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Ainda Estou Aqui e a Vala Clandestina de Perus – 19/11/2024 – Morte Sem Tabu

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Jéssica Moreira

Feriado da Proclamação da República. O shopping na periferia da zona norte de São Paulo (SP) estava cheio de famílias. Eu e a minha ali entre as demais, aguardando para ver um filme também sobre família: “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles

Em determinada cena, quando Eunice Paiva pergunta a um amigo o que poderia acontecer aos desaparecidos políticos, ele responde que alguns poderiam ser jogados em alto-mar, outros enterrados em valas clandestinas como indigentes. Eu quase pulei da cadeira do cinema para entrar na tela e dizer que aqui em Perus, periferia paulistana, uma dessas valas fora construída na década de 1970, no Cemitério Dom Bosco, e suas reminiscências continuam aqui.

Neste cemitério, onde estão as lápides de todos os meus familiares, há uma placa vermelha enorme com letras brancas que dizem: “Os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do Estado Policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo, os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos”.

Nasci e ainda moro em Perus. Cresci indo à missa do Dia de Finados em homenagem às vítimas enterradas na vala. Segundo o CAAF (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense), das 1.049 ossadas encontradas no espaço, cinco foram identificadas, e realizada a investigação ante mortem junto a 42 famílias de vítimas de desaparecimento forçado durante a ditadura. As demais eram de jovens executados pelo Esquadrão da Morte – grupos de policiais envolvidos com a criminalidade e práticas de tortura – ou de vítimas da epidemia de meningite que assolava os territórios periféricos. Todas são vítimas do período.

Meu tio era sepultador e, sem querer ou saber, colaborou tanto na construção da vala, quanto em sua abertura e descoberta em 1992, durante o mandato de Luiza Erundina como prefeita da capital paulista. Uma pá que ele utilizava no cemitério foi usada há alguns anos pelo Grupo Pandora de Teatro no espetáculo “Comum“, que rodou diversas escolas contando essa história. Na Comunidade Cultural Quilombaque, jovens negros reconstroem os passos desse episódio com as trilhas da memória “Ditadura Nunca Mais” e com a ação de artistas que pintaram os muros do cemitério a partir do olhar periférico para a ditadura no país. Atualmente, há uma comissão formada por familiares de vítimas e moradores que reivindica o Memorial da Vala no local.

Mas falar sobre isso com as gerações mais velhas ainda é um tabu no bairro. Em 2020, publiquei nesta Folha uma reportagem ouvindo os moradores sobre o período. O silêncio e o medo de represálias são constantes. A ditadura afetou as periferias de modos diferentes daqueles que acometeram as classes média e alta, mas com paralelos comuns. A blitz policial que abre o filme é retrato de algo que acontece com pessoas negras e periféricas todos os dias ainda hoje. Os relatos das periferias contam de uma presença militar maciça e de ameaças constantes pelo simples fato de estar à noite na rua. Ou, então, não portar a carteira de trabalho assinada que comprovasse sua cidadania – mas quem conseguia trabalhos formais naquela época?

Isso não acontece apenas em Perus. Em 2021, produzi uma das séries do podcast Marimbás, intitulada “Territórios da Memória“, uma parceria do Nós, mulheres da periferia com o Instituto Vladimir Herzog. As histórias do período ditatorial nas periferias de norte a sul se misturam com a violência que povos negros e indígenas sempre vivenciaram. Povos inteiros sendo dizimados e escravizados. A chamada “abolição inconclusa” nunca garantiu realmente os direitos ao povo negro recém-liberto. Foi em meio à ditadura, inclusive, que nasceu oficialmente o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), em resposta a dois casos de racismo – o primeiro envolvendo meninos do time infantil de vôlei do Clube Regatas Tietê, e o segundo a prisão, tortura e morte de Robson Silveira da Luz.

Aos que lutavam por melhores direitos – como fizeram os trabalhadores da Fábrica de Cimento de Perus, que é assunto do meu primeiro livro “Queixadas – por trás dos 7 anos de greve” – também havia represálias e uma forte presença militar dentro do chão da fábrica. Exemplo disso é a história do líder operário Santo Dias, assassinado em outubro de 1979 por agentes do Estado, enquanto comandava um piquete por melhores condições no trabalho. Foi um momento marcado pela fome e alto custo dos alimentos, como conta Ana Dias, uma das lideranças do Movimento Custo de Vida, que tem seu berço na zona sul de SP e mostra como a reação periférica à Ditadura nunca foi passiva, mas cheia de movimentos em busca de direitos mínimos.

No livro “Heroínas dessa História – mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura” (Editora Autêntica, org. por Tatiana Merlino e Carla Borges) escrevo sobre Damaris Lucena, uma mulher negra, maranhense, líder sindical e operária, militante política na luta por direitos. Damaris morreu aos 93 anos, em 2020, e seus relatos carregam a memória da resistência operária à ditadura. Seu companheiro, Antônio Raymundo Lucena, foi assassinado em 1970, em Atibaia (SP), em casa, na frente da família por agentes do Estado. Damaris foi presa e torturada nas dependências da Oban. Recebeu asilo em Cuba e voltou ao Brasil com a Lei de Anistia. Assim como Rubens Paiva, o corpo de Raymundo Lucena também nunca foi encontrado.

Embora haja uma distância entre o meu núcleo familiar e o de Marcelo Rubens Paiva – advindo da classe média – há elementos que nos aproximam. Ao acompanhar a dilacerante dor de Eunice Paiva em “Ainda Estou Aqui” ou de Damaris Lucena enquanto eu a entrevistava, me conectei à minha mãe. Em junho de 1980, minha avó materna desapareceu. A família, que havia migrado do Paraná para São Paulo em busca de uma vida melhor, viu o sonho da cidade grande se dissipar em angústia. O meu tio sepultador – o mesmo que construiu a vala – conhecia mais sobre as burocracias da morte, e a levou até o IML. Ao abrir a gaveta, o pesadelo do desaparecimento realmente acabou, dando espaço ao luto, a um velório de despedida e a uma cova pública na terra, que depois seria transferida para as paredes do cemitério Dom Bosco.

Mas essa dor do desaparecimento poderia ter sido diferente e esse luto estar sendo arrastado até hoje. Com contrastes entre luz e sombra, mar calmo e revolto, “Ainda Estou aqui” nos convida a passar pelo redemoinho de um luto sem nome, sem cheiro, sem corpo para enterrar. Nos convida a fechar as portas e janelas no dia em que um pai sumiu e ficou não apenas um buraco, mas um labirinto sem saída em todos os cantos da casa. Um filme para quem já viu a mãe precisando segurar o mundo todo nos ombros sem descanso, diante da falta de seu parceiro. Aliás, a atuação de Fernanda Torres e seu excelente trabalho corporal nos leva aos piores e angustiantes dias vividos por Eunice Paiva.

Quando o cachorro Pimpão é atropelado e morre, a família Paiva vive o luto possível. Reunidos em torno do animal estirado no asfalto, as crianças choram sua partida; Eunice Paiva pode, por alguns segundos, esbravejar a raiva guardada no peito. Todos cavam com as próprias unhas uma cova improvisada e enterram o animal de estimação com um cobertor. O subtexto da cena mostra a maestria da construção de Walter Salles. É uma família fazendo a mortalha possível diante da morte que estava diante dos olhos, já que os restos mortais de Rubens Paiva nunca foram localizados.

Com uma direção de fotografia que nos faz mergulhar no período histórico que retrata, junto a uma trilha sonora que mescla picos de ânimo e silêncios profundos, “Ainda Estou Aqui” é um filme para todos que não têm medo de se conectar às suas histórias, memórias e dores profundas. Fico extremamente emocionada ao ver a repercussão nacional e internacional deste filme. Todos nós ganhamos, pois abrimos uma brecha importante para falar sobre esse tema em nossos territórios, escolas, até mesmo na mesa do bar. Espero que esse momento não seja passageiro e haja o interesse e vontade política de trazer à tona histórias ainda não contadas. Infelizmente, a ditadura civil-militar ainda está bem aqui.

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Ufac apresenta delegação que vai para os Jubs 2025 — Universidade Federal do Acre

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Ufac apresenta delegação que vai para os Jubs 2025 — Universidade Federal do Acre

A Ufac, por meio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (Proex) e em parceria com a Federação do Desporto Universitário Acreano (FDUA), apresentou oficialmente a delegação que representará a instituição nos Jogos Universitários Brasileiros (Jubs) de 2025. O grupo, formado por cerca de 70 estudantes-atletas e técnicos voluntários, foi apresentado em cerimônia realizada na quadra do Sesi neste sábado, 27.

A equipe, que competirá no maior evento de desporto universitário da América Latina, levará as cores da Ufac e do Acre em diversas modalidades: handebol, voleibol, xadrez, taekwondo, basquete, cheerleading, futsal e a modalidade eletrônica Free Fire. A edição deste ano dos jogos ocorrerá em Natal, no Rio Grande do Norte, entre 5 e 19 de outubro, e deve reunir mais de 6.500 atletas de todo o país.

A abertura do evento ficou por conta da apresentação da bateria Kamboteria, da Associação Atlética Acadêmica de Medicina da Ufac, a Sinistra. Sob o comando da mestra Alexia de Albuquerque, o grupo animou os presentes com o som de tamborins, chocalhos, agogôs, repiques e caixas.

Em um dos momentos mais simbólicos da solenidade, a reitora da Ufac, Guida Aquino, entregou as bandeiras do Acre e da universidade aos atletas. Em sua fala, ela destacou o orgulho e a confiança depositada na delegação.

“Este é um momento de grande alegria para a nossa universidade. Ver a dedicação e o talento de nossos estudantes-atletas nos enche de orgulho. Vocês não estão apenas indo competir; estão levando o nome da Ufac e a força do nosso estado para todo o Brasil”, disse a reitora, que complementou: “O esporte universitário é uma ferramenta poderosa de formação, que ensina sobre disciplina, trabalho em equipe e superação”.

A cerimônia contou ainda com a apresentação do time de cheerleading, que empolgou os presentes com suas acrobacias, e foi encerrada com um jogo amistoso de vôlei.

Compuseram o dispositivo de honra do evento o deputado federal e representante da Federação das Indústrias do Estado do Acre (Fieac), José Adriano Ribeiro; o deputado estadual Eduardo Ribeiro; o vereador de Rio Branco Samir Bestene; o vice-presidente da Federação do Desporto Universitário do Acre, Sandro Melo; o pró-reitor de Extensão, Carlos Paula de Moraes; a diretora de Arte, Cultura e Integração Comunitária, Lya Beiruth; o coordenador do Centro de Referência Paralímpico e Dirigente Oficial da Delegação da Ufac nos Jubs 2025, Jader de Andrade Bezerra; e o presidente da Liga das Atléticas da Ufac, Max William da Silva Pedrosa.

 



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Ufac realiza 3ª Jornada das Profissões para alunos do ensino médio — Universidade Federal do Acre

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Ufac realiza 3ª Jornada das Profissões para alunos do ensino médio — Universidade Federal do Acre

A Pró-Reitoria de Graduação da Ufac realizou a solenidade de abertura da 3ª Jornada das Profissões. O evento ocorreu nesta sexta-feira, 26, no Teatro Universitário, campus-sede, e reuniu estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas do Estado, com o objetivo de aproximá-los da universidade e auxiliá-los na escolha de uma carreira. A abertura contou com apresentação cultural do palhaço Microbinho e exibição do vídeo institucional da Ufac.

A programação prevê a participação de cerca de 3 mil alunos durante todo o dia, vindos de 20 escolas, entre elas o Ifac e o Colégio de Aplicação da Ufac. Ao longo da jornada, os jovens conhecem os 53 cursos de graduação da instituição, além de laboratórios, espaços culturais e de pesquisa, como o Museu de Paleontologia, o Parque Zoobotânico e o Complexo da Medicina Veterinária.


Na abertura, a reitora Guida Aquino destacou a importância do encontro para os estudantes e para a instituição. Segundo ela, a energia da juventude renova o compromisso da universidade com sua missão. “Vocês são a razão de existir dessa universidade”, disse. “Tenho certeza de que muitos dos que estão aqui hoje ingressarão em 2026 na Ufac. Aproveitem este momento, conheçam os cursos e escolham aquilo que os fará felizes.”

A reitora também ressaltou a trajetória do evento, que chega à 3ª edição consolidado, e agradeceu as parcerias institucionais que possibilitam sua realização, como a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE) e a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM). “Sozinho ninguém faz nada, mas juntos somos mais fortes; é assim que a Ufac tem crescido, firmando-se como referência no ensino superior da Amazônia”, afirmou.
A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, explicou a proposta da jornada e o esforço coletivo envolvido na organização. “Nosso objetivo é mostrar os cursos de graduação da Ufac e ajudar esses jovens a identificarem áreas de afinidade que possam orientar suas escolhas profissionais. Muitos acreditam que a universidade é paga, então esse é também um momento de reforçar que se trata de uma instituição pública e gratuita.”

Entre os estudantes presentes estava Ana Luiza Souza de Oliveira, do 3º ano da Escola Boa União, que participou pela primeira vez da jornada. Ela contou estar animada com a experiência. “Quero ver de perto como funcionam as profissões, entender melhor cada uma. Tenho vontade de fazer Psicologia, mas também penso em Enfermagem. É uma oportunidade para tirar dúvidas.”


Também compuseram o dispositivo de honra o pró-reitor de Planejamento, Alexandre Hid; o pró-reitor de Administração, Tone Eli da Silva Roca; o presidente da FEM, Minoru Kinpara; além de diretores da universidade e representantes da SEE.



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Enanpoll — Universidade Federal do Acre

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publicado:
26/09/2025 14h57,


última modificação:
26/09/2025 14h58

1 a 3 de outubro de 2025



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