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Música gospel mobiliza periferias e ganha data nacional

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Luiz Claudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil

Na caixa de isopor que Samuel Silva carregava havia mais do que trufas de chocolate para vender na porta da igreja. A mãe dele preparava o doce durante a noite.

Naquele caminho de quase dois quilômetros de casa, no bairro de Vasco da Gama, até a Assembleia de Deus, na comunidade da Linha do Tiro, na zona norte do Recife, o rapaz de 18 anos andava, pensava e ‘ouvia’ os sons que poderiam surgir. Sons do contrabaixo que ele sonhava em comprar, por R$ 800, se vendesse todas as trufas depois do culto, a R$ 2. “Eu não podia adiar meu sonho”.


Brasília (DF) 19/10/2024 - Rivanilson Alves, o Rivas, em periferias, evangélicos dizem que “gospel” tem múltiplos significados
Foto: Jefferson D. Modesto/Divulgação
Brasília (DF) 19/10/2024 - Rivanilson Alves, o Rivas, em periferias, evangélicos dizem que “gospel” tem múltiplos significados
Foto: Jefferson D. Modesto/Divulgação

Samuel Silva é operador de loja em supermercado do Recife e cantor de música gospel – Jefferson D. Modesto/Divulgação

Depois de dois anos, ele conseguiu adquirir o instrumento. A igreja evangélica foi o lugar em que ele cresceu, aprendeu a tocar, ouvir e cantar as músicas cristãs no domingo, o dia mais esperado da semana.

Dez anos depois, Samuel entende que a “música de louvor” o transformou. Tanto que também aprendeu o violão.

Na última semana, ele classificou como “reconhecimento” – ideia que não é unanimidade entre os evangélicos – a lei que instituiu o Dia da Música Gospel no Brasil, em 9 de junho: “é bom ter um dia em homenagem. Essa música me traz paz”.

Samuel espera ansiosamente cada domingo para tocar e cantar também como alívio depois de longas jornadas como operador de loja em um supermercado no Recife.

“No meu tempinho livre, eu reúno o pessoal da igreja para a gente ensaiar. A música tem um significado muito grande para a gente”.

Hoje, ele ensina o gênero musical a crianças e adolescentes, assim como um dia aprendeu. “Quando os mais novos nos veem com instrumentos, perguntam como que faz para tocar.”

Visibilidade

Segundo explica o professor de sociologia Paulo Gracino de Souza Junior, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), a música ocupa um lugar central no pertencimento do evangélico: “a música chamada gospel é ouvida em igrejas e doutrinas diferentes. É bastante importante não só para o segmento evangélico”.

O professor entende que o Dia da Música Gospel, sancionado pelo presidente Lula na última terça-feira (15), é uma forma de contrabalancear a visibilidade dada pelo Estado às representações culturais que foram majoritariamente ligadas à crença católica.

“O segmento evangélico tem uma máquina midiática própria que consegue, por exemplo, construir visibilidade pública. A música gospel, por exemplo, tem chegado além do público evangélico.”

Ele exemplifica que artistas e atletas expõem canções gospel não necessariamente ligadas à crença pessoal e esse tipo de música já adentrou todos os espaços. “Você entra no supermercado, por exemplo, na periferia do Rio de Janeiro, e escuta música gospel tocando no rádio”.

Cenário de desassistência

O pesquisador contextualiza que as igrejas exercem um papel importante na periferia, em espaços de menos lazer, e são centrais para a discussão de problemas da comunidade, de problemas pessoais e também de aprendizagem de uma profissão e de uma prática cultural nova.

Outra relação que o pesquisador estabelece é que a música na igreja representa o local de aprendizado de instrumentos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, também existe o fenômeno de pessoas que passaram pela igreja, pelos corais e acabaram depois seguindo carreira artística”.


Brasília (DF) 19/10/2024 - Samuel Silva, em periferias, evangélicos dizem que “gospel” tem múltiplos significados
Foto: Thiago Mesquita/Divulgação
Brasília (DF) 19/10/2024 - Samuel Silva, em periferias, evangélicos dizem que “gospel” tem múltiplos significados
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O músico brasiliense Rivanilson Alves, o Rivas, toca na banda Bethel Band- Thiago Mesquita/Divulgação

O músico brasiliense Rivanilson Alves, o Rivas, de 55 anos, é compositor de hip hop e se converteu à igreja evangélica (Sal da Terra) no início dos anos 2000. Ele entende que ter um dia da música gospel é importante, mas chama a atenção para o fato de que há diferentes ramificações do estilo e, por isso, deve ser visto de forma ampla.

“Hoje a gente já tem vários estilos. Todos os estilos de músicas negras, o gospel já alcançou, como o pagode, o samba. São músicas que trazem a realidade da periferia. Quando a gente fala da música gospel, pensamos em algo mais espiritual”.

Ele vive na região do Sol Nascente, no Distrito Federal e toca na Bethel Band. “Traz mais funk e soul”. Foi a música e as suas reflexões que o levaram para a igreja. Ele garante que, dentro da igreja, teve apoio e não sentiu olhos enviesados para o hip hop gospel. “A gente mantém essa linha mais black music e tratando de periferia”.

“Apelo comercial”

O carioca Isaias Campos, de 59 anos, da Igreja do Senhor, no bairro de Bento Ribeiro, na zona norte, aprendeu a tocar o pandeiro na igreja na adolescência e afirma que as igrejas devem vencer o preconceito contra estilos musicais periféricos.

“Eu descobri o cantar. A minha voz tem uma tonalidade raríssima, que é o baixo profundo”. Ele considera que a denominação gospel tem apelo comercial e as gravadoras descobriram esse filão promissor.

O músico evangélico avalia que a data nacional pode ser utilizada pelas empresas para finalidade comercial. “Eu não diferencio músicas cristãs de profanas, mas se são boas ou ruins. São da música popular brasileira”. 

Da mesma forma, também do Rio de Janeiro, o professor evangélico Samuel Gomes de Souza, de 59 anos, das áreas de geografia e sociologia, avalia que o Dia da Música Gospel tem características de um ato político de conciliação ou aproximação com as lideranças evangélicas. “Eu não gosto do termo gospel porque ele não tem nada com a nossa realidade”.


15.10.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/ 2023, que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto. Brasília - DF.
Foto: Ricardo Stuckert / PR
15.10.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/ 2023, que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto. Brasília - DF.
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Presidente Lula durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/ 2023, que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto – Ricardo Stuckert

Na bateria…

Seja como for a denominação, a enfermeira Angélica dos Santos, de 45 anos – que também é cantora e compositora na igreja –, diz que resolveu usar a música para servir a uma igreja na comunidade de Céu Azul, na cidade de Valparaíso de Goiás (GO), na Igreja de Cristo.

Foi a música que também a comoveu para ingressar na igreja, na adolescente. Hoje quer ensinar e encantar com a música outros jovens, como um dia ocorreu com ela, nos tempos em que aprendeu a cantar e tocar violão.

“A gente nem chamava de gospel antes. A música está ligada, para cristãos em geral, em primeiro lugar, como um vínculo de adoração a Deus. Depois, quando ela te aproxima de Deus, ela também te aproxima de outras pessoas. E assim criamos laços.”

Entre os laços, ela testemunhou histórias que aprendeu a admirar, como a do servente de pedreiro Denilson Pereira, de 34 anos, morador de Jardim Ingá, na cidade de Luziânia (GO). Depois de perder os pais e se encontrar em situação de maior vulnerabilidade social, ficou desesperançoso chamado para “caminhos errados”. Na igreja, encontrou o som que fez a diferença, o da bateria. “Aprendi até que rápido. Posso dizer que foi a música que me deu esperança”.



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Ufac recepciona estudantes de licenciaturas que farão o Enade — Universidade Federal do Acre

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Ufac recepciona estudantes de licenciaturas que farão o Enade — Universidade Federal do Acre

A Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da Ufac realizou, nesta sexta-feira, 24, no Teatro Universitário, a recepção aos alunos concluintes dos cursos de licenciatura que participarão do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), neste domingo, 26.
O evento teve como objetivo acolher e motivar os estudantes para a realização da prova, que tem grande importância para a formação docente e para a avaliação dos cursos de graduação. Ao todo, 530 alunos participarão do Enade Licenciaturas este ano, sendo 397 em Rio Branco e 133 em Cruzeiro do Sul.
Participam do Enade Licenciaturas os concluintes dos cursos de Física, Física EaD, Letras/Português, Letras/Inglês, História, Geografia, Ciências Biológicas, Química, Matemática, Matemática EaD, Pedagogia, Ciências Sociais, Filosofia e Educação Física.

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, que representou a reitora Guida Aquino, destacou o papel da universidade pública na formação docente e o compromisso social que acompanha o exercício do magistério. “A missão de quem se forma nesta instituição vai além do diploma. É defender a educação pública, a democracia e os direitos humanos. Vocês representam o que há de melhor na educação acreana e brasileira. Cada um de vocês é parte da história e da luta da Ufac.”

A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, ressaltou o caráter formativo do exame e o compromisso da universidade com a qualidade da educação. “O Enade é mais do que uma prova. Ele representa uma etapa importante da trajetória de cada estudante que trilhou sua formação nesta universidade. É um momento de reflexão sobre o aprendizado, o esforço e o legado que cada um deixa para os próximos alunos.”
Ela reforçou que o desempenho dos estudantes é determinante para o conceito de cada curso e destacou a importância da participação responsável. “É fundamental que todos façam a prova com dedicação, levando o nome da Ufac com orgulho. Nós preparamos esse encontro para motivar, orientar, e entregar um kit com lanche, água, fruta e caneta, ajudando os alunos a se organizarem para o domingo.”
A pró-reitora lembrou ainda que a mesma ação está sendo realizada no campus Floresta, em Cruzeiro do Sul, com o apoio da equipe da Prograd e dos coordenadores locais. “Lá, os alunos estão distribuídos em três escolas, e nossa equipe vai acompanhá-los no dia da prova, garantindo o mesmo acolhimento e suporte.”

O evento contou com apresentação cultural da cantora Luzienne Lucena e do Grupo Vibe, do projeto Pró-Cultura Estudantil, formado pelos acadêmicos Gabriel Daniel (Sistemas de Informação), Geovanna Maria (Teatro) e Lucas Santos (Música).
Também participaram da solenidade a diretora de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Grace Gotelip; e os coordenadores de cursos de licenciatura: Francisca do Nascimento Pereira Filha (Pedagogia), Lucilene Almeida (Geografia) e Alcides Loureiro Santos (Química).

 



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Ufac promove ação de autocuidado para servidoras e terceirizadas — Universidade Federal do Acre

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Ufac promove ação de autocuidado para servidoras e terceirizadas — Universidade Federal do Acre

A Coordenadoria de Vigilância à Saúde do Servidor (CVSS) da Ufac realizou, nesta quinta-feira, 23, o evento “Cuidar de Si É um Ato de Amor”, em alusão à Campanha Outubro Rosa. A atividade ocorreu no Setor Médico Pericial e teve como público-alvo servidoras técnico-administrativas, docentes e trabalhadoras terceirizadas.

A ação buscou reforçar a importância do autocuidado e da atenção integral à saúde da mulher, indo além da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama e do colo do útero. O objetivo foi promover um momento de acolhimento e bem-estar, integrando ações de valorização e promoção da saúde no ambiente de trabalho.

“O mês de outubro não deve ser apenas um momento de lembrar dos exames preventivos, mas também de refletir sobre o cuidado com a saúde como um todo”, disse a coordenadora da CVSS, Priscila Oliveira de Miranda. Ela ressaltou que muitas mulheres acabam se sobrecarregando com as demandas da casa, da família e do trabalho e acabam deixando o autocuidado em segundo plano.

Priscila também explicou que a iniciativa buscou proporcionar um espaço de pausa e acolhimento no ambiente de trabalho. “Nem sempre é fácil parar para se cuidar ou ter acesso a ações de relaxamento e promoção da saúde. Por isso, organizamos esse momento para que as servidoras possam respirar e se dedicar a si mesmas.” 

O setor mantém atividades contínuas, como consultas com clínico-geral, nutricionista e fonoaudióloga, além de grupos de caminhada e ações voltadas à saúde mental. “Essas iniciativas estão sempre disponíveis. É importante que as mulheres participem e mantenham o compromisso com o próprio bem-estar”, completou.

A programação contou com acolhimento, roda de conversa mediada pela assistente social Kayla Monique, lanche compartilhado e o momento “Cuidando de Si”, com acupuntura, auriculoterapia, reflexologia podal, ventosaterapia e orientações de cuidados com a pele. A ação teve parceria da Liga Acadêmica de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde e da especialista em bem-estar Marciane Villeme.

 



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Ufac realiza abertura do Fórum Permanente da Graduação — Universidade Federal do Acre

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Ufac realiza abertura do Fórum Permanente da Graduação — Universidade Federal do Acre

A Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da Ufac realizou, nesta terça-feira, 21, no anfiteatro Garibaldi Brasil, campus-sede, a abertura do Fórum Permanente da Graduação. O evento visa promover a reflexão e o diálogo sobre políticas e diretrizes que fortalecem o ensino de graduação na instituição.

Com o tema “O Compromisso Social da Universidade Pública: Desafios, Práticas e Perspectivas Transformadoras”, a programação reúne conferências, mesas temáticas e fóruns de discussão. A abertura contou com apresentação cultural do Trio Caribe, formado pelos músicos James, Nilton e Eullis, em parceria com a Fundação de Cultura Elias Mansour.
O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, representou a reitora Guida Aquino. Ele destacou o papel da universidade pública diante dos desafios orçamentários e institucionais. “Em 2025, conseguimos destinar R$ 10 milhões de emendas parlamentares para custeio, algo inédito em 61 anos de história.”

Para ele, a curricularização da extensão representa uma oportunidade de aproximar a formação acadêmica das demandas sociais. “A universidade pública tem potencial para ser uma plataforma de políticas públicas”, disse. “Precisamos formar jovens críticos, conscientes do território e dos problemas que enfrentamos.”
A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, ressaltou que o fórum reúne coordenadores e docentes dos cursos de bacharelado e licenciatura, incluindo representantes do campus de Cruzeiro do Sul. “O encontro trata de temáticas comuns aos cursos, como estágio supervisionado e curricularização da extensão. Queremos sair daqui com propostas de reformulação dos projetos de curso, alinhando a formação às expectativas e realidades dos nossos alunos.”
A conferência de abertura foi ministrada pelo professor Diêgo Madureira de Oliveira, da Universidade de Brasília, que abordou os desafios e as transformações da formação universitária diante das novas demandas sociais. Ao final do fórum, será elaborada uma carta de encaminhamentos à Prograd, que servirá de base para o planejamento acadêmico de 2026.
Também participaram da solenidade de abertura a diretora de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Grace Gotelip; o diretor do CCSD, Carlos Frank Viga Ramos; e o vice-diretor do CMulti, do campus Floresta, Tiago Jorge.



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