Uma tempestade tropical se dirigia para a costa do Golfo da Flórida, nos EUA, no final de setembro, quando editores sênior do The Washington Post viajaram para Miami para uma reunião com Jeff Bezos, o bilionário dono do jornal.
Durante a visita, David Shipley, editor de opinião do Post, e Will Lewis, CEO e publisher do jornal, discutiram planos para o futuro da seção de opiniões. A eleição, que ocorreria em menos de 45 dias, era um tema central.
Ao final do encontro, segundo quatro fontes que quiseram permanecer anônimas, parecia a Shipley e Lewis que Bezos tinha ressalvas quanto ao Post declarar apoio a qualquer um dos candidatos na corrida presidencial. No entanto, achavam que ele estava aberto à negociação.
A escolha de Bezos, de encerrar a prática de endosso do Post, foi anunciada publicamente na sexta-feira (25), atraindo críticas de repórteres, editores e leitores, e foi repreendida por jornalistas que atuam no próprio veículo, como Bob Woodward e Carl Bernstein.
O empresário, que fundou a Amazon e a Blue Origin, de tecnologia aeroespacial, teve desentendimentos com o rival eleitoral de Harris, Donald Trump, que se mostrou hostil a ele nas redes sociais.
Em 2019, a Amazon processou o governo Trump, culpando a antipatia do ex-presidente em relação a Bezos pela perda de um contrato bilionário com o Pentágono.
As empresas fundadas por ele, no entanto, continuam a competir por acordos governamentais. No mesmo dia do anúncio do Post, executivos da Blue Origin, que tem contrato com a Nasa para construir um módulo lunar, se encontraram com Trump.
A decisão de parar com os endossos presidenciais no Post ocorreu após a notícia de que o proprietário do Los Angeles Times, Patrick Soon-Shiong, também abandonaria a prática.
Shipley anunciou a nova política ao conselho editorial do jornal sem muito entusiasmo, segundo uma fonte que estava presente. Na reunião com Bezos, o editor e o publisher, Lewis, argumentaram contra o fim da tradição.
Questionado pelo conselho editorial, que não foi consultado sobre a decisão, o Shipley explicou que o Post não diria mais às pessoas como votar, e essa postura refletia a independência do jornal.
Os membros do conselho haviam presumido que o jornal apoiaria Harris. Dois deles escreveram o editorial de endosso à candidata, que aguardava aprovação para ser publicado —o que nunca aconteceu.
O anúncio foi enviado a toda a redação por volta do meio-dia. Lewis disse no memorando que o Post estava voltando a uma política antiga, confiando que os leitores “fizessem suas próprias escolhas”. O Post fez endossos em todas as eleições presidenciais desde 1976, com exceção de uma abstenção, em 1988.
A decisão, noticiada pela NPR (National Public Radio), gerou uma reação quase instantânea. Em minutos, Martin Baron, ex-editor do Post, publicou na plataforma X, antigo Twitter, que isso era “covardia, com a democracia como vítima”. Robert Kagan, editor que escreve para o Post há mais de duas décadas, enviou um e-mail a Shipley pedindo demissão.
Em entrevista, Kagan disse que a decisão de não apoiar um candidato era “claramente um sinal de bajulação preventiva” em relação a Trump. “O Post tem enfatizado que Donald Trump é uma ameaça à democracia. Então esta é a eleição, este é o momento em que decidimos ser neutros?”.
No Slack, aplicativo de mensagens usado pelo Post, os leitores pediam por informações. Vineet Khosla, diretor de tecnologia, instruiu que a ferramenta experimental de inteligência artificial do jornal fosse impedida de responder a perguntas sobre a decisão.
Questionado, Matt Murray, editor executivo, afirmou não ter participado da decisão, porque a redação é independente do departamento de Opinião. Numa tentativa de tranquilizar os funcionários do jornal, disse que “o que a redação faz tem apoio até o topo da empresa”.
Em um editorial, 18 colunistas do Post assinaram um texto que chamava a decisão de “erro terrível”.
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