POLÍTICA
Sem consenso, parlamentares reabrem debate sobre f…
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1 ano atrásem
Ricardo Chapola
Ao desvendar o maior esquema de corrupção da história do país, a Operação Lava-Jato revelou em detalhes a relação de promiscuidade entre políticos e alguns grupos empresariais, caracterizada por corrupção, desvio de recursos públicos e fraudes em licitações. A lógica era simples: em troca de um contrato superfaturado com o governo ou da aprovação de uma medida no Congresso, empreiteiros faziam doações eleitorais a partidos e candidatos, tanto de forma oficial como por fora, o chamado caixa dois. A prática envolveu legendas da esquerda à direita, movimentou bilhões de reais e resultou na prisão de algumas das pessoas mais poderosas da República. Foi tamanho o escândalo que o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu, em 2015, proibir o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, alegando que o poder econômico privado desequilibrava as disputas nas urnas a seu favor. Para os ministros, era preciso romper esse ciclo, até para evitar a reedição de casos como o petrolão. A decisão pareceu um divisor de águas, capaz de coibir — ou pelo menos inibir — os crimes e as distorções que a motivaram. Não deu certo.
Acostumada com eleições caras, que muitas vezes serviam para o enriquecimento pessoal do próprio candidato, a classe política reagiu ao Supremo aprovando, em 2017, o financiamento público de campanha. Com o veto ao repasse de dinheiro por parte das empresas, a fatura foi jogada no colo do contribuinte, acompanhada da promessa de que a conta não seria tão salgada. Em 2018, o fundo eleitoral público foi de 1,7 bilhão de reais. Em 2024, de 5 bilhões de reais. Como cabe a deputados e senadores definirem o valor a cada eleição, o céu é o limite. Não bastasse a sangria crescente no Orçamento da União, problemas de outrora, como a prática de caixa dois, continuaram no novo sistema. Antes do primeiro turno da corrida municipal deste ano, a Polícia Federal apreendeu 20 milhões de reais em dinheiro vivo que seriam usados para compra de votos, o que levou algumas autoridades a conversar sobre a necessidade de revisar novamente o modelo de financiamento de campanhas. É um debate necessário, apesar dos indícios de que, independentemente da regra adotada, não faltará gente disposta a burlá-la.

Líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que defendeu o financiamento público quando de sua aprovação, agora quer rediscutir a questão. Ele alega que o modelo atual não criou as esperadas condições de igualdade entre os candidatos porque as direções partidárias, ao distribuir os recursos, passaram a privilegiar determinados quadros, provocando desequilíbrios até dentro das próprias siglas. Distorções importantes captadas pela Lava-Jato também continuaram a ocorrer. “A adoção do financiamento público trouxe outros vícios, processos corruptivos, mais casos de caixa dois. Não melhorou em nada nosso sistema”, declara Rodrigues. A fatia de cada sigla no bolo do fundo público eleitoral depende do tamanho de sua bancada de deputados federais. Maior agremiação da Câmara, o PL de Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro ficou com 886 milhões de reais este ano. Em segundo lugar, o PT embolsou 620 milhões de reais, dos quais 30 milhões de reais foram repassados no primeiro turno para a campanha do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura de São Paulo, a mais cara do Brasil até o momento.
Historicamente, o PT defende o financiamento público. A presidente da legenda, deputada Gleisi Hoffmann, reiterou essa posição ao reagir à retomada do debate sobre o tema. “Trazer de volta as doações de empresas para campanhas eleitorais seria um grave retrocesso. Caixa dois e compra de votos são crimes que devem ser enfrentados e punidos com rigor. Simples assim. O financiamento público é um avanço democrático contra a influência do poder econômico na política”, escreveu Gleisi numa rede social. Os petistas saíram derrotados no primeiro turno da eleição municipal, que tem peso importante na corrida para a Câmara daqui a dois anos, já que prefeitos e vereadores são considerados os mais importantes cabos eleitorais na disputa por uma vaga de deputado federal. Há o risco, portanto, de a bancada federal petista diminuir após o pleito de 2026, o que resultaria num naco menor do fundo público de financiamento de campanha. O petista Randolfe Rodrigues garante que essa situação não tem relação com a retomada do tema.

O senador defende um modelo híbrido, com repasses públicos e privados, que poderia resultar numa economia de até 80% para os cofres públicos. Em breve, ele pretende submeter a proposta ao PT e à base governista. “Acho que deveríamos adotar o sistema híbrido, que não pesa para o Orçamento e permite, dentro de regras bem estabelecidas, o financiamento particular de uma candidatura”, afirma o deputado federal Jonas Donizette, vice-líder do PSB na Câmara. Se levada adiante, essa proposta enfrentará resistência. Relator do Orçamento da União de 2022, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), figura de proa do Centrão, diz que o financiamento público deve ser mantido porque proporciona mais autonomia e independência aos candidatos ao não criar vínculos entre eles e instituições privadas. O argumento não leva em consideração, obviamente, laços cultivados à margem da lei, os mesmos que financiam compra de votos com dinheiro vivo. “O senador Randolfe se mostra arrependido porque o espetáculo dado em 2024 foi ruim. O fim de casos de caixa dois passa por elementos não materiais, pela mudança da mentalidade do político”, afirma Marco Aurélio Nogueira, professor de ciência política da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Cada sistema de financiamento tem pontos positivos e negativos. O problema não está no princípio de cada um deles, mas nas distorções durante a sua execução. No financiamento privado, há uma aproximação de setores da sociedade civil, inclusive da área econômica, com partidos e políticos, o que facilita o acompanhamento e a fiscalização de certos lobbies no Executivo e no Legislativo. Em tese, o caixa dois também se torna desnecessário. O risco é de a relação entre as partes descambar, como ocorreu num passado recente, para a compra de favores, muitos dos quais contrários ao interesse público. Em delação premiada, executivos da Odebrecht declararam que repassavam dinheiro para deputados e senadores para que eles votassem em regras favoráveis à empreiteira. Os valores eram muito superiores aos declarados à Justiça Eleitoral. Já o financiamento público, também em tese, afastaria o dinheiro sujo das campanhas, inibiria a ação de corruptores e reduziria a influência do poder econômico privado nas urnas, mas isso também não ocorreu, já que o caixa dois ainda impera.

O debate é pertinente e não pode ignorar o fato de que, por melhor que seja a norma adotada, o apetite por recursos públicos ou privados tende a motivar irregularidades. A questão é reduzir desequilíbrios no processo eleitoral e o custo para o eleitorado. “Todos os modelos têm vantagens e desvantagens, mas acredito que o modelo público possui uma desvantagem imensa, porque o dinheiro poderia ser empregado em coisas mais úteis. Hoje, o dinheiro é distribuído ao bel-prazer dos caciques partidários. O Congresso encontrou uma solução simples, mas simplória”, diz Carlos Velloso, ex-presidente do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Eram recursos que tinham que ser revertidos em habitação, ou ao amparo de moradores de rua passando fome. No modelo privado, existem desvantagens, mas que são controladas. Basta apertar na fiscalização”, acrescenta. Fiscalização é mesmo uma palavra-chave. Sem ela, distorções como o uso de recursos não contabilizados e de candidaturas laranjas para desviar verbas continuarão como tradições nacionais — não importa o modelo, se público, privado ou híbrido.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915
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A articulação para mudar quem define o teto de jur…
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7 meses atrásem
5 de maio de 2025Nicholas Shores
O Ministério da Fazenda e os principais bancos do país trabalham em uma articulação para transferir a definição do teto de juros das linhas de consignado para o Conselho Monetário Nacional (CMN).
A ideia é que o poder de decisão sobre o custo desse tipo de crédito fique com um órgão vocacionado para a análise da conjuntura econômica.
Compõem o CMN os titulares dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e da presidência do Banco Central – que, atualmente, são Fernando Haddad, Simone Tebet e Gabriel Galípolo.
A oportunidade enxergada pelos defensores da mudança é a MP 1.292 de 2025, do chamado consignado CLT. O Congresso deve instalar a comissão mista que vai analisar a proposta na próxima quarta-feira.
Uma possibilidade seria aprovar uma emenda ao texto para transferir a função ao CMN.
Hoje, o poder de definir o teto de juros das diferentes linhas de empréstimo consignado está espalhado por alguns ministérios.
Cabe ao Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), presidido pelo ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, fixar o juro máximo cobrado no consignado para pensionistas e aposentados do INSS.
A ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, é quem decide o teto para os empréstimos consignados contraídos por servidores públicos federais.
Na modalidade do consignado para beneficiários do BPC-Loas, a decisão cabe ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias.
Já no consignado de adiantamento do saque-aniversário do FGTS, é o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que tem a palavra final sobre o juro máximo.
Atualmente, o teto de juros no consignado para aposentados do INSS é de 1,85% ao mês. No consignado de servidores públicos federais, o limite está fixado em 1,80% ao mês.
Segundo os defensores da transferência da decisão para o CMN, o teto “achatado” de juros faz com que, a partir de uma modelagem de risco de crédito, os bancos priorizem conceder empréstimos nessas linhas para quem ganha mais e tem menos idade – restringindo o acesso a crédito para uma parcela considerável do público-alvo desses consignados.
Ainda de acordo com essa lógica, com os contratos de juros futuros de dois anos beirando os 15% e a regra do Banco Central que proíbe que qualquer empréstimo consignado tenha rentabilidade negativa, a tendência é que o universo de tomadores elegíveis para os quais os bancos estejam dispostos a emprestar fique cada vez menor.
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