Enquanto crimes contra crianças e adolescentes na internet aumentam, esses jovens estão se conectando cada vez mais cedo. Segundo a edição 2024 da pesquisa TIC Kids Online Brasil, divulgada no fim de outubro, 93% da população entre 9 e 17 anos utiliza a internet, e mais da metade desse público acessa plataformas de mensagens e de compartilhamento de vídeos e fotos.
Na pesquisa, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) entrevistou presencialmente 2.424 crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, assim como seus pais ou responsáveis, em todo o território nacional, entre março e agosto de 2024.
Ainda de acordo com o levantamento, 30% desses jovens relataram que tiveram contato com alguém na internet que não conheciam pessoalmente.
A exposição online a conteúdos inadequados, o assédio e o contato com estranhos podem passar despercebidos, como mostram relatos colhidos pela reportagem no último mês.
Em três casos, o modus operandi é semelhante: o abusador se aproxima por meios digitais, conquista a confiança da criança ou adolescente com promessas e tenta marcar um encontro.
Em 30 de agosto deste ano, a vendedora Michele Silva, 31, saiu de casa em Carapicuíba (SP) para trabalhar e não viu mais o filho, Alex Soares, 15, que desapareceu após conhecer um homem mais velho em um aplicativo de relacionamento.
Michele e seu marido receberam uma carta de despedida pelo WhatsApp, na qual Alex dizia que seguiria seu caminho com essa pessoa, prometendo voltar quando estivesse estabilizado. Desde então, os pais não conseguiram mais contato com ele, que também não foi visto na escola.
“Ele mandou mensagem muito bem detalhada, bem escrita, com pontos e vírgulas, e o Alex não é de escrever assim. Falando que estava indo embora, que tinha conhecido uma pessoa pelo aplicativo, e que quando estivesse mais estruturado, voltava. E bloqueou todo mundo. Mas só que o texto não era dele”, conta a mãe.
Os pais investigaram e descobriram, por meio dos amigos do adolescente, que ele havia conhecido um homem de cerca de 40 anos na internet, que se apresentava como financeiramente estável e orientava o garoto. Sem dar detalhes ou revelar a identidade dessa pessoa, contam os pais, Alex comentou com amigos que planejava fazer algo imprudente.
Segundo a família, o adolescente não tinha costume de sair sozinho e não sabia andar de transporte público. Os pais acreditam que o filho foi enganado por alguém com experiência em aliciamento de menores, que sabia como agir para não ser identificado.
Ainda segundo a mãe, Alex nunca dava trabalho e tinha bom desempenho na escolha. Ela não notou mudanças no comportamento do adolescente antes do desaparecimento.
“Ele se deixou levar por uma fantasia. Eu não sei o que se passou na cabeça dele, mas essa pessoa soube induzir muito bem e com certeza vinha falando com ele há muito tempo”, diz Michele. A família registrou um boletim de ocorrência, e o caso segue em investigação. Michele segue sem saber o paradeiro do filho.
Promessa de carreira em jogos
Lucas (nome fictício), 16, sempre teve interesse por jogos online. Há um ano, começou a conversar em um chat com alguém que se apresentava como mentor de carreira na área. Durante oito meses, o jovem manteve contato com essa pessoa, que prometia ajudá-lo a participar de campeonatos profissionais.
Os pais de Lucas estavam cientes de que ele jogava, mas desconheciam que o filho mantinha conversas com estranhos na internet. Embora sempre o tivessem orientado a não compartilhar dados pessoais com desconhecidos, a possibilidade de crimes sexuais nunca havia sido uma preocupação em discussões sobre segurança online.
As conversas com o mentor começaram de maneira comum, sempre focadas em jogos e na chance de se tornar um profissional. Com o tempo, à medida que a confiança se estabeleceu, a abordagem mudou.
O adolescente foi convidado a conhecer o ambiente onde o mentor supostamente trabalhava com outros jovens.
O encontro foi marcado perto da escola onde Lucas estudava, um colégio particular localizado na cidade de São Paulo. Ao sair da escola, o adolescente foi ao local combinado, onde foi sequestrado por dois homens. Nos dois dias em que ficou refém, Lucas foi abusado sexualmente.
Quando o garoto desapareceu, os pais não procuraram a polícia. Pensando ser um sequestro para pedido de resgate, contrataram um escritório de advocacia especializado em direito penal e investigações. Lucas foi libertado pelos sequestradores antes que a investigação chegasse a ele.
Por medo de exposição, a família não registrou ocorrência e se mudou para os Estados Unidos, onde recebe apoio psicológico.
O relato foi dado pelo escritório de advocacia que esteve à frente do caso e que informou ter encontrado indícios de que uma rede de abusadores foi responsável pelo sequestro. O depoimento foi autorizado pelos familiares da vítima.
Tentativa de encontro
Lúcia (nome fictício), 42, afirma ter sido um choque descobrir, em 2022, que seu filho de então 13 anos estava conversando com um desconhecido no Instagram. O adolescente não tinha celular próprio e usava as redes sociais no aparelho da mãe, em horários determinados.
Ao acordar de madrugada e encontrá-lo mexendo em seu celular, Lúcia exigiu que ele mostrasse o que estava fazendo. Encontrou uma conversa com conteúdo adulto, troca de fotos nuas, tentativas de encontro e promessas de presentes. O homem nunca mostrava o rosto e se passava por alguém mais jovem, conta a mãe.
Antes disso, o adolescente chegou a marcar um encontro, mas não apareceu por causa do aniversário de um primo. Moradora do bairro da Brasilândia, em São Paulo, a mãe se diz agradecida por ter descoberto a situação a tempo e evitado algo pior. Ela registrou boletim de ocorrência e, na época, proibiu a criança de usar o celular.
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