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Turbulência entre governo e militares mostra que o…

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Turbulência entre governo e militares mostra que o...

Marcela Mattos

Não há dúvida: a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, deram a Lula uma oportunidade de ouro para pacificar o país. Depois de vencer Jair Bolsonaro pela menor margem de votos desde a redemocratização e assumir o cargo acossado pela polarização, o presidente convenceu algumas das principais autoridades nacionais, inclusive integrantes da oposição, a deixarem as diferenças de lado e unirem forças para repudiar as agressões dos radicais e defender a democracia brasileira, que esteve ameaçada. Desde então, Lula usa o caso como trunfo, alegando ser um autêntico republicano, diferentemente de seu antecessor, chamado de golpista e entusiasta da ditadura. A estratégia faz sentido.

Segundo pesquisa Genial/Quaest, 86% dos entrevistados desaprovam o vandalismo ocorrido na Praça dos Três Poderes. É por isso que Lula faz questão de, sempre que pode, explorar politicamente o tema. Ele conta com a suposta ameaça ao estado democrático de direito para formar uma frente ampla, como fez na campanha eleitoral passada, a fim de impedir a volta de “fascistas” ao poder em 2026. Conta também com o episódio para, num momento de estabilidade em sua popularidade, tentar capitalizar agendas positivas e boa vontade.

ASTRO - Alexandre de Moraes: ministro do STF foi ovacionado pelos esquerdistas (Lula Marques/Agência Brasil)

Foi o que ocorreu na quarta-feira 8, na solenidade realizada no Palácio do Planalto para lembrar os dois anos da quebradeira promovida por extremistas bolsonaristas. Diante de uma plateia formada principalmente por aliados e subordinados, Lula, agora com uma nova equipe de comunicação, pegou carona no filme Ainda Estou Aqui — que rendeu um Globo de Ouro à atriz Fernanda Torres e parte do sumiço e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva pela repressão, em 1971 — para exaltar seu governo e as instituições e, na outra ponta, desgastar Bolsonaro, que, apesar de inelegível, continua como seu mais poderoso rival. “Hoje é dia de dizer, em alto e bom som, ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que estamos vivos, que a democracia está viva, ao contrário do que planejavam os golpistas de 8 janeiro de 2023”, disse o presidente ao iniciar a leitura de seu discurso. “Estamos aqui para dizer em alto e bom som ditadura nunca mais. Estamos aqui para lembrar que, se estamos aqui, é porque a democracia venceu”, acrescentou. A plateia aplaudiu com entusiasmo, mas Lula não conseguiu colher todos os dividendos que gostaria com a cerimônia.

VANDALISMO - Punições: quase 400 pessoas condenadas por atos golpistas
VANDALISMO - Punições: quase 400 pessoas condenadas por atos golpistas (Ton Molina/AFP)
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O plano do presidente era reunir no Planalto os chefes dos Três Poderes, governadores e a nata dos líderes partidários, de modo a dar uma demonstração de prestígio. Na última reunião ministerial do ano passado, Lula convocou os auxiliares de primeiro escalão para a solenidade. Muitos já estavam com férias agendadas, mas suspenderam o descanso, mesmo que por um dia, após a intimação do chefe. Também foram chamados os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-­AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de seus prováveis sucessores, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Alegando compromissos pessoais e viagens ao exterior, nenhum deles compareceu. Pacheco enviou o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), para representar a Casa. Já a responsabilidade pela Câmara ficou com a segunda-secretária, a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Líderes do Centrão e dirigentes de legendas que compõem a base governista, com as quais Lula espera contar na próxima corrida presidencial, também não estiveram presentes, assim como a ampla maioria dos governadores. O pretendido sinal de força deu lugar a um retrato de certo isolamento, compreensível diante das implicações políticas do caso.

Favoritos para comandar a Câmara e o Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre foram cobrados por oposicionistas durante as negociações de suas respectivas campanhas sobre a possibilidade de colocarem em votação um projeto que prevê a anistia aos condenados por atos golpistas. Quase 400 pessoas, entre mais de 2 000 investigadas, já foram condenadas a penas que variam de prestação de serviços à comunidade a dezessete anos de prisão. Além disso, cerca de 500 pessoas assumiram a prática de crimes de menor gravidade e firmaram um acordo com o Ministério Público Federal. O projeto de anistia, no entanto, tem como horizonte o futuro, e não o presente, e seu maior beneficiário pode ser o próprio Bolsonaro, caso ele seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. Até agora, são mantidos em segredo os acordos que Motta e Alcolumbre fecharam para ascenderem à cúpula do Congresso. Enquanto não são eleitos, em votação marcada para fevereiro, os dois preferem não se manifestar publicamente sobre a anistia. Querem evitar problemas, como fez Arthur Lira, o parlamentar mais poderoso do Brasil, ao dizer no ano passado que resolveria a questão ainda em sua gestão, mas depois mudou de planos.

SOBREVIVENTE - Múcio, da Defesa: ministro já disse querer deixar o governo
SOBREVIVENTE - Múcio, da Defesa: ministro já disse querer deixar o governo (Charles Sholl/Brazil Photo Press/AFP)
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Salvo raras exceções, a classe política condena os ataques do 8 de Janeiro. Há divergências, no entanto, sobre o que ocorreu: se houve apenas vandalismo, como dizem os bolsonaristas, ou foi um atentado contra a democracia, como alegam os petistas. Há divergências também sobre as penas impostas pelo STF — se são corretas ou exageradas. Expoentes da esquerda e da direita concordam que uma eventual anistia dependerá da popularidade do governo Lula. Se o mandatário estiver forte, o projeto não deve avançar. Em seu discurso no Planalto, diante de um painel no qual estava escrito “Democracia Fortalecida”, o presidente defendeu punição exemplar aos golpistas. Ouviu-se também o coro “Sem anistia”. O fato é que o assunto continuará a dominar a pauta do Legislativo e caminhará lado a lado com a expectativa de apresentação de denúncia ao STF, pela Procuradoria-Geral da República, contra Bolsonaro, o general Braga Netto e outros trinta militares e civis investigados por suposta tentativa de golpe para manter o ex-presidente no poder. No fim do ano passado, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro e companhia por uma série de crimes. No Supremo, o inquérito tem como relator o ministro Alexandre de Moraes, que compareceu à solenidade no Planalto e foi ovacionado pelos presentes.

Enquanto essas questões não forem resolvidas no Legislativo e no Judiciário, o 8 de Janeiro continuará a ecoar em Brasília. E enquanto o presidente explorar politicamente o tema, como fez na última quarta-feira, ele terá dificuldade para cicatrizar a relação com as Forças Armadas. Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram ao palácio e se sentaram em uma das últimas fileiras reservadas aos convidados. A VEJA, o general Tomás Paiva disse que a solenidade transcorreu dentro da normalidade e lembrou que os comandantes também compareceram ao ato de 2024. Apesar do aparente clima de tranquilidade, a véspera da solenidade foi marcada por momentos de tensão. Representantes das cúpulas militares reclamaram de ter de participar, mais uma vez, de um ato com forte componente político, pensado para servir de palanque para Lula e organizado pela primeira-dama Rosângela da Silva, que até hoje não aceita ter sua segurança direta feita por militares. Eles também consideraram a iniciativa inoportuna por ser capaz de desfazer o duro trabalho de aproximação entre a caserna e o governo petista, cuja relação nunca teve a confiança como marca principal.

RESTAURAÇÃO - Di Cavalcanti: tela do pintor brasileiro foi apresentada como símbolo de resistência republicana
RESTAURAÇÃO - Di Cavalcanti: tela do pintor brasileiro foi apresentada como símbolo de resistência republicana (Andre Borges/EFE)
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Em meio às investigações que apuram o envolvimento de militares da ativa e da reserva no planejamento dos inaceitáveis ataques com o objetivo de anular a vitória de Lula, havia o temor de que os chefes das Forças fossem submetidos a constrangimentos e vaiados pela militância. Logo no início da cerimônia, houve um grito isolado de “Fora, militares golpistas”, mas a bordoada civil não ganhou adesão. O presidente, que sabia do mal-­estar, intercalou um afago e uma cutucada em seu discurso. Logo na abertura, ele agradeceu ao ministro da Defesa, José Múcio, que já manifestou ao chefe a vontade de deixar o governo, por ter levado os comandantes, os quais mostrariam que é possível ter as Forças Armadas “com o propósito de defender a nossa soberania nacional”. Mais à frente, porém, Lula fez questão de mencionar o planejamento feito por “um bando de aloprados” — todos militares, segundo as investigações em curso no STF — para assassinar o presidente, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, em postura cômica, não fosse trágica e criminosa.

RECUPERAÇÃO - O relógio do século XVII: refeito depois da destruição
RECUPERAÇÃO - O relógio do século XVII: refeito depois da destruição (Evaristo Sa/AFP)

No roteiro pensado pela primeira-dama Janja, Lula, ministros e integrantes de movimentos sociais dariam um abraço simbólico na Praça dos Três Poderes como forma de abraçar a própria democracia. Em razão da chuva e da escassez de público, o retrato não saiu como o esperado. Antes da solenidade oficial, o Planalto aproveitou para apresentar obras de artes e outros objetos que foram restaurados após serem vandalizados. Entre eles, a tela As Mulatas, de Di Cavalcanti, rasgada em sete pontos pelos radicais, e um relógio do século XVII. Foi uma forma singela — e simbolicamente poderosa — de dizer que a democracia resistiu e venceu. Ela continua de pé, mas só estará livre de ameaças quando toda a intentona golpista for passada a limpo e seus líderes devidamente punidos, permitindo que a ferida seja, de uma vez por todas, cicatrizada.



Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926



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Lula dá a Sidônio Palmeira um poder que só um sele…

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Lula dá a Sidônio Palmeira um poder que só um sele...

Daniel Pereira

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) não está na lista dos ministérios mais importantes, apesar de seu titular se reunir com frequência com o presidente da República e ter gabinete no Palácio do Planalto. Nos dois primeiros anos do atual governo, a pasta se restringiu basicamente a uma atuação institucional e se transformou num dos alvos preferenciais das reclamações dos governistas, inclusive de Lula.

Ao substituir o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, o presidente não fez apenas uma tentativa de profissionalizar a comunicação, passando o seu comando para alguém que entende do riscado. Na hierarquia do poder, ele também mudou o status do chefe da Secom, já que Sidônio assume como um ministro de primeira linha, ombreando em prestígio com Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda).

Carta branca do chefe

Os sinais de poder de Sidônio ficaram evidentes na primeira reunião ministerial do ano, na qual ele foi a grande estrela e, com o aval de Lula, passou uma série de diretrizes para os colegas de governo. O marqueteiro também já recebeu carta branca para cobrar providências de outros ministros — seja para divulgar ações que possam render popularidade, seja para evitar crises de imagem. Ele já está fazendo isso, por exemplo, na Saúde.

A atuação de Sidônio, que trabalhou nas duas últimas campanhas presidenciais do PT, extrapolará a comunicação. Ele terá assento garantido em reuniões que tratarão de projetos e programas prioritários. Por determinação de Lula, o ministro participou da reunião que definiu os vetos no projeto que regulamentou a reforma tributária.

Antes, mesmo sem ter assumido o cargo, também foi consultado sobre o pacote de corte de gastos anunciado no fim do ano passado. Na ocasião, defendeu a posição, que saiu vitoriosa, de que o governo deveria divulgar — juntos com as tímidas medidas de contenção de despesas — a proposta de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 000 reais, iniciativa que repercutiu muito mal no mercado.

Segundo um ministro, o poder dado por Lula a Sidônio tem uma explicação: o presidente só pensa na reeleição e será candidato: “Com o marqueteiro no Planalto, Lula ativou o modo campanha”. Em seu segundo mandato, o petista também nomeou para a Secom um quadro com bastante prestígio político: o jornalista Franklin Martins, que, além das missões específicas no setor, era um dos principais conselheiros políticos do presidente.



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O temor do governo Lula com a ascensão da dupla Tr…

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O temor do governo Lula com a ascensão da dupla Tr...

Laryssa Borges

Donald Trump mal tinha conquistado o voto de 277 delegados eleitorais – sete a mais do que o necessário nas eleições indiretas nos Estados Unidos – no início de novembro quando o governo brasileiro começou a fazer as contas. Com o retorno do republicano à Casa Branca e a ascensão do excêntrico Elon Musk como conselheiro presidencial, auxiliares do presidente Lula concluíram que, a partir de 2025, a dupla usaria todas as ferramentas disponíveis em redes sociais para propagar discursos que, replicados por influencers e parlamentares alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, poderiam atingir o governo federal e amplificar ataques e ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Mesmo barrados em cerimônias que compuseram a posse de Trump na segunda-feira, 20, apoiadores de Bolsonaro – de parlamentares do PL ao deputado Eduardo Bolsonaro – sempre trataram a vitória trumpista como tábua de salvação e ferramenta para que ganhassem fôlego pautas caras a eles, como a aprovação de uma anistia política no Congresso, a divulgação falsa de que o país vive sob o jugo de uma ditadura do Judiciário e a eventual revogação de vistos de entrada de ministros do STF aos Estados Unidos. Ladeado pelos principais representantes das big techs na posse, o presidente americano disse a que veio e, em um de seus primeiros atos, desobrigou plataformas de retirar postagens do ar a pedido do governo.

Dada a imprevisibilidade de Trump, setores do Executivo trabalham com diferentes cenários sobre uma potencial enxurrada de posts que, sob uma pretensa liberdade de expressão ilimitada, ataquem o governo brasileiro e o STF. VEJA colheu de ministros e integrantes do primeiro escalão as seguintes avaliações:

  • a partir de uma postagem de Trump ou de Musk, usuários com alta capilaridade nas redes replicariam, por exemplo, ataques ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que no ano passado suspendeu o X no Brasil após a plataforma se recusar a cumprir ordens judiciais.
  • mais do que simples impulsionamento de conteúdo, o governo acredita que o estouro do vídeo do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira sobre o monitoramento de movimentações financeiras via pix no Instagram, plataforma de Mark Zuckerberg, pode ter sido o primeiro exemplo de uma suposta interferência das redes na pauta doméstica brasileira.
  • na reunião ministerial do dia 20, o novo ministro da Secretaria de Comunicação Sidônio Palmeira disse que não só o Brasil é alvo potencial do que chamou de “coesão” entre Donald Trump e as big techs e afirmou que acredita que a regulação das redes, hoje sob julgamento no STF, é a principal ferramenta de defesa contra posts que espalhem fake news ou violência.





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Ministro interrompeu férias só para participar da…

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Ministro interrompeu férias só para participar da...

Gustavo Maia

Um dos dois ministros do União Brasil no governo Lula, Juscelino Filho (Comunicações) tinha avisado ao presidente que não poderia ir à reunião ministerial da segunda-feira passada, em Brasília, porque estaria em uma viagem de férias com a família, programada com bastante antecedência.

Ele, aliás, já havia interrompido seu período de descanso no último dia 10 para participar de outra reunião com Lula, sobre a decisão da Meta de acabar com as equipes de moderação de conteúdo.

Em meio à expectativa por trocas no primeiro escalão, o ministro recebeu o recado de até estava com crédito, mas que o chefe fazia questão da presença de todos os 38 auxiliares. Achou melhor deixar a família temporariamente para ir a Brasília, retornando em seguida para curtir o resto das férias, até o fim do mês.





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