NOSSAS REDES

ACRE

Leia antes de assistir (ou não) a “O Auto da Compadecida 2”

PUBLICADO

em

Estreia nos cinemas, no dia de Natal, O Auto da Compadecida 2, continuação do lançado em 2000, dirigido pelo mesmo Guel Arraes. Como o primeiro é baseado na famosa peça teatral de Ariano Suassuna, que não escreveu uma continuação e faleceu em 2014, é natural que o novo filme desperte desconfiança e temor. Ainda mais quando o “espírito do tempo” atual é o de revisitar obras do passado para “atualizá-las” ao gosto da sensibilidade tirânica do progressismo reinante no mainstream.

Entretanto, antes de se recusar a assistir ao filme por causa desse risco – outra característica do nosso “espírito do tempo”, repleto de julgamentos prévios na base do “preciso saber se é de esquerda ou direita antes de tudo” –, vale a pena aproveitar a ocasião e revisitar a obra original para entender (ou descobrir) que uma continuação feita por terceiros é não só possível, como aceitável.

Antes do Auto da Compadecida começar, o leitor da peça encontra uma explicação do autor, Ariano Suassuna, dizendo: “O Auto da Compadecida foi escrito com base em romances e histórias populares do Nordeste”. E, antes disso, tem-se citações de três dessas histórias que foram aproveitadas na peça. São elas: O Castigo da Soberba, O Testamento do Cachorro e O Cavalo que Defecava Dinheiro. O leitor curioso que for ler essas histórias descobrirá que várias de suas partes foram transportadas para dentro da peça de Suassuna.

Quando a peça foi traduzida e encenada em outros países, críticos apontaram que histórias semelhantes existiam nas suas culturas, em particular a da França e Espanha (uma delas está no Dom Quixote, aliás), acreditando serem originais de suas terras. Mas não eram. Descobriu-se, segundo relato do próprio Suassuna, que essas histórias populares datavam do século XV e vinham da África, com os árabes, espalhando-se pela Europa e, depois, pelo Nordeste brasileiro.

Ao redor do buraco tudo é beira

Se essas histórias vêm de tão longe, sem autoria definida, sendo reaproveitadas por vários autores diferentes, por que razão a história de Suassuna, que faz parte desta tradição, não poderia servir de base para novas histórias surgirem, criadas por outros autores, como um Auto da Compadecida 2?

Não só pode como o próprio filme de 2000 fez isso. O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, acrescentou outras histórias na peça original, como partes de O Santo e a Porca, outra peça de Suassuna, além de referências ao Decameron, de Boccaccio. Outro exemplo: a cena inicial do filme, com João Grilo e Chicó ajudando o padre da paróquia a passar um filme da paixão de Cristo para seus fiéis, não existe na obra original.

Aliás, dos três filmes existentes até aqui do Auto da Compadecida, o de Guel Arraes é o que mais se distancia do texto original. O primeiro, de 1969, chamado A Compadecida, tendo Regina Duarte no papel de Nossa Senhora, Armando Bógus no de João Grilo, e Antônio Fagundes no de Chicó, teve a participação de Ariano Suassuna como roteirista. O filme se manteve próximo ao texto da peça, porém, como o próprio autor dizia, não possui o ritmo ideal, é lento demais, algo mortal para uma peça cômica.

O segundo filme é de 1987, feito pelos Trapalhões, com Renato Aragão no papel de João Grilo e Mussum no de Jesus negro. Suassuna adorou a interpretação de Renato, cujo personagem Didi não deixa de ser um tipo de João Grilo, que por sua vez é um personagem também retirado de várias histórias do cordel nordestino, sendo um daqueles personagens-tipo atemporais, arquetípicos encarnando em outros como, por exemplo, Pedro Malasartes e Agostinho Carrara (sim, do seriado de TV A Grande Família).

O João Grilo definitivo

Também o filme dos Trapalhões seguiu mais de perto o texto da peça do que o filme de Guel Arraes. Mas, dos três, o último é o melhor. E o próprio Suassuna concordava, chegando a dizer que no aspecto religioso o filme de Guel Arraes trazia contribuições que deixavam a peça melhor. Sem contar que Matheus Nachtergaele cunhou o João Grilo definitivo. Dificilmente outro ator fará melhor.

Matheus Nachtergaele volta ao papel de João Grilo 24 anos depois (Foto: Divulgação H2O Films)

Com tudo isso, muda-se a perspectiva sobre O Auto da Compadecida 2, com a desconfiança se transformando em curiosidade. Aos mais temerosos, é bom saber que o novo filme não foi feito à revelia da família do autor, que foi consultada e acompanhou o processo de criação para que a obra não escapasse de seu universo. E não deve ter escapado mesmo porque, do que se sabe até aqui, Guel Arraes usou de base para o roteiro outra peça de Suassuna, A Farsa da Boa Preguiça.

Dado o cuidado e esmero do diretor no primeiro filme, vale dar um voto de confiança para esse segundo. Se for digno do legado de Ariano Suassuna, teremos uma obra que tanto carece o “espírito do tempo” de hoje em dia, uma que escape dos moralismos reacionários à esquerda e direita e nos devolva a uma dimensão espiritual na qual direita e esquerda são julgadas, nunca os juízes. Se for assim, valerá repetir o dito pelo palhaço narrador da peça original: “espero que todos os presentes aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas.” Se não for, O Auto da Compadecida original seguirá sendo exemplar como sempre foi.

  • O Auto da Compadecida 2
  • 2024
  • 114 minutos
  • Indicado para maiores de 12 anos
  • Em cartaz nos cinemas a partir de 25 de dezembro

Leia Mais

Advertisement
Comentários

Warning: Undefined variable $user_ID in /home/u824415267/domains/acre.com.br/public_html/wp-content/themes/zox-news/comments.php on line 48

You must be logged in to post a comment Login

Comente aqui

ACRE

Ufac realiza 3ª Jornada das Profissões para alunos do ensino médio — Universidade Federal do Acre

PUBLICADO

em

Ufac realiza 3ª Jornada das Profissões para alunos do ensino médio — Universidade Federal do Acre

A Pró-Reitoria de Graduação da Ufac realizou a solenidade de abertura da 3ª Jornada das Profissões. O evento ocorreu nesta sexta-feira, 26, no Teatro Universitário, campus-sede, e reuniu estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas do Estado, com o objetivo de aproximá-los da universidade e auxiliá-los na escolha de uma carreira. A abertura contou com apresentação cultural do palhaço Microbinho e exibição do vídeo institucional da Ufac.

A programação prevê a participação de cerca de 3 mil alunos durante todo o dia, vindos de 20 escolas, entre elas o Ifac e o Colégio de Aplicação da Ufac. Ao longo da jornada, os jovens conhecem os 53 cursos de graduação da instituição, além de laboratórios, espaços culturais e de pesquisa, como o Museu de Paleontologia, o Parque Zoobotânico e o Complexo da Medicina Veterinária.


Na abertura, a reitora Guida Aquino destacou a importância do encontro para os estudantes e para a instituição. Segundo ela, a energia da juventude renova o compromisso da universidade com sua missão. “Vocês são a razão de existir dessa universidade”, disse. “Tenho certeza de que muitos dos que estão aqui hoje ingressarão em 2026 na Ufac. Aproveitem este momento, conheçam os cursos e escolham aquilo que os fará felizes.”

A reitora também ressaltou a trajetória do evento, que chega à 3ª edição consolidado, e agradeceu as parcerias institucionais que possibilitam sua realização, como a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE) e a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM). “Sozinho ninguém faz nada, mas juntos somos mais fortes; é assim que a Ufac tem crescido, firmando-se como referência no ensino superior da Amazônia”, afirmou.
A pró-reitora de Graduação, Ednaceli Damasceno, explicou a proposta da jornada e o esforço coletivo envolvido na organização. “Nosso objetivo é mostrar os cursos de graduação da Ufac e ajudar esses jovens a identificarem áreas de afinidade que possam orientar suas escolhas profissionais. Muitos acreditam que a universidade é paga, então esse é também um momento de reforçar que se trata de uma instituição pública e gratuita.”

Entre os estudantes presentes estava Ana Luiza Souza de Oliveira, do 3º ano da Escola Boa União, que participou pela primeira vez da jornada. Ela contou estar animada com a experiência. “Quero ver de perto como funcionam as profissões, entender melhor cada uma. Tenho vontade de fazer Psicologia, mas também penso em Enfermagem. É uma oportunidade para tirar dúvidas.”


Também compuseram o dispositivo de honra o pró-reitor de Planejamento, Alexandre Hid; o pró-reitor de Administração, Tone Eli da Silva Roca; o presidente da FEM, Minoru Kinpara; além de diretores da universidade e representantes da SEE.



Leia Mais: UFAC

Continue lendo

ACRE

Enanpoll — Universidade Federal do Acre

PUBLICADO

em

enanpoll-event.jpg

Notícias


publicado:
26/09/2025 14h57,


última modificação:
26/09/2025 14h58

1 a 3 de outubro de 2025



Leia Mais: UFAC

Continue lendo

ACRE

Ufac inicia 34º Seminário de Iniciação Científica no campus-sede — Universidade Federal do Acre

PUBLICADO

em

Ufac inicia 34º Seminário de Iniciação Científica no campus-sede — Universidade Federal do Acre

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propeg) da Ufac iniciou, nessa segunda-feira, 22, no Teatro Universitário, campus-sede, o 34º Seminário de Iniciação Científica, com o tema “Pesquisa Científica e Inovação na Promoção da Sustentabilidade Socioambiental da Amazônia”. O evento continua até quarta-feira, 24, reunindo acadêmicos, pesquisadores e a comunidade externa.

“Estamos muito felizes em anunciar o aumento de 130 bolsas de pesquisa. É importante destacar que esse avanço não vem da renda do orçamento da universidade, mas sim de emendas parlamentares”, disse a reitora Guida Aquino. “Os trabalhos apresentados pelos nossos acadêmicos estão magníficos e refletem o potencial científico da Ufac.”

A pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Margarida Lima de Carvalho, ressaltou a importância da iniciação científica na formação acadêmica. “Quando o aluno participa da pesquisa desde a graduação, ele terá mais facilidade em chegar ao mestrado, ao doutorado e em compreender os processos que levam ao desenvolvimento de uma região.”

O pró-reitor de Extensão e Cultura, Carlos Paula de Moraes, comentou a integração entre ensino, pesquisa, extensão e o compromisso da universidade com a sociedade. “A universidade faz ensino e pesquisa de qualidade e não é de graça; ela custa muito, custa os impostos daqueles que talvez nunca entrem dentro de uma universidade. Por isso, o nosso compromisso é devolver a essa sociedade nossa contribuição.”

Os participantes assistiram à palestra do professor Leandro Dênis Battirola, que abordou o tema “Ciência e Tecnologia na Amazônia: O Papel Estratégico da Iniciação Científica”, e logo após participaram de uma oficina técnica com o professor Danilo Scramin Alves, proporcionando aos acadêmicos um momento de aprendizado prático e aprofundamento nas discussões propostas pelo evento.

(Camila Barbosa, estagiária Ascom/Ufac)

 



Leia Mais: UFAC

Continue lendo

MAIS LIDAS