POLÍTICA
O pêndulo de Bauman | VEJA

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6 meses atrásem
Arthur Pirino
O prefeito Sebastião Melo, de Porto Alegre, resolveu tocar na ferida da nossa época e defender a liberdade de expressão em seu discurso de posse. Se alguém quiser defender uma ditadura, de que lado for, deveria ter seu direito garantido. Não defendeu nenhuma ditadura. Sugeriu apenas que isso deveria ser um direito. Monarquistas poderiam defender o império; petistas, o chavismo ou o castrismo; trabalhistas, o regime Vargas; direitistas, o regime dos generais. Tudo como sempre aconteceu no Brasil, país onde, como um dia me comentou uma professora americana, “cada lado tem sua ditadura favorita”. Pois bem: o prefeito foi denunciado ao Ministério Público. Na visão dessas pessoas, seria um crime não apenas defender uma ditadura, mas simplesmente defender o direito mais amplo à liberdade de expressão. A coisa toda é bizarra, mas revela um traço cultural incrivelmente autoritário que se espalhou em nossa sociedade. O fenômeno não é restrito à política. Na Bahia, a cantora Claudia Leitte também será investigada por ter trocado o nome de uma divindade em uma música. “Voltamos ao século XVII”, me comentou um conhecido, quando viu aquilo. “Não”, retruquei, “voltamos a 1986, quando o Estado censurou Je Vous Salue, Marie, de Godard, por ofender valores da fé cristã”. Se a moda pegar, logo teremos o Estado revisando músicas, filmes e tirinhas de humor, e quem sabe até conversas de WhatsApp para ver se algum artigo de fé está sendo ofendido. Completo nonsense. Mas está aí. Para um tipo como eu, que acha que o mundo anda para a frente, não deixa de ser uma decepção.
Os exemplos são bizarros, mas servem para mostrar a maluquice autoritária que foi tomando conta do país. Boa parte da obsessão pela censura vem da esquerda, que está no poder e tem amplo controle dos meios de opinião. Mas também de uma parte não desprezível da “direita”, que ainda há pouco esteve à frente dos quartéis, pedindo intervenção militar. Como disse uma vez o mestre Sérgio Buarque, a democracia, no Brasil, sempre foi “um lamentável mal-entendido”. O contexto da frase era outro, mas a ideia se aplica à perfeição no Brasil atual. Fizemos uma boa transição para a democracia, nos anos 1980, mas nem de longe fixamos uma cultura liberal, fundada em direitos, na base da sociedade. Vem daí nosso drama com a liberdade de expressão. Ainda não aprendemos a diferença entre “defender uma ditadura e defender o direito a defender uma ditadura”. Isso e coisas bem mais complicadas, como apoiar o fim da imunidade parlamentar ou a onda de censura prévia que corre solta.
O Brasil pode estar se transformando em parque temático de velhas ideias. Na expressão de Niall Ferguson, assistimos, nos últimos tempos, a uma “mudança da vibe global”. Na geopolítica, surge um mundo sob a batuta de Trump, onde Justin Trudeau sai de cena e os conservadores estão prestes a voltar ao poder na Alemanha. No plano cultural, as pesquisas indicam o recuo da onda woke e a volta ao “modo dos fundadores” nas empresas, e não mais do mandonismo dos “comitês de diversidade”. Na última semana, tivemos mais um fato marcante da virada global: a fala de Mark Zuckerberg dizendo que é preciso “retornar às raízes da liberdade de expressão”. Musk vinha liderando essa posição no mundo das big techs, Jeff Bezos já havia enfrentado a tropa militante, vetando o apoio do Washington Post a Kamala Harris e fazendo uma dura defesa do jornalismo imparcial. E agora temos Zuckerberg. Seu ponto: a onda censória foi longe demais. Inclusive na América Latina, com tribunais secretos que podem “ordenar, de forma silenciosa, a remoção de conteúdos por empresas”. Alguém desconfia sobre o que ele está falando?
“De Sérgio Buarque: ‘A democracia no Brasil foi um mal-entendido’ ”
Zuckerberg diz que os checadores de fatos são tendenciosos e que sistemas complexos de controle cometem erros. Algo do tipo: em outubro de 2020, um ativista progressista na Califórnia, encastelado na área de moderação do Facebook, achou que estava protegendo a verdade e a democracia ao esconder as revelações comprometedoras do laptop de Hunter Biden, filho do presidente eleito. Só que não estava. Ele apenas protegia a mentira em nome de sua predileção ideológica. Precisamente o que Zuckerberg, gentil, chama de “erro”. Em nome das boas razões, terminamos na sarjeta de sempre: a censura, em regra, política. Isso cala fundo na tradição moderna. Foi o que o poeta John Milton escreveu ao Parlamento inglês, há 380 anos, em sua Areopagítica, pedindo o fim da censura a livros. Se todo sistema de controle de informação é falho, o segredo é escolher o menos imperfeito: um sistema descentralizado, sujeito a muitas vozes, que incorpore a visão plural da sociedade, como são as “notas da comunidade”. Isso, em vez da lógica centralizada das agências e departamentos.
Zuckerberg disse algo simples: a regulação digital deve focar temas como a proteção de crianças, o combate às drogas e ao terrorismo. E não a censura política ou cultural. Na “proteção” desta ou daquela posição ideológica, divindade ou visão sobre comportamento, sexualidade e valores. Isso pelo simples fato de que o mundo é diverso, ainda que incomode muita gente. O comunicado provocou uma espécie de surto na militância. Uma das pérolas que li dizia que Zuckerberg havia declarado “guerra contra o mundo”. Bingo. É perfeito ato falho psicanalítico. Por muito tempo, parece que essas pessoas realmente imaginaram que eram (ou representavam) “o mundo”. Agora descobrem o óbvio: elas não são. São pessoas de índole autoritária que se acostumaram a ocupar o centro do picadeiro. Se acostumaram com os jornais apoiando seus candidatos; com as redes censurando os adversários, com sua versão de mundo ensinada nos livros didáticos. Agora precisam dividir os brinquedos.
Muita gente debitou a fala de Zuckerberg à eleição de Trump. Faz sentido. Desconfio apenas que ele está menos de olho em Trump do que nas razões que o levaram ao poder. Razões que andam na cabeça das pessoas. Do cansaço dos governos que custam muito, funcionam mal e querem regular o modo de pensar das pessoas. Tudo me faz lembrar da visita que fiz a Zygmunt Bauman, coisa de uma década e tanto atrás, em sua casa de Leeds, na Inglaterra. Em algum momento, ele nos lembrou da dicotomia posta por Freud, em O Mal-Estar na Civilização, entre liberdade e segurança. Não havia equilíbrio perfeito entre os dois valores, disse ele, mas desconfiava que o pêndulo havia corrido demais na direção da liberdade. E que logo as pessoas clamariam pelo controle. Foi o que se viu na década seguinte. O apogeu da onda woke, a histeria em torno da regulação das redes e tudo o que sabemos. Muita gente sugere que esse tempo se esgotou. O pêndulo do velho professor Bauman estaria de novo se movendo. Desta feita, voltando à liberdade.
Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926
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CPMI do INSS deve causar estrago ainda maior ao go…

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2 meses atrásem
5 de maio de 2025
Marcela Rahal
Como se não bastasse a ideia de uma CPI na Câmara, ainda a depender do aval do presidente Hugo Motta (o que parece que não deve acontecer), o governo pode enfrentar uma investigação para apurar os desvios bilionários do INSS nas duas Casas.
Já são 211 assinaturas de parlamentares a favor da CPMI, 182 deputados e 29 senadores, o suficiente para o início dos trabalhos. A deputada Coronel Fernanda, autora do pedido na Câmara, vai protocolar o requerimento nesta terça-feira, 6. Caberá ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, convocar o plenário para a leitura da proposta e, consequentemente, a criação da Comissão.
Segundo a parlamentar, que convocou uma entrevista coletiva para amanhã às 14h30, agora o processo deve andar. O governo ficará muito mais exposto com um escândalo que tem tudo para ficar cada vez maior, segundo as investigações ainda em andamento.
O desgaste será inevitável. O apelo do caso é forte e de fácil entendimento para a população. O assalto bilionário aos aposentados e pensionistas do INSS.
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Com fortes dores, Antonio Rueda passará por cirurg…

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2 meses atrásem
5 de maio de 2025
Ludmilla de Lima
Presidente da Federação União Progressista, Antonio Rueda passará por uma cirurgia nesta segunda-feira, 05, devido a um cálculo renal. Por causa de fortes dores, o procedimento, que estava marcado para amanhã, terá que ser antecipado. Antes do anúncio da federação, na terça da semana passada, ele já havia sido operado por causa do problema, colocando um cateter.
Do União Brasil, Rueda divide a presidência da federação com Ciro Nogueira, do PP. Os dois partidos juntos agora têm a maior bancada do Congresso, com 109 deputados e 14 senadores. O PP defendia que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira ficasse no comando do bloco, mas o União insistia no nome de Rueda. A solução foi estabelecer um sistema de copresidentes, que funcionará ao menos até o fim deste ano.
A “superfederação” ultrapassa o PL na Câmara – o partido de Jair Bolsonaro tem 92 deputados – e se iguala ao PSD e ao PL no Senado. O poder do grupo, que seguirá unido nos próximos quatro anos, também é medido pelo fundo partidário, de R$ 954 milhões.
A intensificação das agendas políticas nos últimos dias agravou o quadro de saúde de Rueda, que precisou também cancelar uma viagem ao Rio.
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Os dois bolsonaristas unidos contra Moraes para pu…

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2 meses atrásem
5 de maio de 2025
Matheus Leitão
A mais nova dobradinha contra Alexandre de Moraes tem gerado frisson nas redes bolsonaristas, mas parece mesmo uma novela de mau gosto. Protagonizada por Eduardo Bolsonaro, o filho Zero Três licenciado da Câmara, e Paulo Figueiredo, neto do último general ditador do Brasil, os dois se uniram para tentar punir o ministro do Supremo Tribunal Federal nos EUA.
Em uma insistente tentativa de se portarem com alguma relevância perante o governo Donald Trump, os dois agora somam posts misteriosos de Eduardo com promessas vazias de Figueiredo após uma viagem por alguns dias a Washington.
Um aparece mostrando, por exemplo, a lateral da Casa Branca em um ângulo no qual parece, pelo menos nas redes sociais, a parte interna da residência oficial do presidente dos Estados Unidos. O outro promete que as sanções ao ministro do STF estão 70% construídas e pede mais “72 horas” aos seus seguidores.
“Aliás, hoje aqui de manhã, eu tive um [inaudível] com eles, no caso o Departamento de Estado especificamente, e o termo que usaram para mim foi: olha, nós não queremos criar excesso de expectativa, mas nós estamos muito otimistas que algo vai acontecer e a gente vai poder fazer num curto prazo”, disse Paulo Figueiredo.
A ideia dos dois é que, primeiro, Alexandre de Moraes, tenha seu visto cancelado e não possa mais entrar nos Estados Unidos. Depois, que ele tenha algumas sanções econômicas, caso tenha bens nos Estados Unidos, como o bloqueio financeiro a instituições do país, como empresas de cartão de crédito.
“O que eu posso dizer para você é que a gente nunca esteve tão perto. Eu não posso dizer quando e nem garantir que vão acontecer”, prometeu ainda Paulo Figueiredo. A novela ainda vai ganhar novos ares nesta semana com a chegada de David Gamble, coordenador para Sanções do governo de Trump, ao Brasil nesta semana.
A seguir as cenas dos próximos capítulos…
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