Nas poucas participações ao lado de seu candidato na capital paulista, Lula (PT) repetiu um apelo para que seus eleitores de 2022 votassem em Guilherme Boulos (PSOL). O fato de uma parcela desse grupo ter preferido Ricardo Nunes (MDB) guia a formação de tendências para o próximo ciclo da política nacional.
Nunes catapultou sua votação graças à conquista do eleitorado de Pablo Marçal (PRTB), é verdade. Mas era uma migração esperada, visto que o influenciador abusou do jogo sujo no primeiro turno com o objetivo de obter credenciais antiesquerdistas. No segundo turno, a rejeição a Boulos falou mais alto.
Se a divisão entre esquerda e direita era previsível, uma parte importante da vitória de Nunes precisa ser atribuída a uma fatia dos paulistanos que estavam com Lula há apenas dois anos. A última pesquisa do Datafolha antes do segundo turno apontou que 25% deles pretendiam dar um voto ao atual prefeito.
É o equivalente a 919 mil votos. Derrotado por pouco mais de 1 milhão de votos, Boulos teria virado o jogo sobre Nunes se tivesse sido capaz de tirar do prefeito o apoio de pouco mais da metade desses paulistanos.
O comportamento desses eleitores reflete as apostas personificadas em Nunes e Boulos. Antecipa também uma revisão de estratégias na política nacional –da escolha de candidatos à atualização de discursos, passando pela formação de alianças e pela participação de padrinhos políticos.
A direita sai das disputas municipais com o desafio de colar os tais caquinhos da fratura de seu campo político. Precisará escolher um caminho entre personagens radicais, que agitam sua base de eleitores, e aqueles com um figurino costurado sob a medida da moderação, para ampliar seu eleitorado.
Após a derrota na campanha presidencial de 2022, operadores da direita exibiram hesitação na busca por um bolsonarismo que não despertasse um antibolsonarismo majoritário. Em São Paulo, a vacilação quase derrubou a candidatura de Nunes, mas o prefeito acabou beneficiado pela indefinição.
Nunes aceitou um candidato a vice indicado por Bolsonaro e recorreu a um vergonhoso discurso antivacina. Conseguiu, porém, manter sua imagem relativamente descolada, a despeito das investidas de Boulos, e obteve apoio na faixa de eleitores que votaram em Lula em 2022 para derrotar o ex-presidente.
É possível cair na inevitável tentação de creditar a vitória de Nunes ao apoio de Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas alguma parcimônia é recomendada. O papel do governador paulista foi muito importante para conter a fuga de bolsonaristas no primeiro turno, e menos relevante no embate direto com Boulos.
Nesse sentido, aparecem os questionamentos sobre o futuro do racha na direita. Jair Bolsonaro (PL) decidiu disputar espaço com os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Júnior (PSD), sem contar o embaraço paulistano de seu flerte com Marçal.
O ex-presidente perdeu muito mais do que ganhou. Sua capacidade de escolher candidatos e definir a retórica usada na briga por votos sai abalada. Ainda que uma boa parte do eleitorado se anime com campanhas mais radicais, haverá uma disputa interna, coalhada de rancores, pela definição desses rumos.
A interpretação dos resultados deste segundo turno a partir de São Paulo também prolonga um dilema vivido há anos pela esquerda. A adesão de eleitores lulistas a Nunes é só o elemento mais atualizado das dificuldades enfrentadas nesse campo.
A esquerda sempre soube que aquela parcela de paulistanos, numerosa o suficiente para definir eleições, não era um eleitorado cativo de Lula ou do PT. Em 2022, o grupo havia se movido em direção aos petistas ao embarcar na ideia de uma frente ampla para tirar Bolsonaro do poder.
Sem a ameaça do ex-presidente na urna, esse sentimento se dissipa, em larga medida. Um herdeiro com uma alta voltagem de orgulho bolsonarista pode ressuscitar essa rejeição, como ocorreu em capitais como Curitiba e Belém. Com outros nomes na disputa, o efeito é mais incerto.
Também entram em cena as escolhas feitas pela esquerda na formação de novos quadros e na elaboração de uma mensagem atualizada para o eleitor.
Boulos, a começar por sua definição como candidato, produziu resultados abaixo das expectativas nos dois quesitos. A formação no movimento social amarrou o deputado a um passado visto como radical por muitos eleitores, o que dificultou sua caminhada em direção a um perfil mais moderado, numa campanha relativamente curta. Não conseguiu varrer os votos de Lula e não conseguiu melhorar o próprio desempenho em relação a 2020.
Esse problema ainda provocou um curto-circuito com o esforço de Boulos e da esquerda para retomar laços com eleitores das periferias urbanas. No segundo turno, a candidatura do deputado só ganhou algum fôlego nesses segmentos depois que ele adotou métodos e retórica mais enérgicos.
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