheceram desde criança.

“Não há pessoas autênticas e outras que imitam. Há pessoas que têm o direito de imitar e outras que não tem o direito de fazê-lo”, disse ele. “Eu imito energicamente e os convido a fazer a mesma coisa. Sejam imitadores.”

Ele foi aplaudido de forma entusiasmada depois dessa e de outras falas, numa tenda dos autores apinhada de pessoas, que assistia a tudo com a respiração presa. A identidade, acrescentou em outro momento, é uma fantasia.

A mediação do editor e jornalista Paulo Roberto Pires, calcada em uma leitura muito cuidadosa da obra de Louis, cumpriu a função de ajudar o autor a entregar grandes reflexões.

O escritor explicou, por exemplo, o que busca na exploração de linguagem de seus romances: uma literatura de confronto.

“No século 21, todo mundo conhece a realidade. O papel da literatura não é informar sobre alguma coisa. Ela tem o papel de forçar o público a ver o que não quer mais ver”, afirmou. “A literatura de confronto é formal e política. É preciso reinventar a forma para que as pessoas que não podem ver o mundo possam vê-lo.”

Ele se referia às reações que seus livros provocaram entre jornalistas e políticos franceses nesta década de carreira literária. “Quando eles me atacam, penso que é muito bom, porque eles foram forçados a esse confronto.”

Crítico de políticos que defendem cortes de benefícios sociais para famílias como a dele, Louis aponta nominalmente, em seus livros, políticos que ele acusa de promoverem a violência contra homens como seu pai.

E, embora defenda que há uma inocência essencial mesmo em meio à violência, não há como equiparar “dominados e dominadores”.

“Quando falei, em ‘Quem Matou Meu Pai’ sobre a violência de Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy e Emmanuel Macron, jornalistas me disseram que não dizer que eles são responsáveis”, disse ele, antes de emendar e ser aplaudido: “Chirac é responsável, Netanyahu é responsável, Biden é responsável. Mas meu pai não é responsável.”

Louis mostrou, assim, uma complexa visão de mundo —ao mesmo tempo em que é afiada e radical, pode ser generosa e compassiva.

Em um dos momentos mais tocantes do encontro, o mediador questionou Louis se o autor vê espaço para reconciliação com a família que cometeu violências contra ele —em um de seus livros, afinal, ele conta como ajudou a mãe a deixar o casamento.

A resposta foi que não.

O escritor lembrou das cenas da infância de quando um médico ia visitar sua família. Um homem com ensino superior e um jeito de se portar que atingia a todos em sua casa como uma humilhação.

“Os dentes dele eram lindos, e os nossos estavam estragados. Bastava o corpo dele para que sofrêssemos a violência”, disse. “Quando estou diante de minha mãe e meu pai, vejo que me tornei o corpo que me humilhava. Tornei-me o corpo da violência.”



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Ufac homenageia professores com confraternização e show de talentos — Universidade Federal do Acre

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Ufac homenageia professores com confraternização e show de talentos — Universidade Federal do Acre

A reitora da Ufac, Guida Aquino, e a pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, realizaram nessa quarta-feira, 15, no anfiteatro Garibaldi Brasil, uma atividade em alusão ao Dia dos Professores. O evento teve como objetivo homenagear os docentes da instituição, promovendo um momento de confraternização. A programação contou com o show de talentos “Quem Ensina Também Encanta”, que reuniu professores de diferentes centros acadêmicos em apresentações musicais e artísticas.

“Preparamos algo especial para este Dia dos Professores, parabenizo a todos, sou muito grata por todo o apoio e pela parceria de cada um”, disse Guida.

Ednaceli Damasceno parabenizou os professores dos campi da Ufac e suas unidades. “Este é um momento de reconhecimento e gratidão pelo trabalho e dedicação de cada um.”

O presidente da Fundação de Cultura Elias Mansour, Minoru Kinpara, reforçou o orgulho de pertencer à carreira docente. “Sinto muito orgulho de dizer que sou professor e que já passei por esta casa. Feliz Dia dos Professores.”

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 



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PZ e Semeia realizam evento sobre Dia do Educador Ambiental — Universidade Federal do Acre

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PZ e Semeia realizam evento sobre Dia do Educador Ambiental — Universidade Federal do Acre

O Parque Zoobotânico (PZ) da Ufac e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia) realizaram o evento Diálogos de Saberes Ambientais: Compartilhando Experiências, nessa quarta-feira, 15, no PZ, em alusão ao Dia do Educador Ambiental e para valorizar o papel desses profissionais na construção de uma sociedade mais consciente e comprometida com a sustentabilidade. A programação contou com participação de instituições convidadas.

Pela manhã houve abertura oficial e apresentação cultural do grupo musical Sementes Sonoras. Ocorreram exposições das ações desenvolvidas pelos organizadores, Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sínteses da Biodiversidade Amazônica (INCT SinBiAm) e SOS Amazônia, encerrando com uma discussão sobre ações conjuntas a serem realizadas em 2026.

À tarde, a programação contou com momentos de integração e bem-estar, incluindo sessão de alongamento, apresentação musical e atividade na trilha com contemplação da natureza. Como resultado das discussões, foi formada uma comissão organizadora para a realização do 2º Encontro de Educadores Ambientais do Estado do Acre, previsto para 2026.

Compuseram o dispositivo de honra na abertura o coordenador do PZ, Harley Araújo da Silva; a secretária municipal de Meio Ambiente de Rio Branco, Flaviane Agustini; a educadora ambiental Dilcélia Silva Araújo, representando a Sema; a pesquisadora Luane Fontenele, representando o INCT SinBiAm; o coordenador de Biodiversidade e Monitoramento Ambiental, Luiz Borges, representando a SOS Amazônia; e o analista ambiental Sebastião Santos da Silva, representando o Ibama.

 



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Curso de extensão da Ufac sobre software Jamovi inscreve até 26/10 — Universidade Federal do Acre

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Curso de extensão da Ufac sobre software Jamovi inscreve até 26/10 — Universidade Federal do Acre

O curso de extensão Jamovi na Prática: Análise de Dados, da Ufac, está com inscrições abertas até 26 de outubro. São oferecidas 30 vagas para as comunidades acadêmica e externa. O curso tem carga horária de 24 horas e será realizado de 20 de outubro a 14 de dezembro, na modalidade remota assíncrona, pela plataforma virtual da Ufac. É necessário ter 75% das atividades realizadas para obter o certificado.

O objetivo do curso é capacitar estudantes e profissionais no uso do software Jamovi para realização de análises estatísticas de forma intuitiva e eficiente. Com uma abordagem prática, o curso apresenta desde conceitos básicos de estatística descritiva até testes inferenciais, correlação, regressão e análise de variância.

Serão explorados recursos de importação e tratamento de dados, interpretação de resultados e elaboração de relatórios. Ao final, o participante estará apto a aplicar o Jamovi em pesquisas acadêmicas e profissionais, otimizando processos de análise e apresentação de dados com rigor científico e clareza.

 



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