Uma nova pesquisa dá força à hipótese de que existem duas fases distintas da doença de Alzheimer. A primeira, silenciosa e quase completamente assintomática, é marcada pela ocorrência de danos em células mais vulneráveis e tem início anos antes da segunda, caracterizada pelo surgimento dos sintomas, na qual os danos são mais generalizados e comprometedores.
Segundo os especialistas, esse comportamento da doença representa um dos principais desafios no tratamento dos pacientes. Como os sintomas começam a se manifestar apenas no momento em que a doença já está instalada, quando é diagnosticado o Alzheimer já causou o comprometimento de boa parte do cérebro.
Para Manuella Toledo Matias, geriatra da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), as evidências mostram que a demência pode se instalar até 20 anos antes dos primeiros sintomas, e nesse período é improvável que o paciente manifeste sintomas perceptíveis para a família ou os médicos.
Para chegar nos resultados do novo estudo, os cientistas analisaram dados genéticos de 84 pacientes utilizando técnicas de neuropatologia quantitativa. Os resultados mostraram um aumento progressivo dos danos causados pela doença, sobretudo em termos de morte celular, inflamação e acúmulo de proteínas na forma de placas. Em particular, os pesquisadores deram atenção a uma parte do cérebro ligada à linguagem, memória e visão, chamada giro temporal médio.
Analisando o conjunto de dados clínicos, os especialistas conseguiram definir duas fases características para a doença. Na primeira ocorre o acúmulo lento de placas de proteínas tau e beta-amiloide, ativação do sistema imunológico do cérebro e morte celular, em particular de neurônios inibitórios, responsáveis por enviar sinais calmantes para outras células.
O resultado surpreendeu os pesquisadores. Tradicionalmente, sabe-se que o Alzheimer tem um efeito danoso aos neurônios excitatórios, que enviam sinais ativadores. Os autores do estudo levantam a hipótese de que a perda dos inibitórios pode desencadear a progressão da doença. O estudo foi publicado na revista científica Nature Neuroscience.
Matias explica que a doença tem um circuito lógico, iniciando no hipocampo, região do cérebro responsável pela retenção de memória recente, e se espalhando. Primeiro, atinge a zona temporal-mesial, relacionada com nossa percepção de localização, e depois a parte frontal, afetando o comportamento. No último estágio, a doença toma todo o cérebro, desencadeando a perda generalizada de cognição.
Nos últimos anos, o acúmulo de proteínas tau e beta-amiloide estiveram em destaque entre o meio médico e especializado, especialmente com o surgimento de drogas capazes de remover esses corpos estranhos do cérebro. Conhecidas como antiamiloides, os fármacos Aducanumab e Lecanemab são aprovados desde 2021 pela agência americana de vigilância sanitária, FDA, para o tratamento do Alzheimer.
Embora esses medicamentos não sejam capazes de reverter os danos já causados pelo acúmulo dessas proteínas, eles possibilitaram uma desaceleração do progresso da doença. Em particular, os resultados foram mais proeminentes em pacientes ainda nas primeiras fases, o que aumenta a busca por diagnósticos precoces.
O último medicamento da classe dos antiamiloides aprovados pela FDA foi o donanemab, ainda neste ano. Os resultados dos estudos clínicos da droga foram publicados no ano passado na revista Journal of American Medical Association e mostram uma redução significativa da progressão da doença dentro de 76 semanas. O estudo incluiu 1.700 pacientes diagnosticados precocemente.
Segundo Kátia Omura, professora e pesquisadora da UFPA (Universidade Federal do Pará), após surgirem os sintomas, a evolução do Alzheimer passa por três etapas distintas. Essa é a abordagem adotada pela Associação Internacional do Alzheimer. A primeira destas é a fase de sintomas leves, marcada por perdas da função cognitiva que começam a interferir na realização das atividades diárias.
Depois, o paciente pode mostrar dificuldades na realização de tarefas essenciais, como tomar banho ou se alimentar, passando a necessitar de supervisão. Na etapa final da doença, a pessoa apresenta alto grau de comprometimento e dependência.
Uma forma de garantir um diagnóstico precoce é mantendo um acompanhamento médico regular. Um estudo publicado neste ano na revista científica Journal of American Medical Association, feito entre mais de meio milhão de beneficiários de planos de saúde americanos, constatou que ao menos uma visita anual ao profissional de saúde pode aumentar em 21% as chances de identificar antecipadamente alguma demência, e em 4% dos casos de Alzheimer e doenças relacionadas.
A pesquisa, feita nos Estados Unidos, também mostra o perfil de quem busca ter um acompanhamento clínico regular. São, sobretudo, mulheres brancas com maior nível de instrução, que moram em regiões metropolitanas e com comorbidades.
O tratamento farmacológico do Alzheimer deve ser aplicado desde o primeiro momento. Já no final da doença, inclusive, ele perde o sentido, segundo Omura. Em pacientes avançados é comum que os médicos retirem a medicação e busquem tratar com prioridade os sintomas colaterais para garantir qualidade de vida para o paciente.
O tratamento não farmacológico também é essencial. Psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos são fundamentais para prevenir o avanço da doença.
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