Donald Trump selou volta à Presidência e acumulou recursos suficientes para retomar vanguarda na onda global de autocratização. A exploração do medo e do ressentimento, a promessa de soluções rápidas para problemas existenciais, somados à dose de erros do partido democrata, explicam bem a vitória eleitoral.
Mas há capítulo preliminar na história: as falhas institucionais que lhe permitiram disputar a eleição. O país tem sistema eleitoral arcaico, com déficits extraordinários não só para promover eleições livres e justas, mas para responsabilizar a delinquência eleitoral.
E mesmo as modestas instituições existentes foram lenientes: o Senado, em dois julgamentos de impeachment; a Suprema Corte, ao entender que ex-presidente tem imunidade contra acusações criminais. Um condenado criminal, líder da tentativa de golpe em 6 de janeiro de 2021, participou do processo e venceu.
Democracias submetem políticos não só ao julgamento do eleitor, mas ao julgamento da lei. Quando comentaristas atribuem ao primeiro supremacia sobre o segundo, como se a eleição fosse o primeiro e único medidor da regularidade democrática, independentemente do julgamento da justiça, contribuem para confusão conceitual não inocente nem inofensiva.
O êxito de Trump terá repercussões de muitos tipos na política brasileira. Uma delas está em curso: o projeto de ressuscitação eleitoral de Jair Bolsonaro por meio da anistia à sua inelegibilidade e a não condenação pelos outros crimes de que é acusado.
No papel, temos instituições versáteis contra interferência, um modelo mais capaz de realizar eleições livres e controlar o ilícito. Na prática institucional, esse modelo está sujeito a sucumbir se não for conduzido por procuradores e juízes corajosos e responsáveis.
Processos de autocratização, ou a gradual transição de regime democrático para autocrático, adotam relação estratégica com o tempo. Sem precipitação golpista, sem intentona, sem tanque na rua, mas passo a passo, abusando de eleições, reeleições e práticas ilegais para erodir a institucionalidade. Tudo na sua devida hora para que o produto final, o fim da democracia, seja maior que a soma das partes.
Detectar o processo e combater a prática do ilícito depende, acima de tudo, de sistema de Justiça não só disposto à grandeza da tarefa, mas à sua urgência. Que aja antes de ser tarde demais.
A PGR impediu Bolsonaro de ser investigado e julgado pelos crimes descritos na CPI da Covid: crime de epidemia, infração a medida sanitária, lesão corporal grave, charlatanismo, prevaricação.
Entre prescrições e coisa julgada, Gonet fechou o que Aras começou.
Há outra lista na mesa de Gonet: crimes de atentado contra o Estado de Direito, golpe de Estado, falsidade ideológica, peculato, organização criminosa e corrupção. Ainda não vimos denúncia.
“Vou fazendo o que eu me convenço de que é o certo na hora que me convenço que é a devida.” Gonet quer caracterizar sua inércia à luz das virtudes da prudência, da cautela e da técnica jurídica. Mas vai se candidatando para a história da covardia, do abuso de poder e do colaboracionismo, posto que seu antecessor, Augusto Aras, conquistou de forma vitalícia.
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